Zidane, em pantufas…
Impressionam as ‘sete vidas’ deste francês, o tal que fez do Madrid tricampeão europeu em dois anos e meio. Continua a dar cartas, mesmo sem CR7…
H OJE é mais um dia de ofício para o Real Madrid. Na agenda está um jogo em Anfield com o Liverpool e a passagem às meias-finais da Taça/Liga dos Campeões pela 30.ª vez. Não é gralha: pela trigésima vez (!!!). Mesmo sem Ramos, Carvajal, Hazard e agora também Lucas Vázquez, os campeões espanhóis estão on fire. No último domingo venceram o Barcelona no campo de treinos (como lhe chamou Klopp) de Valdebebas e reforçaram a candidatura ao bicampeonato espanhol, feito que os merengues não festejam desde 2008.
A confirmarem-se os sinais extraídos do jogo de Madrid, há uma semana, o Liverpool ficará pelo caminho. De momento, não tem centrais capazes de cumprirem 90 minutos sem borrarem a pintura com erros assustadores. Mais a mais perante uma equipa tão experiente na Europa como é o Madrid de Zidane. Prevejo pelo menos três lapsos graves (desposicionamento em lance de bola parada, interceção falhada e perda de bola em zona proibida) da dupla de centrais dos reds, não importa qual. Seria uma grande surpresa se o Liverpool, apesar da imensa categoria de Mo Salah, da fome de Diogo Jota e da energia de Alexander-Arnold, repetisse a reviravolta épica de 2018 com o Barcelona (de 0-3 para 4-0, mas com Anfield cheio em modo vulcão). Pode acontecer, mas acho muito difícil. Até porque esta é a competição onde o Real Madrid está realmente acima de todos, desde o início. Nenhum outro clube da Europa tem tanta apetência, tanto jeito e tanta propensão para ganhar a orelhuda. Ademais, continua o Real a ter no banco o único homem que conseguiu ganhar três Champions seguidas (2016, 2017, 2018): o francês Zinedine Zidane, para mim o treinador mais subvalorizado do Mundo.
Talvez seja tempo de parar com o estafadíssimo cliché de Zidane «grande gestor de egos» e «conciliador de personalidades fortes». O que o treinador Zidane, sem Ronaldo, tem conseguido com uma equipa em fim de ciclo permanentemente açoitada por lesões - Lucas Vázquez, com entorse do ligamento cruzado do joelho esquerdo (não joga mais esta época), é a última baixa de uma lista interminável - é revelador de grande capacidade técnica, qualidades apreciáveis de liderança, inteligência emocional… e enorme resiliência, se nos lembrarmos que os jornais espanhóis já o despediram várias vezes. Com onze títulos em cinco anos e apenas quatro épocas completas (ganhou três Champions seguidas entre janeiro de 2016 e maio de 2018, mais duas Ligas, dois Mundiais de Clubes, duas Supertaças Europeias e uma Supertaça Espanhola), Zidane pode não ser um mestre indiscutível da tática como Guardiola e Klopp, mas é certamente um treinador muito capaz de ganhar títulos - importantes ainda por cima. Um homem capaz de fazer a felicidade de qualquer presidente, mesmo um tão difícil como Florentino Pérez. Que, tendo assegurado ontem mais quatro anos de presidência, continua a não querer dizer se Zidane será ou não o treinador do seu sexto mandato. Que terá como pontos altos a inauguração do novo Bernabéu e o investimento numa terceira equipa galáctica que, como asseverava ontem a Marca, terá como cabeças de cartaz Kylian Mbappé e/ou Erling Haaland, além de Eduardo Camavinga, prodígio francês de origem angolana, e do defesa austríaco David Alaba.
Candidato a repetir o bis de 2017 (Champions e Liga) com alguns sobreviventes naturalmente envelhecidos dessa fabulosa equipa de época construída em torno de Cristiano (lembre-se: Keylor; Carvajal, Pepe, Ramos e Marcelo; Casemiro, Kroos e Modric; Benzema, Bale e Ronaldo), Zidane sabe pelo menos uma coisa. Que para chegar à sua quarta final da Champions em seis anos terá de eliminar mais logo o Liverpool e depois o Chelsea, que ontem, sem surpresa, eliminou um FC Porto combativo mas sem pólvora. Não deixa de ser estranho mas é verdade: ao fim destes anos todos, Real e Chelsea nunca se encontraram num jogo de campeões.
