Subsídios para o futuro da modalidade - parte 1

Subsídios para o futuro da modalidade - parte 1

OPINIÃO21.11.202318:54

Três propostas para o jogo que muito poderiam contribuir para a melhoria do espetáculo

1— Sou da opinião que estes espaços de comentário não deverão cingir-se à análise dos jogos dos nossos clubes podendo — aliás devendo — ir um pouco para além disso. O que, aliás, na minha perspetiva também afirma os clubes fora do arco da governação como tendo também voz nas grandes definições do jogo e das suas dinâmicas e não apenas nas suas reivindicações específicas. Vem isto a propósito de algo que me parece essencial ser refletido pela FIFA e que, em minha opinião, muito poderia contribuir para a melhoria do espetáculo e para a redução do ruído em torno de um fenómeno desportivo como o futebol. São três simples medidas que creio poderem ter um alcance positivo não negligenciável na transparência do jogo bem como na sua dinâmica.

2— Seriam estas as medidas que preconizaria:

Videoárbitro (VAR) com transmissões audíveis. Não obstante toda a polémica em torno da medida, há que reconhecer que a margem de falibilidade se reduziu imensamente, apesar de ter trazido aquele momento de suspense enquanto se aguarda pela opinião do VAR ou pelo visionamento pelo árbitro da partida. A generalidade dos adeptos confia na justeza da decisão validada, o que, podemos não querer recordar, mas reduziu significativamente a contestação aos vários lances da partida; porque todos sabem que estão a discutir com quem vê o lance num monitor e em câmara lenta, e não como antigamente sucedia em que eram os olhos do árbitro contra os olhos do adepto. Mas, sendo esta uma medida francamente positiva, não se compreende a manutenção da opacidade das comunicações entre árbitro de terreno e VAR. Se todos buscam a verdade desportiva, se as conversações decorrem na tentativa de descoberta dessa verdade, o que perdia o jogo em serem tornados públicos esses diálogos? Nada, apenas ganharia. Serve, aliás, como exemplo o que sucede já há muitos anos na modalidade de rugby, cujo Campeonato do Mundo ainda recentemente pudemos acompanhar. O árbitro transporta consigo um microfone que permite que quem acompanha o jogo à distância (e no estádio) consiga ouvir os diálogos do árbitro com os atletas, explicando o porquê das suas decisões, e os diálogos do árbitro com o VAR, discutindo as diferenças de pontos de vista. Transparência. Franqueza. Verdade. Os atletas respeitam, os adeptos compreendem as medidas. A modalidade ganha em credibilidade e transparência.

Tempo cronometrado – 30 minutos por cada parte. Outro enorme foco de arbitrariedade e, como tal, de contestação, são os descontos aplicados pelo árbitro da partida. Temos assistido a decisões nada coerentes, jogos em que há quase 20 minutos de descontos e outros em que os descontos são os convencionais. Além disso, a passagem do tempo faz com que todas as equipas — todas!, mesmo aqueles que gostam de disso se queixar — façam o chamado antijogo quando o resultado lhes vai de feição. Considero o antijogo das atitudes mais lastimáveis que existem no desporto. Lastimável mesmo, o que aliás a semântica revela. Porque é geralmente praticado por quem, pretendendo segurar um resultado que lhe seja benéfico, detesta ser objeto dessa mesma prática quando o resultado não lhe seja benéfico. É a hipocrisia erigida a prática habitual; e ensinada às crianças. Milhares de pessoas assistem à prática de atitudes que representam o contrário do que ensinámos aos nossos filhos quando lhes dizemos: «Não faças aos outros o que não gostavas que te fizessem a ti» e impavidamente vemos os seus ídolos a praticá-lo constantemente e toda a gente a achar muito bem. Pois eu vocifero contra os guarda-redes do Vitória sempre que os vejo a perder tempo. Considero uma atitude vergonhosa, mais ainda quando não gostamos que o mesmo nos seja feito a nós. Incompreensível. Considero por isso que se de cada vez que o jogo seja interrompido o relógio parar, todo o tempo passa a ser tempo útil de jogo e deixam de compensar as manobras mais ou menos teatrais de perda de tempo com lesões as mais das vezes ficcionadas. Eliminar tudo o que sejam manifestações de fracos princípios, de falsidade com posturas sérias como dor ou agonia, para mais num desporto tão mediatizado como é o futebol, é um imperativo ético. Naturalmente que dessa forma os 45 minutos em cada parte serão demasiado, por isso me parece que 30 minutos de tempo útil representará sensivelmente o mesmo tempo que agora dura uma parte de uma partida de futebol. É no fundo uma forma de não beneficiar o infrator, regra como sabemos muito cara ao futebol.

Linha de fora de jogo. Sendo o fora de jogo uma medida importante e que obriga as defesas a jogar mais subidas, favorecendo teoricamente o futebol ofensivo, a verdade é que me parece que ele devia conter exceções. Manter-se, mas com adaptações específicas ao retângulo de jogo. Sobretudo para evitar lances ridículos como o de um jogador estar em fora de jogo na pequena área adversária, o que pode suceder num canto não se revestindo de qualquer lógica racional face ao que a regra visa evitar. Resulta apenas da aplicação dogmática desta regra, que visa determinados objetivos como o de impedir que um avançado possa estacionar junto ao guarda-redes adversário, mas que se torna excessiva em lances em que quase todos os jogadores se encontram nessa área. Em suma, aquilo que defendo é a criação de uma linha de ausência de aplicação da regra de fora de jogo, uma linha a partir da qual esta regra não tem aplicação e que, em minha opinião, deveria representar a continuação da grande área, conquanto o jogador que vai fazer o passe esteja também para lá dessa mesma linha. Desta forma manter-se-ia intocada a regra do fora de jogo, mas impedir-se-iam aqueles foras de jogo incompreensíveis para a dinâmica do jogo e, sobretudo, implicaria a marcação de um maior número de golos, algo sempre relevante para o espetáculo desportivo.

PS. A comunidade vitoriana foi colhida pela triste notícia da partida do nosso capitão Carvalho. Agradecendo ao jornal A Bola  por ter permitido a introdução destas linhas após o envio do texto, quero apenas manifestar o quanto o Carvalho foi, em várias dimensões, um exemplo daquilo que é o Vitória. Um vimaranense, um jogador da terra, que cumpriu o sonho de jogar várias épocas no clube do seu coração. Capitão de equipa durante muitos anos, foram as suas mãos que em 1988 levantaram a Supertaça, o primeiro troféu no nosso palmarés. Discreto. Humilde. Trabalhador. Empenhado. Uma defesa durante muitos anos recheada de jogadores da terra – Laureta, Costeado, Miguel, Basílio e Carvalho – que correspondeu a um dos melhores períodos do nosso clube. O Carvalho parte, mas não nos deixa.