Vossas excelências, afinal, sofrem de fartura!
Há milhões a passar de um lado para o outro, em sacos de supermercado; há milionários americanos a admirar o Benfica; há almoços na Mealhada… há dinheiro a mais
E M ‘A Cidade e as Serras’, de Eça de Queirós, há uma análise tão certeira que nada mais é necessário dizer para explicar a razão do tédio do rico Jacinto, que vive em Paris rodeado de todas as modernidades da época. Grilo, o empregado do ricaço, diz simplesmente: “Sua Excelência sofre de fartura!”.
Culpado ou não - coisa que compete aos tribunais avaliar - Luís Filipe Vieira viu-se envolvido numa história que todos os dias ganha novos contornos e revelações. É encontrado dinheiro a ir e vir, escondido noutros países, guardado em gavetas. Claro que seria pouco honesto dizer que isto apenas se passa (ou passará) com o (ex?)presidente do Benfica. No Porto, no Boavista, no Sporting, no Braga, até em clubes como o Leiria ou o Setúbal e quase todos os outros, na devida escala, ocorreram histórias iguais ou semelhantes. E nisso Portugal não é exceção. Do famoso Gil y Gil (Atlético de Madrid), ao não menos conhecido Bernard Tapie (Olympique de Marselha), muitos casos existiram. Refiro estes dois porque, tanto um como outro, eram simultaneamente políticos; o primeiro presidente da Câmara de Marbella, reeleito três vezes até ser preso; o segundo ministro do Governo francês do PS, até ser forçado a demitir-se pelo escândalo desportivo de um resultado combinado. Tanto Gil como Tapie foram vedetas de televisão e considerados grandes heróis e empresários de sucesso até se conhecer toda a história. Tapie continuou com um processo complicadíssimo com a banca francesa, tendo os tribunais decretado sentenças contraditórias, até que a Justiça acabou por decretar a falência do seu grupo e condená-lo a uma indemnização de centenas de milhões, o que é ainda hoje contestado, enquanto Tapie está hospitalizado por sofrer de cancro.
De qualquer modo, estes dois casos, em Espanha e França tem 30 e 20 anos, o que não significa que, bem escrutinados, não se descubram outros mais atuais.
Voltando a Portugal, desta vez coube ao Benfica ter uma crise a sério com a acusação ao presidente. Mas, olhando para todos os exemplos que conheço, só posso dizer que o problema verdadeiro é dinheiro a mais. Ou como dizia Grilo, toda esta gente, todo o futebol, provavelmente, sofre de fartura… de dinheiro e de gente com pouca ou nenhuma ética.
Vejamos como um milionário americano se interessa pelo Benfica. Pode dizer o que quiser sobre o seu interesse, quase amor pelo clube da Luz; mas John Textor cuja fortuna está avaliada em centenas de milhões de dólares, tem como atividade, entre outras, a Fubo TV inc., uma plataforma de TV por streaming que se dedica bastante ao desporto e, em especial ao futebol. Claro que uma visão angelical diz que Textor investiu na plataforma justamente porque gosta de futebol; mas poder-se-á dizer que ele gosta de futebol porque investiu na plataforma. Já das polémicas de Florentino Pérez com Pinto da Costa não sei que diga…
É POSSÍVEL EVITAR?
E STAS situações são evitáveis? Eu penso que sim, mas isso passaria por uma alteração profunda dos estatutos dos clubes e das respetivas SADs. O que há a reforçar, em todos os casos, é o escrutínio de todas as ações desenvolvidas. Hoje em dia, salvo raras exceções, os presidentes dos clubes e das SADs comportam-se, não como representantes dos sócios ou dos acionistas que os elegeram, mas como donos dos clubes. Viu-se isso com Vieira, vê-se com Pinto da Costa e o Sporting teve Bruno de Carvalho, que até recomendava que não se lessem jornais e se visse televisão. Toda esta loucura advém do populismo mais desenfreado que alguns presidentes desencadeiam. Esse populismo só pode ser alimentado com resultados, e os resultados com dinheiro, com fraudes, com pagamentos. Foi o que Tapie e Gil fizeram; é o que se faz muito por aí. A alternativa é os clubes serem comprados por milionários russos, chineses, árabes, cujo interesse nas áreas desportivas dos respetivos clubes é quase nulo, mas que veem ali grandes oportunidades de negócio, de lavagem de dinheiro, do que for.
Como já defendi para o Sporting, penso que está manifestamente ultrapassado o modelo de escrutínio feito através de Assembleias Gerais, em que passada meia-hora da convocatória se realizam com quem está. O sistema do Barcelona e do Real Madrid (para clubes que ainda são dos sócios, como os grandes clubes portugueses) é muito mais interessante e permite controlar muito melhor as ações dos dirigentes. Mais: introduz racionalidade nas discussões, tornando-as menos dependentes dos resultados da época, quando não da semana em curso.
