Veríssimo até foi simpático

OPINIÃO19.04.202206:55

O dérbi de Alvalade demonstrou que mais do que uma crise de conquistas o Benfica atravessa uma crise de identidade que o afastou da sua própria história

Otopo da classificação do campeonato está definido. O FC Porto vai recuperar o título de campeão nacional, sem discussão, por ser o mais regular e competente, o Sporting será o dono do segundo lugar, por mérito e também por se ter aproveitado da prolongada e ainda por explicar irregularidade do  Benfica, o qual, além de repetir a  terceira posição, tem de sujeitar-se à incomodidade de não poder definir  a preparação da próxima época com o tempo que desejaria, por falhar a entrada direta na Liga dos Campeões. Haverá quem argumente que pode não ser assim. Pois pode, basta, por exemplo, contas por alto, nas quatro jornadas por cumprir, que a águia seja capaz de somar mais sete pontos que o leão. É possível? Claro que sim, mas alguém acredita?
O dérbi de Alvalade demonstrou que mais do que uma crise de conquistas o Benfica atravessa uma crise de identidade que o afastou  da sua própria história. Um fenómeno para o qual não existe explicação. A  ligeireza com que se têm formado os plantéis nos últimos anos pode ser uma das causas, devido a opções apressadas, gastando-se muito dinheiro em aquisições  feitas  de uma forma avulsa, com contratos de longa duração e generosamente  remunerados, como se comprar caro fosse, só por si, garantia de sucesso. Sê-lo-á, mas somente na distribuição de comissões, jamais em termos  da qualidade do futebol praticado, como se tem visto.
Frente ao Liverpool, mesmo sem nada ganharem, os jogadores conseguiram reaproximar-se da sua gente, pelo esforço, pela coragem, pela atitude, o que levou a sentida manifestação de gratidão por parte dos milhares  dos adeptos da águia que estiveram em Anfield. Também o antigo dirigente Gaspar Ramos, em declarações à Renascença, destacou o potencial do plantel benfiquista, embora assinalando a necessidade de ser retocado e alertando para o cuidado que será preciso ter nesses retoques, de modo a que não se mude sem haver o cuidado de  acrescentar valor ao coletivo. Este foi, aliás, em minha opinião, o mais grave dos pecados nos últimos dois anos.
 

Nélson Veríssimo, treinador do Benfica 

RUI COSTA, eleito presidente com quase 85 por centos de votos, há pouco mais de seis meses, não tem tido vida fácil, pelo contrário. Aceitando a responsabilidade que lhe foi atribuída  pelo universo benfiquista em período de imensa conturbação, por motivos que são públicos, definiu uma estratégia e, apesar de fortemente acossado, mais de dentro  do que de fora, o que não deixa de ser curioso, tem feito o seu caminho e procurado merecer a confiança de quem nele acredita, a esmagadora maioria dos associados.
Se os resultados do futebol  ajudarem, o seu trabalho ficará mais fácil, mas não é isso o que tem acontecido. A temporada até começou bem, mas com o decorrer do tempo, por motivos que não enxergo, o percurso passou a ser feito aos solavancos e, em dezembro do ano passado, entre duas derrotas com o FC Porto, verificou-se  o despedimento de Jorge Jesus, na sequência de uma discussão com Pizzi, ainda no Estádio do Dragão,  e de um levantamento de rancho no Seixal, com recusa ao treino, onde, segundo as crónicas, terão emergido outros protagonistas que, do meu ponto de vista, sejam  quem forem e tenham o estatuto que tiverem, em nome da mudança que se impõe e do respeito que a grandeza do clube reclama, não podem, ou não devem, obviamente, continuar a integrar o quadro de profissionais do Benfica. Doa a quem doer, Rui Costa deve compreender que, por uma questão de princípio, não deve empurrar o assunto para debaixo de tapete. 
 

Odérbi de anteontem serviu também para destacar os atributos de Nélson Veríssimo, um jovem treinador que estava muito tranquilo a trabalhar bem no seu cantinho e de repente se viu empurrado para uma aventura que não procurou, mas aceitou e da qual se tem desenvencilhado com nota alta, apesar dos reparos dirigidos por um setor da crítica que tem o costume de ser forte com os fracos. Não sei o que lhe reserva o futuro, mas parece-me ser um elemento interessante e, na volta do correio, poder regressar, mais confiante e sabedor, para continuar o seu trabalho. Tal como sucede com Bruno Lage, o que significa que dentro de dois ou três anos o Benfica estará em condições, se quiser, de completar o ciclo e extrair da academia do Seixal a sua dimensão formadora na plenitude, jogadores e treinadores.
Foi o mesmo Nélson Veríssimo que,  inexperiente e  sem  pretender dar lições nem banhos de tática a Rúben Amorim, a jogar à Estoril, conseguiu vulgarizar o Sporting  com aquela  linha de seis defesas e através dela ferir  a  alma do jogo leonino, secando-lhe as alas: Nuno Santos ficou-se pelas intenções e Porro, com superior  envergadura competitiva,  jogou nos limites, mas como só tem olhos para a baliza adversária esqueceu-se do que se passava nas suas costas, onde foram cozinhados os dois golos encarnados, e só foram dois, sim, neste pormenor, porque Veríssimo quis ser prudente. Embora dispondo  de boas soluções no banco, evitou o risco e foi simpático para a defesa leonina, desde cedo atarantada com a presença de Darwin Núñez e sem pernas para lhe fazer frente.