Unir o leão

OPINIÃO29.06.201804:57

Pode parecer que não, mas creio que o Sporting ainda é um clube muito dividido entre os que já não apoiam o presidente destituído, os que nunca apoiaram o presidente destituído, os que ainda apoiam o presidente destituído, os que não sabem bem se devem continuar ou não a apoiar o presidente destituído, os que sabem que nunca mais devem apoiar o presidente destituído, os que defendem que o presidente destituído jamais deveria poder concorrer à presidência do clube, os que são da opinião que o presidente destituído devia poder candidatar-se para definitivamente perder nas urnas, os que acham que o presidente destituído devia ser expulso de sócio do Sporting e os que argumentam que o melhor é, pelo menos para já, suspendê-lo de sócio por alguns anos.

O presidente destituído dividiu o Sporting e o Sporting está tão dividido que muitos parecem ainda não ter percebido que o mais importante de tudo o que o Sporting tem de fazer é mesmo unir o clube e juntar toda a gente.

Nesse sentido, Frederico Varandas tem razão e o mote da sua candidatura, a única oficial até ao momento, faz todo o sentido - unir e reunir na chamada comissão de honra, não meia dúzia de notáveis ou menos notáveis, mas os 170 mil sócios que o Sporting parece ter, porque só todos os sócios do Sporting, sem divisões graves, podem reerguer o Sporting e torná-lo realmente mais forte. Definitivamente forte.

Como o Sporting merece. E como todos os sócios precisam.

Não sei, nem me compete avaliá-lo, se Frederico Varandas é ou não o melhor candidato à presidência do Sporting.

O que sei é que foi aquele que, sendo profissional do clube, teve, pelo menos, a coragem de se demitir para fazer frente ao presidente destituído numa altura em que o presidente destituído parecia ainda capaz de resistir à queda.

Podia Frederico Varandas ter ficado confortavelmente sentado no seu lugar de profissional do clube. Em vez disso, talvez pela força do seu orgulhoso espírito militar, preferiu ir à luta. E isso, sem demagogia, já mostra muito do seu caráter.

O que o presidente destituído deixa no Sporting são muitas fraturas. Dividiu o Sporting em sportinguistas de primeira, de segunda e de terceira. Chamou inúteis a uns, croquetes a outros e sportingados a mais uns quantos.

Sportinguistas de primeira, pelos vistos, apenas os que concordassem com ele. E de preferência em tudo!

Ganhou no Sporting o presidente destituído o poder que nenhum outro conseguiu. E ou deslumbrou-se ou é um deslumbrado.

Pareceu, aliás, alguém a quem saiu a lotaria, o dinheiro subiu à cabeça e foi, depois, incapaz de gerir a inesperada fortuna.

O presidente destituído teve tudo na mão. E os sócios deram-lhe tudo. Deram-lhe a esmagadora maioria dos votos, deram-lhe o apoio expresso em cada jogo e deram-lhe, até aos acontecimentos que culminaram na inaceitável e hedionda invasão a Alcochete, os maiores elogios públicos.

Elogios dos sócios anónimos e dos menos anónimos, dos mais notáveis e dos menos notáveis. Elogios de quase todos, com a exceção de meia dúzia de figuras mais ou menos públicas que parecem ter percebido antes de todos os outros como, na verdade, foi, é e seria sempre o comportamento do presidente destituído enquanto lhe fosse reservado o direito de ser o presidente.

Mesmo assim, com tudo na mão, o presidente destituído nunca ficou satisfeito. Quis sempre mais. E mais poder. E mais legitimidade. E mais direitos de fazer o que lhe desse na gana.

O direito de decidir tudo a seu bel-prazer.

O direito de criticar toda a gente como quisesse.

O direito de dizer o que quisesse.

O direito de escrever o que quisesse.

O direito de acusar, insinuar, humilhar, gozar e achincalhar toda a gente que ele quisesse e como quisesse.

O direito de pressionar como quisesse.

O direito de criar as regras que quisesse.

O direito de obrigar toda a gente a cumpri-las como ele quisesse.

