Vai mais um relatório?

OPINIÃO18.03.202106:00

Como é que, em 147 páginas, não há resposta para uma questão tão complexa: Palhinha tem quatro ou cinco amarelos?

C ONTRARIAMENTE ao que tanto se diz, Portugal é um país de letras. Tem tanto gosto pela palavra escrita que não se importa com a redundância. O importante é sempre o quanto, não tanto o quê. Ainda recentemente soubemos que o primeiro esboço do Plano de Recuperação e Resiliência enviado para a Comissão Europeia tinha quase três vezes mais páginas que o da Alemanha - mas tenho a leve suspeita de que provavelmente os germânicos terão a coisa mais estruturada.
Há também os infindáveis relatórios de todas as outras comissões (com letra pequena mas a merecer a devida deferência). As comissões de inquérito, as comissões de acompanhamento, as de acompanhamento do inquérito e as de inquérito sobre o acompanhamento. Cada uma precisa sempre de um relatório muito detalhado. E se sobrarem detalhes, haverá um parecer complementar para explicar o que saltou fora do entendimento geral. Desde que se escreva, está tudo bem. E muito, de preferência, pois isto de ser objetivo e conciso é só para esses povos patetas do centro e norte da Europa que têm a mania da organização e não apreciam uma boa perífrase.
É neste caldo cultural que vive a Justiça. Para o legislador que primeiro cria e depois regulamenta este talvez seja um mundo perfeito, mas para o cidadão comum a perceção de como funciona a engrenagem será um tudo ou nada diferente. Tentemos, por exemplo, compreender como é que o acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) sobre o caso Palhinha não consegue esclarecer, em 147 páginas, uma questão tão complexa quanto esta: quantos amarelos tem o médio do Sporting? Quatro? Cinco? Pelo que me foi dado a perceber, terá agora de haver um pedido de esclarecimento das partes. Mais um parecer, portanto.  
Mas tentemos, já agora, ir mais à frente e tentar compreender esta dúvida que ficou no ar: se tirar o amarelo exibido do Bessa será uma forma de o TAD intrometer-se nas decisões do árbitro e abre-se um grave precedente; se o mantiver, mas retirando-lhe o castigo, como o fez, será outra obra notável - o jogador fica com cinco amarelos e não é castigado.  
O  importante aqui até nem é saber se Palhinha tem quatro ou cinco amarelos, se sabe a quantas anda para gerir a folha disciplinar e deixar Rúben Amorim mais descansado e não andar constantemente a chatear os advogados do clube e Hugo Viana. O que realmente deve ser tido em conta é que, em 2021, a justiça desportiva portuguesa continua a inovar. Quando pensamos que já tínhamos visto tudo, há sempre mais um processo novo que expõe o melhor que o tecido judicial desportivo tem para nos oferecer. Os ingleses, alemães e até espanhóis (que, pasme-se, até divulgam os relatórios dos árbitros mal terminam os jogos!) devem ser mesmo estúpidos por produzirem decisões rápidas; não sabem saborear uma boa espera de meses, daquelas em que no momento em que é produzida sentença já nem nos lembramos bem de que tema se trata, desviando a conversa para disfarçar a falta de memória; não apreciam os tipos da La Liga, Bundesliga e Premier League a beleza de regulamentos diferentes para a competição A e para a competição B nacionais, mesmo que muitos clubes participem na A e na B. E por aí fora...
Muitos dirão que nada há a fazer. E se calhar com razão. Porque em 2023, quando Palhinha já estiver num clube da Premier League, surgirá no rodapé da sua televisão a notícia de que, após uma série de recursos necessários em nome do bom funcionamento do sistema, o internacional luso (esperemos que já campeão da Europa e do Mundo) vai afinal ter de cumprir um jogo de castigo quando um dia voltar ao campeonato cá do burgo, já trintão. A Justiça tarda mas não falha.