Até Cristiano Ronaldo é culpado pela queda sem fim do Fogão
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Até Cristiano Ronaldo é culpado pela queda sem fim do Fogão

INTERNACIONAL29.11.202307:30

O que está a acontecer ao Botafogo… só podia acontecer ao Botafogo: cinco treinadores, craques amedrontados, derrotas no último suspiro. Treze pontos de avanço evaporados. Porquê? Frase maldita, com 66 anos, é uma explicação…

Deus até pode ser brasileiro mas seguramente não é botafoguense. Se não, como explicar o jogo, de 1 de novembro, com o Palmeiras, perdido por 4-3, aos 90+9’, numa noite diabólica de Endrick, depois de um confortável 3-0 construído na primeira parte? Ou, oito dias depois, o outro 4-3, após cómoda vantagem de 3-1 já no segundo tempo, frente ao Grêmio do endiabrado Suárez? E o nome – Messias – do autor do golo do empate do Santos, no domingo, aos 90’ em ponto, não prova que os deuses estão mesmo a brincar com o Fogão?

Uma das frases mais folclóricas do futebol brasileiro, da autoria do jornalista Paulo Mendes Campos, numa crónica publicada no Diário Carioca, em 1957, talvez ofereça uma explicação para tantos azares: a propósito de derrota cruel para o Fluminense no Cariocão daquele ano, escreveu «há coisas que só acontecem ao Botafogo».

Mas passemos das explicações celestiais aos relatos terrenos. A começar por um dado absurdo: em 35 jornadas, o Fogão, mesmo líder em 31 delas, teve cinco treinadores, uma média de sete partidas para cada. No entanto, ao contrário do que tantas vezes acontece no futebol brasileiro, não foi por culpa de dirigentes impacientes: valesse a vontade do dono do clube, o norte-americano John Textor, e Luís Castro, o treinador original, ainda estaria no cargo.

Luís Castro trocou o Botafogo pelo Al Nassr a 29 de julho (foto Imago)

No dia 29 de junho, porém, o português trocou o Botafogo pelo Al-Nassr, a pedido de Cristiano Ronaldo. CR7 é, por isso, considerado até hoje pelos torcedores alvinegros o primeiro dos motivos indiretos para a queda abrupta de rendimento da equipa. Os protestos deles nas redes sociais do goleador por aquela altura ainda ecoam: «Deixa o Castro em paz! Quer jogar com ele? Vem para o Fogão, ué!». 

A MELHOR 1.ª VOLTA DA HISTÓRIA DO BRASILEIRÃO

A poeira, entretanto, baixou porque o interino Cláudio Caçapa até ganhou os três jogos que dirigiu e porque o substituto de Castro, o também português Bruno Lage, começou bem. No final da primeira volta – a melhor de um clube na história do Brasileirão – o Fogão liderava com 13 e 15 pontos de avanço sobre Palmeiras e Flamengo, respetivamente, os hoje co-líderes, com um a mais do que o alvinegro. 

Tiquinho Soares, antigo avançado do FC Porto, é uma das estrelas do Botafogo (foto Imago)

Era a altura em que a sempre apressada imprensa brasileira exigia o guarda-redes Lucas Perri, o central Adryelson, o trinco Marlon Freitas, o médio Eduardo ou o ponta-de-lança Tiquinho, estes dois últimos ex-FC Porto, na seleção brasileira. 

O pior veio depois: Lage, a quem pediram feijão com arroz, resolveu oferecer gastronomia de autor. «Inventor!», acusou o jornalista Juca Kfouri, nas páginas do Folha de S. Paulo, a propósito da defesa em bloco alto, das trocas constantes no meio-campo e da decisão de deixar Tiquinho, vindo de lesão, no banco, no 1-1 caseiro com o Goiás – astro da equipa de fora, no Brasil, é considerado crime lesa-futebol. A indignação gerada nas bancadas do Nilton Santos, que vaiaram Lage e cantaram a música do ex-dragão, fez até o site GE cunhar esse 2 de outubro como o «Tiquinho Day». 

Bruno Lage, antigo treinador do Benfica, foi um dos cinco técnicos do Fogão esta época (foto Imago)

O «Tiquinho Day», invenções, instabilidade e maus resultados levaram então o grupo a pedir a Textor a saída de Lage e a promoção do adjunto Lúcio Flávio, cujo nome evoca imperadores malucos da Roma Antiga. E foi sob o consulado maluco de Lúcio Flávio, demitido com registo pior do que o de Lage, que os dramas frente a Endrick e Luisito ocorreram. Chegou então Tiago Nunes, que após dois empates, deixou escapar a liderança.

Mas é sobretudo dentro do campo, mais do que à beira dele, que reside o essencial do problema: Perri, Adryelson, Freitas, Eduardo ou, sobretudo, Tiquinho – ai de quem os exigir agora na seleção – estão irreconhecíveis. E assustados: não há, eis a dura verdade, líderes no curto plantel de um Botafogo carente de títulos e pouco habituado no passado recente a estas andanças no topo da tabela. Já nos poderosos Verdão e Fla, clubes que passaram nos últimos meses a focar apenas no Brasileirão após eliminações de outras provas, sobram essas lideranças.

O detalhe do adiamento do jogo do Fogão com o Fortaleza, de 25 de outubro, quando o mar ainda estava calmo, para 23 de novembro, em plena tempestade de resultados, também não ajudou.

«No fundo, houve treinadores a mais, líderes em campo a menos, a pressão de o Botafogo ser o único grande brasileiro sem troféus nacionais ou internacionais neste século, e, claro, as coisas que só acontecem ao Botafogo», afirma Paulo Vinícius Coelho, colunista do UOL, a A BOLA. 

Um alento, porém: semanas após a publicação daquela crónica mencionada no início deste texto, o Fogão deu a volta e até acabou campeão carioca de 1957.