«Velho capitão»

OPINIÃO22.07.202206:30

Talvez demoremos ainda um tempo a perceber a importância da entrevista de Jorge Costa

N OS últimos largos tempos, não me lembro, digo-o com toda a franqueza, caro leitor, de um testemunho tão relevante, tão genuíno, tão verdadeiro, tão inteiro, como o deixado na entrevista concedida por Jorge Costa ao canal de televisão de A BOLA, e que naturalmente o jornal desta casa reproduziu, com grande impacto, nas páginas da edição do último sábado, 16 julho, faz amanhã oito dias. Se o leitor não a leu, nem a viu em A BOLA TV, vai muito a tempo de a descobrir, por um lado, na edição digital do jornal, subscrevendo, para isso, os conteúdos exclusivos em www.abola.pt, de acesso a todas as grandes entrevistas, reportagens, notícias de A BOLA, mas vai também a tempo de a rever na sua A BOLA TV, que este próximo domingo, 24 de julho, voltará precisamente a repeti-la, a partir das 17.30 horas. Não a perca.
Se começo por fazer, nestas primeiras linhas, tanta publicidade à indispensável leitura ou audição da entrevista de Jorge Costa conduzida pela jornalista Irene Palma, é porque verei sempre com pena, com toda a sinceridade, que os portugueses verdadeiros adeptos do futebol, independentemente do clube da sua paixão, não testemunhem, eles próprios, a dimensão, importância e verdadeiro significado de muitas das palavras ditas por uma das maiores estrelas que a geração de 90 produziu no futebol português, não necessariamente um talento como Rui Costa, Luís Figo ou João Vieira Pinto, mas sobretudo um autêntico líder, que muito marcou o sucesso, nacional e internacional, de um FC Porto que venceu, a dada altura, melhor do que num sonho, rigorosamente tudo o que pela frente teve para vencer.
Vale a pena recordar, também, o que na entrevista a jornalista Irene Palma deixa bem sublinhado: Jorge Costa exibe um currículo com oito títulos de campeão nacional, oito Supertaças, cinco Taças de Portugal, uma Taça UEFA (hoje Liga Europa), uma Liga dos Campeões, uma Taça Intercontinental, tudo no seu amado FC Porto, e, last but not least, um dos memoráveis títulos de campeão do mundo de Sub-20, por Portugal.
No FC Porto, não me ocorrem, com toda a franqueza, muitos jogadores com o currículo de Jorge Costa. Mais títulos de campeão nacional pelos portistas, por exemplo, assim de repente, creio que apenas Vítor Baía (10) e João Pinto (9) - lendário capitão na conquista da primeira Taça dos Campeões Europeus, em 1987 -, e uma breve passagem pelos arquivos mostra-me, por exemplo, como históricos como Domingos, André, Jaime Magalhães e Aloísio foram todos (excecionais) campeões nacionais por sete vezes, menos uma do que Jorge Costa.
Mesmo no Benfica, e com o domínio avassalador nas décadas de 60 e 70, julgo que apenas monstruosas figuras como Eusébio (o maior de todos, 11 vezes campeão nacional), Mário Coluna, António Simões, Nené ou Bento (10), por exemplo, batem o número de títulos de campeão conquistados por Jorge Costa, que marcará sempre a história do FC Porto e do futebol português não propriamente pelo talento individual - ficou conhecido como um defesa-central extraordinariamente competente, sólido e competitivo, a quem o companheiro Fernando Couto alcunhou, e bem, de «bicho» - mas pelo caráter, liderança, ambição, espírito, determinação e indomável vontade de vencer. Pode Jorge Costa orgulhar-se de outra memória inapagável: foi, pelos dragões, o capitão do inesquecível pentacampeonato (entre 1995 e 99), o capitão da vitória na Taça UEFA de 2003, o capitão na vitória na Liga dos Campeões de 2004 e o capitão na vitória na Taça Intercontinental de 2004. Não é pouco!
 

 


