Ensaio sobre a parvoíce
Andriy Shevchenko, presidente da Federação Ucraniana de Futebol (IMAGO / Ukrinform)

OPINIÃO Ensaio sobre a parvoíce

OPINIÃO18.04.202411:05

«Um parvo de pé vai mais longe do que um intelectual sentado». António Lobo Antunes

A ideia peregrina de submeter os árbitros ucranianos ao detetor de mentiras provocou-me uma sonora gargalhada, a ponto dos meus companheiros de trabalho em A BOLA se questionarem se eu estava mesmo a trabalhar ou a ver vídeos de apanhados. Respondi que há situações em que não é possível traçar essa fronteira… O futebol é um mudo fértil de apanhados. Só não esperava que a decisão partisse de Shevchenko, um dos melhores avançados que vi jogar, hoje presidente da Federação Ucraniana de Futebol. A decisão, justificou, prende-se com o combate à corrupção no futebol ucraniano e quem chumbar no polígrafo é liminarmente afastado.

Ainda falta explicar ao pormenor como e em que circunstâncias os árbitros se vão submeter ao polígrafo. E porque sempre que é para a parvoíce podem mesmo contar comigo, preparei, graciosamente, uma sugestão de adenda aos regulamentos:

1 — Cada vez que um árbitro tome uma decisão gravosa e que seja contrariada pelo VAR, o capitão da equipa inicialmente penalizada tem o direito de se dirigir ao árbitro para exigir a clarificação das motivações que conduziram à decisão.  

2 — O capitão mantém a obrigação de se coibir da prática de linguagem ou gestos ofensivos, pelo que deve dirigir-se ao árbitro nos seguintes termos: «Confirmada uma desconformidade entre a decisão de Vossa Excelência e os factos que lhe deram origem, desconformidade que me parece ter excedido os limites do erro involuntário, venho por este modo exercer a prerrogativa de o mandar submeter ao teste do polígrafo para aquilatar das suas reais motivações».

Novo VAR: Verdade Absoluta Registada

O árbitro dirigia-se a um segundo posto de VAR (Verdade Absoluta Registada), sendo questionado se alguém lhe tinha prometido contrapartidas financeiras ou de outra natureza. Os adeptos sustinham a respiração e pelo sistema sonoro seria ouvida a pergunta e a resposta do árbitro. Uns segundos de suspense e o veredicto: honesto ou não honesto, acompanhado por um emoji no ecrã gigante.

Se o veredicto fosse honesto, uns gritariam «é sério, é sério», outros exigiriam uma inspeção ao aparelho por uma entidade estrangeira, bem como um teste do polígrafo ao… técnico do polígrafo. Se o veredicto fosse a desonestidade do árbitro, só não chamariam a polícia porque dois agentes estavam já de prevenção para detenção imediata, entrando para o seu lugar o 1.º árbitro suplente da lista de 20 nomeados...

Se o método for eficaz, aplica- se depois aos jogadores que falham grandes penalidades ou golos de baliza aberta, que fazem autogolos, que sofrem frangos ou são expulsos. A seguir os treinadores sobre as opções que tomam ou a gestão das substituições e também os dirigentes a cada apresentação de contas. Quem deve estar a interrogar-se «como é que nunca me lembrei disto?» é União Ciclista Internacional. As fortunas que se gastam em laboratórios e controlo anti-doping quando bastava chamar os ciclistas à mesa do polígrafo para se submeterem à pergunta sacramental: «Tomaste substâncias proibidas?»

Portugal vai muito mais à frente...

Este sistema nunca será necessário em Portugal. Herdeiros de uma tradição ancestral que nos tornou pioneiros no Mundo, adotámos uma método muito mais infalível e, bolo no topo da cereja, muito mais barato: se o árbitro decide a nosso favor é sério; se decide contra nós é desonesto… Não falha!

Talvez a ideia do detetor de mentiras tenha pernas para andar. António Lobo Antunes até defende que «um parvo de pé vai mais longe do que um intelectual sentado». Já para Erasmo de Roterdão o parvo serei eu, já que «rir de tudo é próprio dos parvos», embora junte «não rir de nada é próprio dos estúpidos». Menos mal, antes parvo do que estúpido. Só não concordo com o músico e ativista angolano Mauro Seralo, para quem «o silêncio é a melhor resposta à parvoíce». Eu continuo a achar que é a gargalhada...