Dedicada ao meu amigo Pedro Cruz

Dedicada ao meu amigo Pedro Cruz

OPINIÃO23.04.202409:37

Só ele para arrancar-me gargalhadas de cada vez que gritava, a 20 metros... «Anda cá, ladrão!»

A crónica de hoje não falará de futebol nem de árbitros ou de VAR. Não falará dos vários episódios de violência que se registaram em jogos de futebol, no passado fim de semana. E também não falará de lances difíceis, de penáltis por assinalar ou de vermelhos por exibir.

Deixo isso para outras núpcias. Hoje é dia de tributo. É dia de homenagear Pedro Cruz. O meu amigo Pedro Cruz. Esta é para ele, para a sua família, para os seus (muitos) amigos e para todos os seus colegas e conhecidos.

O Pedro partiu no domingo passado, às 10 horas da manhã, com apenas 53 anos de idade. Foi apenas mais uma vítima dessa doença horrível que insiste em roubar-nos os melhores.

O cancro - é esse o seu nome, cancro - é um bicho injusto e sorrateiro. É maquiavélico até. Tem essa capacidade perversa, de nos privar daqueles que mais gostamos sem nos dar uma explicação, sem nos dizer porquê. Sem sequer nos avisar que vai entrar a matar.

Odeio-o e temo-o, mas não o respeito. Desprezo-o.

O Pedro não queria que se soubesse que estava (muito) doente. Se calhar foi por isso que no nosso último almoço, aqui há uns tempos, não mencionou uma única palavra sobre o assunto e eu, burro e pouco perspicaz, afogado nas novidades de ambos, não percebi, não pressenti, não nada. Não me perdoo por isso.

Estamos a falar de um homem diferenciado. Um homem que se via ter norte dos pés à cabeça. Via-se, lia-se e sentia-se em cada palavra que dizia, a cada atitude ou gesto que tinha.

O Pedro era rijo, durão e às vezes bruto que nem um calhau. Não era de falinhas mansas nem de não sei quê, não sei que mais. Era frontal e nem sempre fácil de gostar. Mas no meio dessa personalidade carregada de casmurrice e teimosia, era um homem bom. Muito bom. Era o tipo que ajudava sem sabermos que tinha ajudado, o que dava o bom conselho sem percebermos que o tinha dado.

Enquanto esteve na SIC (mais de vinte anos) foi incansável com tantos e, confesso, comigo também. Ele sabia perfeitamente de onde eu vinha e conhecia o peso de mal amado que carregava nos ombros. Tentou sempre aligeirar essa pressão, para que a transição dos relvados para a televisão não fizesse tanta confusão. E não fez.

Era alguém distinto até no humor. Só ele para arrancar-me gargalhadas de cada vez que gritava, a 20 metros... «Anda cá, ladrão!» E eu, que não sou ladrão, lá ia, a sorrir com toda aquela genuína genuinidade.

Ele era assim, diferente. O maior. Tinha em si todos os defeitos do mundo que, na verdade, eram as suas maiores qualidades.

A minha entrada no programa O Dia Seguinte (SIC Notícias) e, mais tarde, a criação do programa semanal Oh, Sr. Árbitro (no Jornal da Noite, aos domingos, na SIC) foram da sua quase exclusiva responsabilidade. Falou comigo, fez-me sentir confortável, deu-me confiança e disse-me para avançar sem medos. Avancei, pois claro.

Para quem não sabe, estamos a falar de um profissional à moda antiga. Alguém obstinado que começou a desenhar o seu sonho aos 11 anos de idade. Um homem que mergulhou no jornalismo aos 21, somando experiências no Diário de Notícias e TSF, antes de entrar na sua SIC (no Porto), em 1998. Voltou à rádio muitos anos depois, para a Direção Executiva na TSF/Rádio Notícias. Atualmente fazia parte da Direção do Global Media Group e era comentador político na CNN.

Pelo meio, um trajeto profissional de fazer inveja a qualquer veterano: coberturas jornalísticas de peso, incluindo vários congressos políticos nacionais e presença corajosa em muitos palcos internacionais relevantes, como aconteceu nos conflitos armados do Kosovo, Síria, Albânia, Haiti, Líbano e, mais recentemente, Ucrânia, onde foi até um dos primeiros a chegar.

O Pedro não merecia partir tão cedo e não merecia partir assim, porque entre tantas e tantas ilusões e desilusões, tinha muito para viver e demasiado para conquistar.

O Pedro, que também era pai e marido, amigo e colega de tantos, continuará vivo dentro de nós. É mesmo verdade. Os bons não morrem, nunca morrem.