Quanto melhor se compreender a dimensão da figura de Jorge Costa, o estatuto e a carreira como jogador de mais de 15 anos, melhor também se entenderá o peso, o significado e a importância, lá está, de muito do que ele disse na marcante entrevista que concedeu a A BOLA. Valerá a pena lê-la e relê-la, vê-la e revê-la, admitindo que, à primeira, talvez não se tome a indispensável atenção nem se compreenda o verdadeiro impacto de algumas das declarações de Jorge Costa, sobretudo se pensarmos num universo geralmente tido como mais blindado e conservador como é o universo do FC Porto, onde a concentração do poder e a ordem quase militarmente imposta convivem mal com figuras desalinhadas, sobretudo se essas figuras têm a história que Jorge Costa tem e se assumem, como ele faz questão de se assumir, tão profunda e apaixonadamente portistas (ninguém o conseguirá questionar!!!) e, ao mesmo tempo, tão marcadamente independente.
«Não vivo em função do FC Porto; sou profundamente portista, mas tenho vida própria (…) O Porto também será sempre a minha cidade (…) mas hoje sou um portista que vive em Cascais…», diz Jorge Costa, com a leveza de quem está tão bem com a própria consciência, e com a autenticidade de quem mostra apenas o que é, e não o que outros quereriam, porventura, que fosse.
«Não tenho nenhum problema em assumir que o presidente do Benfica é como um irmão para mim (…), tal como um símbolo do Sporting como é Luís Figo», afirma, com total desassombro, na esperança, aliás, de que seja esse, num futuro muito próximo, o espírito dominante no futebol em Portugal, onde cada um «possa defender o seu clube, como eu defendo o meu, e como defende o Rui [Costa], conheço-o bem e conheço a família, e ele defende realmente o Benfica até à morte, e, depois, possamos jantar em casa um do outro e falar de tantas outras coisas sem ser de futebol!...»
Deixo para os portistas menos dogmáticos a leitura (literal ou através da televisão) mais subliminar das posições reveladas por Jorge Costa, num depoimento que não deixou de provocar - como seria de esperar - impacto no universo azul e branco, e nem foi preciso estar muito atento ao escrutínio geralmente acutilante (para o mal, mas também para o bem) das redes sociais.
Na longa entrevista de A BOLA, Jorge Costa não deixou de revelar, acredite o leitor, tudo o que sempre pensei dele como pessoa, um homem genuíno e muito verdadeiro, de convicções e caráter forte, tão forte como o que tinha como jogador, mas substancialmente mais tranquilo do que se mostrava, com a energia de um animal competitivo, no campo de combate como futebolista.
Fora do campo, o combate de Jorge Costa é outro, bem diferente, é um combate pela dignidade, pelos valores da seriedade, da justiça, da ética, do lado mais positivo das relações humanas, de quem acredita, como diz na entrevista, que o clima tóxico, que parece permanecer nalguns quadrantes do futebol português, acabará por «mudar». «Vai mudar!», afirma, pleno de convicção, agora que reconhece ter passado, provavelmente, a olhar para algumas coisas da vida de forma diferente, depois de um enfarte e do respetivo susto que, na verdade, quando nos toca, nos faz, a todos, passar, normalmente, a olhar para a vida de uma forma diferente.  
Aos 50 anos, já avô e cada vez mais apaixonado, como diz, por «andar cá», Jorge Costa é hoje, não posso deixar de o concluir, um (saudável) exemplo de como devemos olhar e viver o futebol, e ainda que saiba, ele, sobretudo, mas também eu, a dificuldade com que o futebol português ainda continuará a debater-se para renovar regulamentos, regenerar relações e comportamentos, alterar conceitos e quadros competitivos, cuidar melhor dos adeptos que merecem ser cuidados, e poder, por fim, exibir um clima, um ambiente, uma atmosfera onde cada um será, apenas, adversário e rival de outro, sem o profundamente negativo espírito de «guerrilha», e muito menos de «inimigo».
«O meu sangue é azul e será sempre azul. Sou portista, serei sempre portista, mas sou um portista independente!», reclama este velho capitão azul e branco com uma sinceridade suficientemente crua e inquestionavelmente autêntica, na entrevista de que hoje vos falo, e que tem, ainda, o condão de nos mostrar como, talvez mais cedo do que mais tarde, o futebol português acabará por respirar de algum alívio e ver, por fim, cada macaco verdadeiramente no seu galho. Bem precisa!

PS: No combate a uma pandemia que na realidade ainda não desapareceu, para que quer o Governo português manter a obrigatoriedade do uso de máscaras nos transportes públicos se não é capaz de o fiscalizar (nem bem, nem mal, simplesmente não fiscaliza) e ‘permite’ que no metro de Lisboa, por exemplo, mais de 50 por cento dos utilizadores já não tenha sequer máscara à vista, quanto mais corretamente posta. Faz-me, com sinceridade, muita confusão. Falo do metro, mas podia falar dos comboios urbanos e suburbanos.
Já se estacionarmos mal o automóvel ou passarmos uns minutos do tempo pago, logo a EMEL mostra não brincar em serviço, essa fortíssima autoridade dos tempos modernos, capaz de fiscalizar bem melhor uma cidade de 100 quilómetros quadrados de área do que o metro pelo menos meia dúzia das suas estações. E a EMEL ganha dinheiro que se farta.
Julgo que o problema deste País nunca foram, na realidade, as leis. O problema é fazê-las cumprir. Um bocadinho como no futebol, embora no futebol o problema maior ainda seja outro: o castigo é, pelo contrário, normalmente tão suave que, recomendo, o melhor mesmo seria entregar-se a coisa à EMEL!