SPORTING: A PALAVRA À EXPERIÊNCIA
Q UATRO pontos perdidos em duas jornadas fizeram soar o alarme em Alvalade. Para nós nenhuma surpresa os leões estarem a acusar, do ponto de vista psicológico, a pressão da reta final. Não é difícil perceber porquê. A inabituação aos títulos, a inexperiência de lidar com expectativas altas e situações em que não se pode falhar e a juventude de muitos jogadores, formam um cocktail difícil de gerir para Rúben Amorim, ele próprio um treinador muito novo (36 anos) com pouco mais de uma época de experiência no futebol profissional. Esse défice de calo não se verifica nos principais rivais. Sérgio Conceição (46 anos) vai na quarta época à frente de um grande, tem hábitos de Champions, um bicampeonato no currículo e vários jogadores maduros habitados a ganhar (e também perder) títulos sob pressão - Pepe, Marchesín, Marcano, Otávio, Corona, Sérgio Oliveira, Felipe Anderson, Marega…; Jorge Jesus (66 anos) é super experiente, cumpre a décima época (!) num grande e acusa três campeonatos na folha de serviços. Tal como no FCP, também não faltam na Luz jogadores batidos que sabem o que é ganhar e perder campeonatos, com tudo o que isso aporta de traquejo, discernimento e serenidade em momentos de grande tensão… - André Almeida, Jardel, Otamendi, Vertonghen, Grimaldo, Samaris, Pizzi, Rafa, Seferovic…
No caso do Sporting, apesar das dificuldades de concretização, continua a dominar os jogos e a ser melhor que os adversários. O problema parece mais mental que outra coisa. Este é o tempo de os mais velhos se chegarem à frente e ajudarem o treinador a baixar os níveis de ansiedade de um plantel com preponderância de gente jovem. Falo de Adán, Coates, Neto, João Mário, Feddal, Antunes, João Pereira e Paulinho. A experiência e os conselhos deles podem levar os mais novos a focarem-se no essencial e não se deixarem perturbar pelo (inevitável) ruído de fundo.
PS - Os 26 jogos sem derrota desta equipa do SCP igualam o recorde de invencibilidade do clube em 87 participações no campeonato. Com maior ou menor ansiedade, os leões de Rúben continuam a ser um osso muito duro de roer.
A JUSTIÇA QUE NÃO PRESCREVE
N ÃO é só na política e na alta finança que os crimes de corrupção prescrevem, quantas vezes sem que se perceba… porquê. No futebol também. Ainda o país se interroga estupefacto com o facto de terem prescrito certos crimes alegadamente cometidos pelo antigo primeiro-ministro Sócrates… No futebol não é diferente: lembro que continuamos à espera de saber, entre outras coisas, se a reta final do campeonato de 2016 foi ou não aldrabada. Passados quase cinco anos (!!!), não sabemos se são verdadeiras ou falsas as graves acusações proferidas por jogadores do Rio Ave e do Marítimo em locais e momentos distintos (disseram ter sido aliciados pelo empresário César Boaventura e pelo dirigente benfiquista Paulo Gonçalves para facilitarem a vitória dos encarnados). Sabe-se que o assunto foi investigado pela Polícia Judiciária e pelo Ministério Público… e nunca mais se falou disso. Bem sei que a Justiça tem um tempo próprio, mas neste caso, dada a gravidade do que foi dito e das implicações para a honra e bom nome dos acusados e, acima de tudo, da INTEGRIDADE da própria competição… não consigo perceber como é que ao fim de tantos anos a suspeita permanece sem que sejamos esclarecidos: houve ou não tentativa de viciação de resultados?… ou será mais um para prescrever?
PS - Um antigo colega de faculdade, hoje jurista famoso (ligado ao futebol) costuma dizer que há panelas de pressão capazes de cozinhar processos em banho de inércia até estarem no ponto… para a prescrição.
PS1 - Não é o caso do Cashball, que vai a julgamento sem André Geraldes e sem Sporting, ilibados.