Vlachodimos tem razão

OPINIÃO06.04.202107:00

Seferovic foi bem mais inoportuno mas não me dei conta de alguém ter ficado enxofrado, a começar pelo próprio treinador

Ocaso mais recente no futebol do Benfica, suscitado pelas declarações de Vlachodimos, é também o último exemplo de que  qualquer  coisa serve para desviar as atenções do essencial, uma época  cheia de sombras, em que a conquista do Campeonato continua a ser uma miragem e a entrada direta na próxima edição da Liga dos Campeões difícil de conseguir.
Dos três principais objetivos desportivos falharam dois, o apuramento para a Champions, logo no dealbar da temporada, diante de um PAOK ao nível da Liga 2, mas muito bem trabalhado por Abel Ferreira, e a vitória adiada na Liga portuguesa, justificada pelos efeitos perversos da pandemia.
Resta o terceiro, que se prende com o título do segundo lugar, ambicionado por três candidatos, FC Porto, Benfica e SC Braga, por esta ordem, em termos de classificação, para não ferir sensibilidades.
É verdade, escapava-me, falta ainda a Taça de Portugal, cuja relevância Jorge Jesus teve o cuidado de sublimar antes ou depois da eliminatória com o Estoril, embora na primeira passagem pelo Benfica, em seis anos, apenas a tivesse vencido por uma vez.
 

ACERCA da entrevista  do  atual guarda-redes suplente do Benfica e atual guarda-redes titular da  Grécia não enxergo uma expressão, uma palavra sequer que se lhe possa apontar como nota de culpa para explicar eventual medida disciplinar, como por aí se alvitrou, com base em argumentação sinistra, que encarcera a liberdade de expressão e cola nos jogadores o rótulo de cidadãos irresponsáveis.    
«Acho que estou pronto para seguir em frente, é o meu desejo.  Afirmei-me, conquistei títulos, vivi grandes sucessos, joguei na Liga dos Campeões e na Liga Europa, o Benfica deu-me muito, ajudou-me muito a desenvolver e penso que as condições são agora ideais para dar o próximo passo», disse Vlachodimos, parecendo anunciar o fim de uma ligação que o valorizou e da qual e guarda boas recordações, mostrando-se agradecido ao clube empregador.
Sobre os próximos capítulos:  
«Não se deixa o Benfica por menos. Deve ser uma equipa que lute por títulos e  tenha  uma presença estável e ambiciosa nas competições internacionais.»
Será sempre uma decisão complicada, ao colocar o Benfica em patamar muito elevado, mas além de títulos nacionais é seu desejo viajar  pelas competições de UEFA como passageiro frequente, mais na Champions e menos na Liga Europa, deduzo.
Sobre o futuro, passará pela Alemanha?
«Não necessariamente (…). Penso que o Benfica está pronto para discutir qualquer proposta que seja feita.»
Normalíssimo, sabem os adeptos, sabe toda a gente, incluindo Odysseas Vlachodimos, que lhe são identificados defeitos vários, porque é baixo, joga mal com os pés, tem dificuldades no jogo aéreo ou revela  insegurança fora dos postes. Será que já ninguém se lembra daquela cena bizarra  que trouxe Perin a Lisboa e com a mesma surpresa o devolveu à procedência, numa viagem de ida e volta que não reforçou a cotação de quem a promoveu?...
Vlachodimos foi sempre um mal amado e a sua titularidade tema permanente de divergência de opiniões, razão pela qual é pura hipocrisia censurá-lo por uma posição compreensível, tomada por quem sente que não é desejado.
 

N O futebol dos dias de hoje, e se calhar desde que este fascinante jogo foi inventado,  há duas espécies de jogadores:  
Os porreiros,  a quem tanto se lhes dá, desde que tenham contratos  generosos, acomodam-se, curvam-se perante os dirigentes, bajulam os treinadores e  dizem bem da vida e do mundo;
Os profissionais, que, por personalidade ou por uma questão cultural, são frios, distantes, pensam pela sua cabeça e, sendo igualmente bem remunerados, jamais abdicam de prezar a sua carreira.
É por isso que há os suplentes obedientes e simpáticos, que os treinadores adoram, e há os que mostram má cara e fazem perguntas para  escutarem  respostas, que os treinadores detestam.  Vlachodimos será dos que, além do valor do contrato, prezam a carreira e, como não cabe nas preferências  de  Jesus, resolveu tratar da sua vida… 
 

M AIS contundente, porém,  foi  Seferovic, há pouco mais de um mês, quando, a propósito da  eliminatória com o Arsenal, confessou o desejo de experimentar o futebol inglês.
Depois de ter renovado há cerca de dois anos,  admitiu agora não cumprir o contrato com o Benfica. Sente-se bem, tudo lhe corre de feição,  está num país muito bonito e num clube muito grande, mas,  depois de ter jogado em quatro países, Alemanha, Espanha, Itália e Portugal, gostaria de tentar a Premier League.  
Não é para amanhã, é para hoje. Se assim não fosse não teria aberto a porta a uma saída mais cedo do que a ligação contratual com o emblema da águia estabelece.
Ao revelar que tem em mente mudar-se para Inglaterra quando o Benfica discutia os dezasseis avos de final da Liga Europa, precisamente com um adversário da Premier League, Seferovic foi bem mais inoportuno do que Vlachodimos,  mas não me dei conta de alguém ter ficado enxofrado, a começar pelo próprio treinador.
Em resumo, ambos expressaram a vontade de sair e, muito provavelmente, ambos irão sair. É preciso  criar vagas para acolher a  correnteza de contratações  noticiadas, ou por noticiar, e não desmentidas, o que deve transmitir uma confiança imensa ao plantel. Afinal, eles só querem ajudar…