O direito, enfim de mandar como quisesse.

Com tudo isso, o que o presidente destituído fez foi fraturar o Sporting.

E fraturou-o até o esmagar.

E até se esmagar a ele próprio.

E ver-se esmagado pelos sócios.

E pagar a fatura.

Não será a destituição a maior das vergonhas?

Agora, num clube tão cheio de feridas, tão magoado, tão triste, tão angustiado com tudo o que lhe sucedeu, com todo os ataques entre personalidades, com tudo o que de raiva se disse, com todo o ódio que se foi instalando, com toda a violência verbal, e depois, infelizmente, até física, com tanta decisão errada, com as malditas rescisões de contratos, com a lamentável saída do treinador e com a estrutura, naturalmente, a desmoronar-se, o que o Sporting mais precisa é de união. E do espírito da união.

Não pode continuar a dividir-se.

O futuro presidente do Sporting tem de perceber que vai, evidentemente, precisar dos que apoiaram o presidente destituído; e dos que nunca o apoiaram; e dos que o apoiaram e deixaram de apoiar; e dos que ainda hoje não sabem bem se deviam ter deixado de o apoiar; e de todos os que estão seguros que deviam ter deixado de lhe dar apoio.

O futuro presidente do Sporting precisa de toda a gente para regenerar o espírito leonino, e a relação entre sócios, e a forma de liderar e a gestão do futebol. Precisa de toda a gente para serenar o clube e de lhe recuperar imagem e o direito de ser uma instituição que valoriza e se valoriza, que respeita e se dá ao respeito, que ambiciona com dignidade e luta pelas regras dentro das regras.

O que o Sporting não precisa mesmo é de continuar a dividir-se.

Não precisa de meia dúzia de candidatos a presidente.

Não precisa de cada candidato, um treinador, e cada treinador seus jogadores.

Isso não une. Só divide ainda mais. E divide da pior maneira.

Se numa situação normal vários candidatos mostraria vitalidade democrática, na atual circunstância leonina muitos candidatos poderá mostrar mais ânsia de poder do que genuína defesa do clube, porque o momento é profundamente excecional, tão excecional que exige medidas hoje e só enfrentará o ato eleitoral daquilo a dois meses.

O que estará verdadeiramente em causa, hoje, neste Sporting deixado pelo presidente destituído é mesmo a defesa (e a sobrevivência) do clube de todo o mal que esse presidente destituído lhe fez e de todo cenário excecional que foi herdado.

O Sporting precisa de tudo menos de mais guerras de palavras, de mais ataques pessoais ou de mais ofensas públicas.

O que o Sporting precisa mesmo é de reconquistar o direito de poder continuar a ser saudavelmente o Sporting, mesmo considerando o difícil cenário das rescisões de contratos, da partida do treinador, e da necessidade de planear uma nova época apesar de só voltar a ter um novo presidente quando a competição do futebol já estiver em pleno andamento.

O que o Sporting tem pela frente não será um caminho fácil. Mais difícil será, seguramente, se não perceber a importância de se unir.

PS: Portugal devia ter acabado em primeiro no Grupo B do Mundial de futebol se a arbitragem do jogo com o Irão tivesse tido a justiça de, como devia, não assinalar aquela grande penalidade contra a Seleção portuguesa que acabou por dar o golo do empate à equipa iraniana e atirar a equipa das quinas para o segundo lugar do grupo atrás da Espanha. Não foi Cedric que fez falta; foi o adversário que fez falta sobre Cedric. Grave erro de arbitragem, aquele penálti, como aliás parece ter vindo assumir a própria comissão da FIFA, segundo revelou aos jornalistas o nosso selecionador nacional, Fernando Santos. Apesar disso, Portugal voltou realmente a pôr-se a jeito no encontro com os iranianos, sobretudo porque continua a revelar tremenda dificuldade no controlo dos jogos. Agora, estamos do chamado «lado da morte» do torneio. A começar já este sábado, num jogo em que teremos de mostrar bem mais do que mostrámos até aqui. A sorte também se acaba!