Um(a) Fonte de inspiração
Fernando Santos parece que estava a prever mau tempo quando, na projeção do jogo com o Uruguai, seguiu uma linha de raciocínio que só não antecipou o nome do vencedor, mas, no resto, disse quase tudo.
Pessoalmente, tinha estabelecido como meta relevante para Portugal os quartos de final em que, lá chegado, seria escolher entre uma reedição da final do Euro-2016, diante de uma renovada e irreverente França, prova eloquente de que não é despiciendo o tema sobre o rejuvenescimento das seleções - Deschamps, ainda em prova, mudou e Low, já em casa, não quis mudar -, e o frente a frente mais desejado no planeta entre Cristiano Ronaldo e Messi.
Acabou-se, porém. Nem há França, nem Argentina. O regresso a Lisboa foi antecipado, embora ligeiramente, e em vez de conversa fiada, que é o que não tem faltado, deve valorizar-se o caminho trilhado desde há quatro anos, com a força de nos levantarmos de cada vez que tropeçamos, sem jamais perder de vista um futuro de esperança, pelo menos enquanto houver Cristiano.
No imediato, é preciso desviar o foco, um termo na moda, para a participação no próximo Campeonato da Europa, o qual devemos atacar com a competência e a responsabilidade de quem tem o título a defender. É o mínimo a que estamos obrigados.
O nosso selecionador, na véspera do jogo de sábado, fez uma abordagem de uma precisão impressionante na conferência de Imprensa. Afirmou ele que, no limite, quando as duas equipas conseguem anular-se, normalmente, a diferença faz-se através das individualidades. Foi precisamente isso o que se observou: muito equilíbrio, respeito de parte a parte e a inevitabilidade de ser um ator cabeça de cartaz a desnivelar os pratos da balança.
Em rigor, subiram dois ao palco com esse estatuto de exceção, embora ambos dependentes de outro fator determinante. Avisou Fernando Santos que se Ronaldo jogasse sozinho iríamos perder e a verdade é que, não tendo ele estado em noite inspirada, o que só agravou a situação para o nosso lado, não se descortinou quem pudesse servir-lhe de amparo, nem alguém com autoridade para o substituir, ordenando o toque a reunir para, todos juntos, em bloco, darem uma mãozinha ao chefe, caírem em cima do oponente e desmontarem o sólido penedo uruguaio, ao qual sobrou manha e não faltou engenho.
Santos advertiu que sem o suporte da equipa seria difícil triunfar e Tabárez, não é difícil adivinhar, terá pensado o mesmo. Era tão evidente que a contenda se decidiu, precisamente, nesse pormenor: enquanto Ronaldo se sentiu perdido, pela implacável marcação adversária e pela ausência de apoio efetivo que os seus lhe deviam ter dado e não deram, a Cavani deparou-se-lhe uma defesa lusa surpreendentemente distraída nos golos que marcou, além de contar com a disponibilidade dos companheiros, não apenas nesses dois lances capitais.
Énotória a distância que os separa: Cristiano e a Seleção. Falta uma ponte de ligação. Falta um jogador muito bom, na execução e na atitude, um Paulo Futre, um Rui Costa, um Luís Figo ou um Deco. Os outros são bons, mas ainda não suficientemente bons.
Bernardo Silva joga no Manchester City, como suplente regularmente utilizado.
Gonçalo Guedes entrou como saiu no PSG, sem se dar por ele - em contraposição, Cavani continua a ser protagonista no emblema parisiense -, foi dispensado e vai continuar a tentar a sua sorte no Valência.
João Mário não se afirmou no Inter e viu a porta de saída abrir-se-lhe com a aquisição de Vecino. Havia uma sobreposição em relação aos dois e o clube italiano optou pelo médio uruguaio, emprestando o português ao West Ham, onde rubricou uma presença sem história para contar.
André Silva foi para o Milan em julho do ano passado. Marcou golos de menos e criou dúvidas de mais sobre o seu verdadeiro potencial. Imensamente longe dos 25 golos que Luis Suárez apontou no Barcelona.
A derrota com o Uruguai podia ter sido evitada, mas não significa nenhuma tragédia, pelo contrário. Temos de acreditar. Eu acredito.
Este grupo que representou o país no Mundial da Rússia ofereceu mais soluções, o que é sinal de evolução, mas percebemos também que devemos ser mais exigentes com os jovens, de maneira a que se convençam que os milhões que os colocaram nos grandes clubes da Europa não chegam para fazer deles grandes jogadores. Contribuíram, somente, para os transformar em meninos endinheirados e aburguesados, a quem falta o espírito de José Fonte, ilimitadamente comprometido com a Seleção, nem que seja para «limpar as botas». Que esta sublime demonstração de humildade lhes sirva de inspiração. Já não se perde tudo…