Venha a trivela, 'ciganito'!
DIZ-ME o tio Google que curva é uma linha que não é obrigatoriamente reta. Até aí, tio, já eu tinha chegado. Uma bola, digo eu, é uma curva infinita: sem fim, nem princípio. Há bolas em todos os desportos. Logo, há curvas em todos os desportos. No andebol (beijinho, Edite), por exemplo, há a curva da área. Que parece um sorriso meio tímido. No râguebi (grande abraço, António Henriques e Aguilar) há a oval. Uma bola com tiques aristocráticos. No basquetebol (abraço, Miguel) há a bola indecisa. A meio caminho entre a de futebol e a medicinal. No ténis (beijinho, Inês) há as bolas que entram e saem do court a velocidades tremendas. No hóquei em patins (beijinho, Gabriela) há bola que não se vê. A chamada caça ao rato. No atletismo (beijinho, Sofia; abraço, Cipriano) há a bola do lançamento do peso. Dura que nem chumbo, pequena como quase berlinde. Na canoagem (beijinho, Célia) há o formato das canoas, com aquelas curvas sensuais. No ciclismo (abraço, Fernando Emílio, não me apalpes o rabo, pá) há as rodas das bicicletas e aqueles aros esticadinhos. No futebol (abraço, malta) há a bola. E o círculo central. E o quarto de círculo. E a meia lua. O próprio jornal A BOLA, sendo retangular, pode ser considerado redondo, pois é feito por muitas cabeças (grande abraço para o Carlão Marques, com quem tanto falo, também para o RR, o Pedro Tom Oficial, o MikeAlex, o Paivex ou o Mestre da Tática). Todos curvilíneos e craques.
AGORA falamos muito de curvas e de planaltos. De achatamento de curvas e de picos. Da curva que desce, da curva que sobe, da curva que, afinal, está a planar (beijinho, Marta Temido; beijinho, Graça Freitas). Sonhamos com o dia em que a curva comece a descer e não pare. Em que só desça, desça, desça. Para já, parece estar ainda em alguma ascensão, como naquelas bolas bombeadas por Pepe, Rúben Dias ou Coates, por Sergio Ramos, Varane ou Maguire, que sobem, sobem e sobem. Mas há uma lei universal da física: tudo o que sobe, desce. Chegará o dia em que a curva, tal como numa das célebres e históricas trivelas do ciganito Quaresma, siga tensa pelo ar, não para a cabeça do amigo Cristiano, mas voe cada vez mais baixo, até que caia de vez.
O meu tio informa-me que Eduardo Galeano, escritor e jornalista uruguaio, morreu há cinco anos: 13 de abril de 2015. Chegou a escrever que não era mais do que un mendigo de buen fútbol e que pedia apenas una linda jugadita, por amor de Dios. Não sou tão exigente. Não preciso de buen fútbol ou de linda jugadita. Necessito apenas de uma bola: Telstar (1970), Tango (1978), Azteca (1986), Fevernova (2002) ou Brazuca (2014), tanto faz. E de alguém com jeito e força (dá-lhe, Nuno Rita) para rematar contra a maldita curva (de cima para baixo, como mandam as regras) para a impedir de subir ainda mais. Para que, depois de ela tornar reta e descer, depois do planalto se tornar vale, possamos, enfim, voltar a sair e a sentir a força e a doçura de um abraço. E então depois, Eduardo, que venha de lá a linda jugadita, por amor de Dios.
O meu tio diz-me que Brad Pitt, o divo dos divos dos divos, sofre de prosopagnosia (com tantos o, p e s, pode bem ser quase uma curva sensual). Palavrão que significa qualquer coisa como perda do reconhecimento dos rostos de maneira dominante. É uma espécie, digo eu, de Alzheimer seletivo. Vejo um rosto, esse rosto sabe quem eu sou, mas eu não sei quem ele é. Às vezes, até poderia dar jeito, confesso. Mas daqui a uns tempos (curtos, esperamos) quero entrar no 23 da Travessa da Queimada e reconhecer os rostos do João Martins, da Isabel Oliveira, do Gonçalo Benedito e do João Borges. Os sorrisos que recebem a malta de A BOLA de Lisboa. Até lá, aguardemos. Com fé de que a humanidade será, um dia, diferente do que agora é, mas com a quase certeza de que assim não será.