O que viu e pode contar o homem que esteve por detrás de 6 dos últimos 7 títulos do Benfica
Marco Pedroso, videoanalista (Foto Miguel Nunes)

ENTREVISTA A BOLA O que viu e pode contar o homem que esteve por detrás de 6 dos últimos 7 títulos do Benfica

NACIONAL23.04.202412:00

Marco Pedroso fez trabalho de videoanálise e mais tarde de campo, esteve na Luz com Jesus, Rui Vitória, Bruno Lage e Veríssimo e conta como foi

— Como descobriu que queria ser videoanalista e como se tornou num e a trabalhar no futebol profissional?
— Acaba por ser uma sequência da minha paixão pelo jogo enquanto praticante na formação. Mais tarde pensei na formação de treinador e fiz o primeiro nível de treinador, o UEFA C, em 1999, depois surgiu a oportunidade de trabalhar numa produtora de vídeo, da qual o meu pai era o responsável, que tinha ideias inovadoras: criou uma produtora mais ligada ao desporto e concretamente ao futebol. Éramos responsáveis por criar relatórios, documentos, compactos de vídeo de alguns jogadores também e demos sequência em projetos de carreira, e com clubes. Lembro-me que um dos primeiros com quem trabalhámos foi o Luís Figo. Depois demos continuidade com Deco, Luisão e houve um passar a palavra. Surgiu uma ligação com Jesualdo Ferreira na Federação, fazíamos compactos com momentos de jogo e surge a possibilidade, na transição de Jesualdo para o Alverca, de criar uma estrutura de apoio à equipa. Há aí um salto do trabalho elaborado para jogadores para passar a uma colaboração efetiva com os clubes, e a partir desse momento surge a ligação também com o Benfica, o Sporting, o FC Porto; na altura o Sporting com Carlos Queiroz, o Benfica na fase em que teve o Koeman e o Camacho e no FC Porto o Mourinho, por intermédio do Villas-Boas, que era responsável pela análise, adjunto de Mourinho; a produtora era contratada para a observação dos adversários e esse trabalho era eu quem o elaborava. Como a produtora fazia o mundialito feminino há anos, percebi uma característica invulgar nas equipas técnicas nórdicas que era já terem equipas técnicas estruturadas, com analistas, com softwares; e estar nesse contexto permitiu-me contactar com essas equipas e ter uma noção como é que elas funcionavam, fui perguntando pelos softwares, pedindo informação, e foi começando a nascer esse gosto pela videoanálise. Mas hoje em dia um videoanalista é um analista de perfomance também.

— Que faz concretamente um videoanalista?
— No fundo, tem a missão de pesquisar informação, de analisar, de tratar a informação, procurar os padrões e as tendências dos adversários para ser um suporte para as equipas técnicas. É ele o responsável por criar bases de informação, seja das outras equipas ou da própria equipa, de forma a tornar a informação disponível para que a equipa técnica a possa utilizar dentro dos seus pressupostos metodológicos, ter esse suporte de vídeo para preparar jogos.

O trabalho é feito de forma contínua na época e também em relação à própria equipa?
— Exatamente, o contexto mais básico que surgiu para um videoanalista era o de gravar treinos e jogos e depois editar essa informação e realizar compactos para passar ao treinador, em função das ideias e do modelo de jogo dele e era uma forma de se integrarem, hoje em dia os videoanalistas podem estar integrados nas equipas técnicas ou nas estruturas dos clubes, gabinetes de observação multidisciplinares, já com muita gente envolvida.

— É muito abrangente o trabalho de um videoanalista...
— Sim, até porque só pela posição que têm no terreno de jogo, uma visão distinta, de topo, permite-lhe perceber o jogo e fazer leituras em relação aos espaços, perceber se as estratégias estão a resultar ou não, tudo o que é a ideia montada para os jogos o analista está a por dentro dela e consegue, através dessa perspetiva de topo, aportar informação para a equipa técnica lá em baixo durante os jogos. O videoanalista acaba por três vertentes: o pré-jogo, o jogo e o pós-jogo.

— Como é trabalhar com Jorge Jesus?
— Não é fácil pela exigência dele, pela forma que ele tem de trabalhar, autoritário, é o perfil dele, é um líder que tem um caminho e as ideias bastante bem definidas, as pessoas são levadas a segui-las como uma espécie de doutrina, porque a verdade é mesmo essa. A informação para os jogadores é muito bem definida, detalhada no espaço, detalhada no momento, nos momentos do jogo, na comunicação também, para que seja fluída.

