Uma questão de justiça

OPINIÃO15.03.202106:00

Era o que faltava que antes de instaurar processos se tivesse de olhar para a tabela e escolher o melhor momento...

LAMENTO, mas não embarco em teorias da conspiração. Concordando ou não com a matéria de facto de processos instaurados pela justiça civil ou desportiva, é para mim inadmissível olhá-los como arma de arremesso de um suposto sistema que, por cá, vai variando consoante os clubes que a eles estão sujeitos. O Sporting tem, naturalmente, todo o direito a contestar os processos a Rúben Amorim ou o inquérito resultante dos incidentes do túnel em Famalicão, mas argumentar que são uma forma de campanha concertada contra o clube apenas porque vai em primeiro no campeonato é, parece-me, ir demasiado longe. Porque isso seria concordar com o Benfica quando dizia que os processos judiciais em que a águia se viu envolvida nos últimos anos eram, apenas, uma forma de desestabilização. Ou com o FC Porto, quando argumenta o mesmo nos castigos a Sérgio Conceição. Como se a justiça, civil ou desportiva, pudesse estar dependente de olhar para a classificação da Liga para decidir qual é a melhor altura para agir. Não é, naturalmente, assim que funciona. Nem pode ser. Era o que faltava.
 

OUTRA coisa, bem diferente, é discutir os morosos prazos que fazem os processos arrastarem-se por tempo indefinido ou as matérias que levam à sua abertura. A primeira matéria não é, convenhamos, nova. Dura há muito tempo. Demasiado tempo até. Abrir um processo a Rúben Amorim um ano depois da queixa da Associação Nacional de Treinadores de Futebol ou instaurar procedimento disciplinar ao que se passou no túnel de Famalicão três meses depois dos factos é, de facto, quase absurdo. Mas, repito, não é nada de novo. É, talvez, apenas o reflexo do que é a justiça, civil ou desportiva, em Portugal. São procedimentos e mais procedimentos, adiamentos atrás de adiamentos, agravados agora com a pandemia que empurra ainda mais os prazos. É tudo demasiado lento. Mas antes uma justiça lenta do que uma justiça cega.
Sobre a matéria de facto, centro-me, por agora, no processo a Rúben Amorim. É um facto que o Sporting sabia não estar a ser verdadeiro quando inscreveu na Liga o seu treinador principal como treinador adjunto. E o seu treinador adjunto como treinador principal. Mas não pode a Liga dizer, é claro, que não sabia, quando aceitou a inscrição de Rúben Amorim como treinador adjunto e a de Emanuel Ferro como treinador principal, que as coisas não eram assim. Acusar o Sporting e Rúben Amorim de fraude é, de facto, esticar demasiado a corda. Até porque para sustentar a tese de fraude é preciso provar, antes de qualquer outra coisa, que alguém foi enganado. O que, tendo em conta o escrutínio público que teve a contratação de Rúben Amorim para treinador principal do Sporting, não parece muito viável, a não se que admitíssemos, todos, que estávamos a dormir. Toda a gente sabia quem era, no Sporting, o treinador principal e o treinador adjunto. Dizer que o Sporting ou Rúben Amorim tentaram enganar alguém é ridículo. Quase tão ridículo como atribuir prémios de Treinador do Mês (como aconteceu algumas vezes) a Emanuel Ferro. Coloquemos hipótese ainda mais ridícula: ver o treinador campeão nacional suspenso por ter treinado, durante parte dessa época, sem ter o que dizem ser as habilitações necessárias para ser treinador. Era, convenhamos, bater no fundo.
 

SEJAMOS sérios e discutamos o que merece ser discutido. Ou se mantém as coisas como estão e a Liga não permite inscrições que sabe não serem verdadeiras, ou mudamos as coisas e encontramos forma de quem quer ser treinador possa sê-lo, em qualquer escalão, sem ter necessidade de esperar anos e anos para ter a licença necessária para o efeito. Porque em causa está, também, o direito de exercer a profissão. E em último caso, o único prejudicado por inscrever um treinador que, por não ter carta, pode não ter habilitações para treinar é o clube que o contrata. Mais ninguém.