Varandas: solução e problema
Se Frederico Varandas quer fazer parte da solução ou transformar-se num problema para o projeto de Rúben Amorim é uma decisão que só a ele cabe, sendo certo que não fica bem ao presidente de emblema com a dimensão do Sporting continuar a ter intervenções públicas que nem em clube de bairro se devem tolerar. Pela segunda vez em pouco tempo, e sem que nada o justificasse, não resistiu ao cheiro dos microfones e voltou a ser o bombeiro atrasado que chega ao local da chamada depois do incêndio extinto. Mas marca presença, aparece nas fotografias e proclama o que lhe apetece.
Aconteceu a seguir ao empate com o FC Porto, em Alvalade, em que não abdicou do tempo de antena que lhe foi concedido para debitar inutilidades, porque o seu treinador já tinha dito quanto havia a dizer de relevante sobre as peripécias do jogo. Repetiu-se a situação na noite de sábado, em Famalicão, em que não só invadiu a área em princípio destinada aos artistas e aos agentes devidamente identificados para a frequentarem, como se permitiu alegar coisas escusadas, não só por colidirem com o discurso seguro e ponderado do seu treinador, mas também por voltarem a transmitir uma sensação de fraqueza, tradutora de quem sente o peso do mundo sobre si e não consegue libertar-se dele.
Quis dar um ar de mete medo, escutou palmas, certamente, de quem aprecia esse estilo trauliteiro, mas não terá agradado à franja de adeptos, não sei se a maior ou a menor, que quer optar pela via da diferença, independentemente das lutas que for preciso travar, em vez de continuar no atoleiro para o qual o clube foi empurrado por figuras que adotaram estratégias muito semelhantes, com as consequências que se conhecem.
Quando se pretende proteger uma equipa que falha um penálti, que sofre dois golos de livres, um por erro evidente do guarda-redes e outro por deficiente formação da barreira, e vê um jogador expulso, que logo pediu desculpa pela reação que teve, convém pensar antes de falar de modo a avaliar a oportunidade das críticas, como o treinador fez e o presidente não. Assim, fica mais difícil, quando este se intromete no espaço daquele e, querendo ajudar, apenas complica.
O leão gosta de ser líder. Continua a ser líder e há uma semana, neste espaço, escrevi que o problema passou a ser dos outros, dos que querem tirar-lhe a liderança. Quando puderem e… se puderem. É natural que, mais tarde ou mais cedo, consigam expulsá-lo do primeiro lugar. Ou não, porque o futebol é imprevisível e, por isso, fascinante. Rúben Amorim já afirmou o suficiente para ser percebido por quem sabe ouvir. Está a erguer um plano de recuperação, escolheu o caminho e confia nos argumentos de que dispõe para se bater com todos os oponentes, mas dispensa, certamente, os embaraços que lhe criam dentro de casa.
Daqui a 24 jornadas e 88 minutos, se lhe repetirem a pergunta, promete responder se o Sporting é candidato ao título. Provavelmente, aí chegado, não será, mas de certeza que estará bem mais próximo de o ser: se o deixarem prosseguir a seu trabalho em paz; se o doutor Varandas se convencer que, apesar da sua costela de mister, na área do treino e da gestão da equipa principal, é a Rúben Amorim quem compete tomar decisões e responsabilizar-se por elas, e não o contrário.
Sérgio é especial
Sérgio Conceição anda preocupado com as fragilidades defensivas do FC Porto e, no entanto, está presente em todas as frentes desportivas e já assegurou a passagem aos oitavos de final da Liga dos Campeões, em grupo que não é brincadeira. Ele diz que as estatísticas mostram que as equipas com mais sucesso são as que, em regra, sofrem menos golos, mas igualmente há quem apregoe que decisivo é marcar sempre mais um golo do que o adversário, estabelecendo uma comparação curiosa entre vencer por um a zero ou por quatro a três. Em rigor ganha-se das duas maneiras, mas a partir de um determinado grau de exigência competitiva os treinadores não pensam como o adepto comum. Para eles, existem diferenças. Para nós, sábios treinadores de bancada ou de café, não.
Para ser mais claro, eis a diferença entre o comodismo do treinador funcionário, que vive de impulsos, ora entra ora sai ou ora sobe, ora desce, e a ambição daquele que investe numa carreira de conquistas e de títulos, para quem de cada vez que a derrota lhe entra casa dentro é um desassossego de espírito, uma noite mal dormida. Eis a diferença ainda entre os vulgares e os especiais, como Sérgio Conceição, o qual desde a temporada 2017/2018 já depositou no cofre do FC Porto quase duzentos milhões de euros e enriqueceu-lhe o currículo com dois Campeonatos, uma Taça de Portugal e uma Supertaça. Além de atingir os quartos de final (18/19), mais dois oitavos, na Liga dos Campeões.
Sérgio Conceição é especial porque, ao contrário de outros, não se deixa adormecer à sombra dos resultados. Dos bons, porque os maus correspondem a insónia garantida. Hoje, está mais preparado do que quando chegou ao Dragão, porque, apesar do seu feitio agreste, tem sabido identificar erros, refletir e aprender com eles. Um exemplo de humildade de que só os verdadeiramente grandes são capazes.