Vácuo e (a)normalidades
1 - Estamos em pleno vácuo no que ao campeonato diz respeito. Uma originalidade muito portuguesa e que vai contra os interesses dos clubes associados de uma Liga que os deveria defender. Quase um mês sem a principal competição, para depois se concentrarem 3 jornadas em 8 dias, encavalitadas em provas europeias para os clubes nelas representados (onde precisamos de melhorar o ranking para ter mais e melhores acessos), e para os clubes não europeus deixando um buraco de alguma receita perdida entre o interromper e o retomar da competição. E se a semana passada até se percebe por causa do calendário imposto para os torneios de apuramento entre selecções (eles próprios artificiosamente inchados para, no fim, deixar apenas de fora Gibraltar, Andorra, Liechtenstein, Ilhas Faroé, São Marino, países bálticos e mais uns poucos de quinta divisão), quanto às outras semanas de interrupção é o disparate geral. Por exemplo: opta-se por uma primeira eliminatória da Taça de Portugal com os clubes da 1º divisão a jogarem com equipas dos escalões secundários a um nobre fim-de-semana, ficando uma jornada dos campeonatos nacionais entalada a meio da semana entre outras duas jornadas. Não seria mais lógico e adequado ser ao contrário: a dita eliminatória da Taça ser na tal quarta-feira e as jornadas dos campeonatos irem para o fim-de-semana? Como também não fez sentido não ter havido uma jornada no fim-de-semana eleitoral, ou será que alguém de juízo perfeito pensa que por haver jogos num dia arcaico chamado de reflexão aumentaria a abstenção já de si elevadíssima ou obnubilaria a votação de uns tantos? Aos pinguinhos e aos soluços ainda temos de, esparsamente, aturar uns jogos da Taça da Liga, num calendário sem nexo nem sentido, com adiamentos ou antecipações à vontade do freguês. Nesta edição está até a acontecer uma situação absolutamente caricata: a de num dos quatro grupos (o do Sp. Braga) se ter realizado em primeiro lugar a … segunda jornada! Originalidades marcantes do nosso futebol. Como verdadeiramente insólito é, numa eliminatória da Taça de Portugal, se terem repescado 21 equipas das 55 eliminadas, de tal modo que, pelo destino aleatório do sorteio, se voltam agora a defrontar uma equipa que, antes, havia eliminado a que volta a encontrar.
2 - A nível de selecções nacionais, Portugal é campeão europeu, venceu a Liga das Nações, tem conquistado vários títulos a nível das equipas mais jovens e está construindo um conjunto de seleccionáveis que tem todas as condições para continuar na senda dos triunfos no pós Cristiano Ronaldo. Mas, a nível de clubes, não poderemos dizer o mesmo. A última jornada europeia foi elucidativa: Benfica e Porto perderam com equipas apenas medianas (o Benfica tendo sofrido no jogo contra o Zenit tantos golos como nas 7 jornadas do campeonato e o Porto sofrendo metade dos 4 consentidos na Liga), o Vitória de Guimarães, que embora jogando benzinho, foi naturalmente derrotado por uma equipa germânica, o Sp. Braga empatou e o Sporting, com muita felicidade, derrotou uma equipa austríaca completamente desconhecida. Valha-nos que a federação à nossa frente - Rússia - ainda está pior, pelo que até poderemos alcançar a sua posição no ranking, o que permitirá dois clubes directamente apurados na Champions e um clube no play-off. Não esqueçamos, porém, que a Holanda se está a aproximar perigosamente, muito impulsionada pelo rejuvenescido Ajax, mas não só.
Voltando à diferença entre selecção e clubes, é por demais evidente que resulta (embora não apenas) de Portugal ser um país exportador de talentos (portugueses e de estrangeiros que, por cá, se mostraram ao mundo e brilharam), e o mesmo já se está a verificar inusitadamente com adolescentes que não resistiram ao eldorado britânico ou continental. O nosso seleccionador tem ao seu dispor um leque de jogadores que, quase totalmente, jogam em equipas estrangeiras.
Na Selecção que jogou contra o limitado Luxemburgo, o que vimos? Dos 25 jogadores inicialmente convocados, só 6 jogam em Portugal (Danilo, Pizzi, Rúben Dias, Rafa, Bruno Fernandes e Pepe). Os restantes são os nossos estrangeirados e actuam em 9 países diferentes (Inglaterra - 5, Espanha - 4, Alemanha, Itália e Grécia - 2 cada e Turquia, França, Rússia, Holanda - 1 cada). Por clubes, os mais representados são, com 3 jogadores, o Benfica e … o Wolves! Uma outra perspectiva interessante é a de, face à mesma convocatória, dos 19 jogadores que actuam no estrangeiro haver 17 que, mais atrás ou mais recentemente, saíram dos quadros dos 3 grandes (Sporting - 8, Benfica - 5 e Porto - 4). Em suma, o futebol português não está bem, o que está excelente são os jogadores portugueses que jogam fora de Portugal.
