Vitinha entre as joias

OPINIÃO06.01.202206:00

Tirando o Chelsea, nenhum outro clube está a aproveitar, atualmente, a fornada da Youth League como o FC Porto

TEM apenas 1,72 metros mas parece que lê o jogo como se estivesse no topo da bancada; revela uma relação de intimidade com a bola como os jovens casais apaixonados; com apenas 21 anos transmite uma tranquilidade de um profissional de longa tarimba. E se dúvidas houvesse sobre a casta de que estamos a falar, apresenta uma característica muito típica nos grandes médios que passam o tempo todo a desenhar jogadas na cabeça: a correção das ideias estende-se aos comportamentos. Joga por inspiração, nunca por raiva.  
A evolução de Vitinha no FC Porto é, como diria Eduardo Galeano, uma excelente notícia para quem «mendiga de chapéu na mão por bom futebol». Ganha o clube, ganha o campeonato porque os grandes talentos tornam a prova um local mais aprazível para a vista e ganha a Seleção Nacional a curto prazo (João Moutinho já tem sucessão à vista). Mérito para o jogador, mas dê-se também a relevância ao papel de Sérgio Conceição, que lhe reviu posicionamentos e convenceu-o de que um criativo pode ter forte reação à perda de bola sem que isso lhe retire peças do puzzle mental que constrói nos relvados (e até parece que faz Uribe jogar melhor...).
O crescimento de Vitinha diz muito sobre ele, obviamente, mas igualmente sobre o treinador. Criticado nos primeiros tempos de FC Porto por não olhar com a atenção devida para os mais jovens do clube, percebe-se agora que talvez o rótulo tenha sido prematuro e injusto. Os dragões ganharam o último clássico frente ao Benfica, é bom recordá-lo, com quatro jogadores da formação: Diogo Costa, João Mário, Vitinha e Fábio Vieira. Uns mais titulares que outros durante a época, mas todos, sem exceção, com espessura e rasto competitivo. Dito por outras palavras: já não são promessas, são certezas.
Para um clube que não tem as infraestruturas dos rivais Benfica e Sporting no que concerne à formação (Pinto da Costa já admitiu mais que uma vez que sonha com a construção de uma academia) o fenómeno torna-se ainda mais relevante. Se ganhar às águias é bom em qualquer circunstância, ganhar com muitos miúdos no onze é a afirmação suprema de uma identidade. Nada mais reforça o sentido de comunidade do que os adeptos afirmarem: «Vencemos com os nossos.»
 

Vitinha, 21 anos, médio do FC Porto

ESTE quarteto, é bom recordá-lo, fez parte da equipa sub-19 dos dragões que em 2019 venceu a Youth League, competição criada pela UEFA em 2013/2014 que segue em paralelo, durante a época, com a Liga dos Campeões das equipas seniores. De todos os clubes que foram a finais desta competição (o Benfica esteve em três, sem nunca ter conquistado o troféu), o FC Porto só é ultrapassado, aos dias de hoje, pelo Chelsea no aproveitamento desportivo desse talento. Thomas Tuchel, treinador dos blues de Londres (clube que investiu numa academia em 2007), utiliza com grande regularidade seis jogadores que foram às finais de 2015 (vencedores), 2016 (vencedores), 2018 (vencidos) e 2019 (vencidos): Loftus-Cheek, Christensen, Mason Mount, Chalobah, Reece James e Hudson-Odoi. É, porventura, o projeto desportivo mais interessante da atualidade a nível europeu porque ao contrário dos clubes formadores dos países periféricos não precisa de vender as suas jovens pérolas e pode comprar craques já feitos mas ainda com muito caminho por percorrer (Havertz, Pulisic, Timo Werner...). Quem sabe se nesta ótica não assistiremos em breve a uma investida do novel cidadão português Roman Abramovich à Invicta na busca de uma das joias made in Porto. Com Vitinha na montra da frente.