Uma crónica para as vossas férias
Eu sei que não está na moda dizer bem, mas Portugal está lindo. Viajem pelo interior e sintam a estranheza de uma agradável surpresa
E STAMOS nos idos de julho e se agosto assinala o desejado mês de férias da maioria dos portugueses também marca o início oficial da época de futebol, pré-anunciada pela Supertaça que acaba por ser o adeus definitivo ao ano competitivo anterior.
Agosto torna-se assim um mês especial. O país urbano espalha-se por campos e praias, cada vez com mais opções. Eu sei que os portugueses só concordam com quem diz mal e que dizer bem está fora de moda, mas já tenho idade suficiente para dizer o que penso e responsabilizar-me por isso. Portugal está cada vez mais bonito e por isso é ainda mais perturbador assistir ano após ano à flagelação do fogo, sobretudo, nas terras do interior.
Recordo-me da minha infância quando chegava a uma aldeia recôndita e as crianças corriam descalças atrás do automóvel do meu pai, pela surpresa e pela raridade que não podiam perder.
Crianças desescolarizadas, abusadas em trabalhos de adultos, braços e mãos destinados a cuidar das terras pobres, pernas cansadas de conduzirem, sem descanso, os rebanhos por montes e vales.
As aldeias de Portugal eram pitorescas no pior sentido. Paroquiais, distantes da civilização, isoladas nas suas crenças e costumes, sem horizontes para lá das montanhas que as rodeavam.
Andámos muito para aqui chegarmos. Ainda assim, longe, muito longe, mesmo, do ideal, do cumprimento das esperanças mais legítimas. Há a desertificação, a imensa separação entre o interior e o litoral. Não consigo evitar o sorriso sarcástico quando assisto aos pesados queixumes do norte contra o sul e, sobretudo, contra o desenfreado centralismo de Lisboa, deixando no esquecimento a profunda desigualdade entre o litoral e o interior do país.
Mesmo assim, Portugal mudou muito para melhor e aconselho vivamente aqueles que não conhecem o Portugal interior, o de Trás-os-Montes, dessas terras absolutamente deslumbrantes do Douro, das Beiras, da beleza inigualável da planície alentejana e das suas vilas e aldeias de uma personalidade inabalável, que o vejam com os seus próprios olhos e se deixem inundar de boas surpresas e de uma estranha sensação de agradáveis desenganos.
Deixemos, pois, por este mês de agosto, a grande cidade aos turistas. Dizem os economistas que os turistas são bens essenciais, o nosso petróleo, a única importação que nos socorre nas aflições do PIB nacional.
Viajemos, pois, pelo país mais desconhecido e aqueles que já antes o tinham visto, há cinco, há dez, há vinte anos poderão constatar que, tal como já dizia Galileu, apesar dos riscos da Inquisição, o mundo move-se e, com ele, Portugal também.
Além do mais, viajar sempre nos traz uma outra dimensão da vida e do mundo. É importante perceber que há imensa vida para lá das notícias dos jornais televisivos e que há uma infinidade de interesses que nos devem cativar a atenção para lá das estafadas opiniões das redes sociais e daqueles que sempre nos querem convencer de que tudo o que acontece no mundo tem apenas uma única verdade e só pode ser visto, única e exclusivamente, pelo seu próprio lado solar.
NOTA FINAL - É evidente que podia ter escolhido para este sábado temas mais óbvios e falar-vos do escândalo vivido no pobre e mal tratado ciclismo português, dos labirintos em que se meteu Cristiano Ronaldo e que podem vir a dar a um beco sem saída, do desrespeito crónico pela figura da justiça desportiva (e da outra), mas achei justo evitar assuntos tão depressivos. Gozem, pois, o melhor que puderem, as vossas férias.
DENTRO DA ÁREA
Decidir bem, decidir tarde
Perante a decisão da UCI suspender como parecia inevitável a W52-FC Porto, impedindo a sua participação na Volta a Portugal, o clube tomou a decisão de romper a parceria com o grupo de Adriano Quintanilha. Fez bem, porque estava em causa o bom nome de uma grande instituição nacional. No entanto, a verdade é que a UCI não apresentou factos novos. Os factos que levaram à decisão já existiam e desde que foram tornados públicos que o FC Porto deveria ter tomado esta mesma decisão. Decidiu bem, mas decidiu tarde.
DENTRO DA ÁREA
O coração de D. Pedro
A notícia foi publicada no Público. A Câmara Municipal do Porto e a Irmandade da Lapa decidiram expor na Igreja da Lapa o coração de D. Pedro, antes da transladação para as comemorações do bicentenário da independência do Brasil. Confesso que leio a notícia como uma dark news. Admito que haja um significado histórico e até político em tudo isto, mas, a mim, parece-me apenas um ato de insensibilidade humana, até porque em boa verdade já ninguém pode pedir ao D. Pedro aquela que seria a opinião mais importante sobre o caso.