Vénia a Abel antes da farsa
Abel Ferreira também não sente dos paulistas idêntico amor ao que Jesus reclama de todo o Rio
PERMITAM-ME que comece por aqueles que realmente prestigiam o futebol português. Falo de Abel Ferreira, que com condições bem diferentes daquelas que teve Jorge Jesus – e também com um estilo mais organizado, rigoroso e vertical, à sua imagem e de acordo com o seu trajeto – estilhaçou a já fragilizada profecia do compatriota. Não só outro português conquistou nova Libertadores em 50 anos, como o fez duas vezes e logo nos dois anos seguintes. Conseguiu-o ainda, da segunda vez, perante o mesmo Flamengo, que mantém grande maioria das estrelas que o atual técnico do Benfica teve ao dispor, quase num tira-teimas dos tira-teimas.
Sem a cobertura mediática que provavelmente merecia e que o próprio não cultiva, Abel Ferreira também não sente dos paulistas idêntico amor ao que Jesus reclama de todo o Rio. Dizem ser rabugento e chato, e que nem os jogadores o aturam. Talvez o reforçado herói palmeirense deva importar-se mais com a imagem ou com as portas que esta abre ou fecha – mesmo que os brasileiros ainda não tenham consciência da real distância que os separa da Europa –, mas tal ainda sublinha mais a justa ascensão meteórica, fruto quase exclusivo do trabalho.
No mesmo dia em que Abel carregou Portugal consigo quando tocava o céu, acrescentou-se por cá mais uma negra página, que empurra o futebol indígena de novo para o fundo. Mais do que discutir a entrada em campo, atribuir culpas, lembrar episódios anteriores ou a história e o ADN dos emblemas, é importante perceber que a decisão nunca deveria ser dos clubes, nem que seja pelo desvirtuamento da prova com possíveis atuações diferentes em casos semelhantes. Ao mesmo tempo que se desespera pela centralização de direitos do produto permite-se que este seja desvalorizado a uma categoria de terceiro mundo. Inacreditável!