No Benfica e com Jesus perdeu duas finais da Liga Europa, como viveu esses jogos?
— De forma muito intensa, o dia a dia passava a correr, o perfil do treinador, de líder, fez com que nós vivêssemos as nossas experiências muito à flor da pele, mas colocávamos as emoções um pouco de parte e tínhamos de ser quase mecânicos.

— A exigência de Jesus com vocês era igual no contexto europeu?
— Era exigente em ambos os contextos, no nacional e no internacional, mas seria feita uma análise mais exaustiva em contexto internacional, seriam analisados mais jogos, teria de haver mais detalhe e mais certezas na Europa. O volume analisado acabava por ser mais exaustivo.

E com Rui Vitória? Como foi trabalhar com ele?
— O Rui tem um perfil diferente do de Jesus, é quase uma personalidade holística, um manager, à semelhança do que foi por exemplo Ferguson no Manchester United, quase um pai para o jogadores. Ele próprio queria essa empatia, essa forma de estar positiva e procurava envolver dessa forma os vários departamentos, procurando causar bem-estar e positividade no dia a dia para lhe permitir estar num trajeto fluído e consistente. Tinha as suas ideias, é lógico, mas defendia uma partilha integrada, pedia também a opinião aos jogadores, tem um lado mais equilibrado na tomada de decisão e na forma de estar. Ideias diferentes, caminhos diferentes, mas todos eles nos podem levar ao sucesso.

E com Bruno Lage?
— O Bruno, a grande mais valia que teve foi também ter dado continuidade ao trabalho de Rui Vitória; uma das ideias-base que tinha era a promoção de jovens, tinha essa noção de formação e as vivências e o conhecimento sobre os atletas e os jovens promissores, a integração acabou por ser fácil para ele, conseguiu chegar aos jogadores e criar empatia e um contexto diferente... foi uma lufada de ar fresco, por vezes também é necessário, os jogadores têm ciclos, como os treinadores, o discurso dos treinadores é aceite por uns, por outros nem tanto e essas empatias com o tempo vão-se desvanecendo E acreditar na ideia é fundamental, é imperativo que o treinador consiga levar os jogadores a acreditarem na sua ideia de jogo.

E vocês, adjuntos, têm papel importante nesse domínio...
— Exato, os adjuntos são fundamentais porque andam próximo dos jogadores, passam a mensagem e muitas vezes a confiança necessária, são eles que sentem que em determinado momento A ou B necessitam desse aporte, acabamos muitas vezes por ser conselheiros porque o treinador não tem a possibilidade de estar próximo de todos. No caso de Bruno Lage, ele teve também o cunho da competitividade e que os atletas aceitaram muito bem. Com um discurso coerente, com a questão de puxar não só as primeiras opções, mas também a segundas opções, dar-lhes a perceber que todos contavam e eles realmente perceberam que havia possibilidade de dar a volta ao contexto, acreditaram nas palavras do Bruno e chegámos à conquista de mais um título. Havia também o potencial da equipa e a mais-valia que os mais jovens também trouxeram em função das ambições que os jovens sempre têm, de quererem ganhar rapidamente o seu espaço e conseguiram trazer para os mais velhos essa garra e essa intensidade que estava realmente a diluir e a desvanecer. O Bruno trouxe empatia e força interior.

Finalmente, como foi trabalhar com Nélson Veríssimo?
— O Nélson tinha também a experiência de ter sido um ex-jogador sempre muito coerente e que trouxe para os projetos onde se integrou, quer na formação, quer no Estoril onde também estive com ele, e realmente foi fácil fazer essa transição, apesar de ser diferente passar do papel de adjunto para treinador principal; é um contexto complicado, mas ele tem uma força interior, uma coerência, uma forma de estar que lhe permitem enquadrar-se em contextos de dificuldades e relativizar as coisas e adaptar-se.

— Agora, pretende ser treinador?
— Sim, numa fase… penso que agora é importante dar continuidade à experiência que tenho tido nos últimos anos enquanto adjunto, penso que devo solidificar essa experiência e depois quem sabe no futuro poder vir a ser treinador principal. Aproveitei nesta última época para fundamentar o meu trabalho enquanto treinador e estou prestes a finalizar o curso UEFA-Pró, que é importante ter essa formação concluída para estar de forma mais integrada nas equipas técnicas e poder dar o meu contributo melhor, de forma mais capacitada, nesta fase procuro uma equipa nova, ambiciosa e onde se possam criar elos fortes e exista empatia.

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