A existência de sócios eleitos para uma AG (que reúne apenas esses sócios, como se de um parlamento do clube se tratasse) tem os seus defeitos, mas penso ter mais qualidades do que a atual forma de decidir. Veja-se o caso do Benfica: seria possível convocar uma AG muito mais rapidamente do que se está a fazer.
Além disto, os Conselhos Fiscais têm de ser independentes e as mesas das AGs, em vez de serem eleitas com os presidentes, poderão ser eleitas pelos sócios que têm assento na AG. É uma forma controlada, civilizada e relativamente simples de gerir os clubes de outra forma. E fica à atenção dos corpos sociais do Sporting (clube que mais me interessa, como é óbvio): não deixem que a direção fique à mercê das bolas que entram ou não entram na baliza. Deixem de dirigir o clube com os estatutos da direção anterior.
JOÃO MÁRIO E O SPORTING
QUEM quer mudar de ares que o faça e só fazem falta os que cá estão. João Mário é um grande jogador que, ou muito me engano, ou vai passar bastante tempo no banco do Benfica… Que o Sporting reclame o que considera serem os seus direitos, parece-me normal, ainda que duvide que, na realidade, tenha alguns. De qualquer modo, esse é outro assunto para a Justiça e não para palpites.
Com a época à porta, mas sempre sem saber o destino de alguns jogadores-chave, até porque só no fim de Agosto as equipas estarão estabilizadas, agrada-me pensar que Palhinha e Pedro Gonçalves podem ficar na equipa. Se Nuno Mendes ficasse… eu sei que é difícil, mas ver-se-á.
Ontem à noite, contra o Portimonense, em Lagoa, percebeu-se que o Sporting tem muitas alternativas. Desde logo, para minha surpresa, e creio que de muitos, o lugar de João Mário foi essencialmente mantido por Matheus Nunes que, na primeira parte, sobretudo, teve apontamentos muito interessantes. Nota positiva, igualmente, para a estreia de Gonçalo Esteves, um miúdo de 17 anos que quis vir jogar com os campeões, deixando o FC Porto, assim como para Joelson, que já vestira a camisola da equipa principal na época passada.
Curiosamente, Adán, que começou o jogo por fazer uma enorme defesa, tal como nos habituou e Gonçalo Inácio, que ontem foi o patrão da defesa, ladeado por Eduardo Quaresma e Matheus Reis, acabaram por estar envolvidos no golo do empate do Portimonense, e também o segundo de Renato Júnior. Adán socou a bola de um cruzamento, mas esta bateu em Reis e ficou a saltitar em frente da baliza, tendo Inácio falhado o corte e Renato aproveitado, passavam 87 minutos de jogo. Antes, aos 60, o mesmo Renato, numa recarga após uma boa defesa de Adán já tinha feito o empate.
Pelo lado do Sporting, o 1-0 nasceu de um livre marcado por Joelson, que deu nas vistas, embora talvez demasiado agarrado à bola, que centrou para a cabeça de Gonçalo Inácio abrir o marcador, na primeira parte, aos 28 minutos. O segundo golo do Sporting, que faria o 2-1 foi uma obra de arte de Bragança, que picou a bola por cima do guarda-redes algarvio.
Com poucos jogadores rotinados, salvo Adán, Paulinho, Esgaio e Bragança; sem mexer na equipa, ao contrário do Portimonense que mudou o onze todo ao intervalo, Rúben Amorim mostrou que mantém as rotinas e tem mais jogadores para desempenhar as suas ideias do que imaginaríamos. Apesar do resultado, 2-2, não ser famoso, o jogo deixou indicações auspiciosas.
Veremos esta noite, frente ao B-SAD como se comporta a equipa que acredito ser totalmente diferente da que hoje se apresentou.
JOGAR FORA
Ronaldo — É sempre bom ver que os jogadores cada vez conseguem jogar até mais tarde. Com 36 anos, foi o melhor marcador do Euro - e saímos nos oitavos de final.
Chiellini — Também da Juventus, também com 36 anos, também capitão da seleção, não só confirma o que se disse de Ronaldo, como teve a oportunidade de ser campeão da Europa, algo que Ronaldo foi em 2016.
Southgate — Como escrevi há uma semana, torci pela Inglaterra, mas cedo compreendi que a Itália merecia o caneco. Posto isto, pior do que as escolhas do treinador inglês para as marcações de penaltis, só os insultos racistas de que foram alvo os jogadores que tiveram a infelicidade de os falhar. Saka, Sancho e Rashford.