Também pude ver uma estatística agregada dos recentes convocados para os próximos jogos de todas as nossas selecções (Selecção principal, sub-21, sub-20, sub-19, sub-17 e sub-15): 45 são do Benfica, 26 do Porto e 21 do Sporting. Parece aqui revelar-se, com alguma nitidez, uma das expressões dos bons efeitos da política de formação no Benfica.
No meio da clubite aguda em que se vive, haja, nisto, ao menos um ponto bem positivo: acabou a guerra entre benfiquistas, portistas e sportinguistas, reclamando de um seleccionador a maior fatia de jogadores...
3 - Pegando o fio da meada, fui ver quantas nacionalidades de jogadores, que não a portuguesa, há nos três grandes. Sendo exportadores de talentos, existem duas hipóteses de contrabalançar esse movimento: ou importando jogadores ou produzindo novos talentos nacionais. Há uma visível tendência para melhorar este segundo braço da solução. Acontece, porém, que ao mesmo tempo tem aumentado a velocidade de circulação de dentro para fora, ou seja, é cada vez mais difícil manter jogadores portugueses de qualidade. Por seu lado, tem aumentado a presença de jogadores estrangeiros em Portugal, como fulminante roda giratório para outros voos (sobretudo de jogadores sul-americanos e africanos) e para ganhos financeiros de clubes e terceiros entre a compra e alienação dos mesmos. Enfim, um certo círculo inicialmente virtuoso tende a virar em círculo mais vicioso (círculo e não ciclo, como tantas vezes se lê e ouve…).
No plantel do Benfica há dez nacionalidades, além da portuguesa: Brasil (2), Grécia (2), Argentina (2), Espanha (2), Sérvia, Rússia, Nigéria, Bélgica, Suíça, Marrocos. No FC Porto há onze: Brasil (3), Argentina (2), Colômbia (2), Senegal (2), Espanha, Japão, México, Mali, Cabo Verde, Bélgica, Camarões. No Sporting há dez: Brasil (5), Argentina (3), Uruguai, França, Espanha, Macedónia, Colômbia, Costa do Marfim, Equador, Congo. No conjunto das três equipas, temos vinte e três nacionalidades, além da nossa. É obra! Balneários torre de Babel é o que não falta!
Dever acima
de tudo
DOIS bancos, um deles - o Novo Banco - para o qual ainda todos nós estamos a pagar os desvarios do seu predecessor BES (quase 9 mil milhões e ainda não se chegou ao fim…), dão-se por satisfeitos em perder 70% de 135 milhões disponibilizados há anos ao SCP (e sem pagamento de juros). Certamente, com um argumento aparentemente racional: antes tentar receber 30% do que zero. Nada garante que, daqui a uns anos, não se contentem com 20%, 10% ou até menos... Continua, pois, a saga dos grandes devedores, sejam eles especuladores financeiros, coleccionadores de arte, clínicas dentárias, futebol ou outras actividades igualmente beneméritas ou de rasgados elogios dos poderes estabelecidos. Nada tenho a dizer sobre o objectivo do SCP, que, evidentemente, faz pela vida. Mas, quem se lixa sempre é o mexilhão. Seja como contribuinte, seja como minúsculo devedor, a quem tudo lhe é hipotecado ou penhorado. Os autores e cúmplices de tais rombos continuam a passear-se como grandes senhores e grandes mestres da arte de (mal) gerir. Nada lhes acontece. A culpa morre ou ressuscita cada vez mais solteirona. O silêncio (às vezes, cúmplice) é sepulcral, se o compararmos com a vozearia comunicacional por um qualquer fora-de-jogo. O país assiste a tantos casos destes que parece já estar anestesiado, quase achando tudo normal. Prefere dedicar-se a epifenómenos rocambolescos da coisa pública e do telejornal de ocasião. Se calhar tem o que merece. Entretanto, com este perdão ou garantia de maioria na SAD sem custos, ou seja lá o que eufemisticamente lhe quiserem chamar, os dadores de sangue, perdão de crédito, passam sob a capa de anonimato ou de oportuna opacidade. O jornalismo pactua com isto sem pestanejar. E, já que neste caso estamos no mundo do futebol, dirão pois que se lixe o mercado e a sua sempre proclamada exigência de sã concorrência, e bem-vindo, em todo o seu esplendor, o benefício do infractor, não na relva, mas na verba. Qualquer dia se transformará em norma obrigatória uma das atitudes mais contumazes, «ó pai, eu quero dever dinheiro, e quanto mais melhor!», ou em versão mais tecnocrática «ó banco, eu quero-te como meu accionista diluído em água oxigenada».