Um ponto ganho, disse Schmidt
Afinal, o que é que se passou de extraordinário? Nada, o Benfica continua líder e a jogar muito melhor do que nos anos anteriores
Oempate em Guimarães custou a digerir ao mundo benfiquista. Ficou interrompido um apreciável ciclo de vitórias, mas o que mais o incomodou foi a tática de Coates (engendrada por Rúben Amorim e que muito profícua se revelou no sucesso do Sporting campeão nacional) ser copiada por Roger Schmidt, ao utilizar o gigante central John Brooks como ponta de lança de emergência, em derradeira e desesperada solução depois de ter falhado tudo o que fora tentado antes.
Foi uma surpresa, e das grandes, à medida do tamanho do defesa norte-americano recentemente contratado, mas não passou disso mesmo, de uma surpresa de nenhum efeito, que fez algum sentido, admite-se, embora não se recomende.
Porquê? Por transmitir uma sensação de desconforto ao adepto, também ele pasmado por entender mal que seja preciso perverter a lógica de uma equipa ricamente apetrechada, mas que gaguejou quando se lhe pedia que desse respostas claras e afirmativas às questões que lhe foram colocadas por um opositor competente e de muita coragem, ainda por cima empolgado pela motivação adicional de poder ser o primeiro clube a tirar pontos ao Benfica.
Moreno Teixeira, o treinador vitoriano, deu dimensão pública a esse desejo e os seus jogadoras gostaram do que ouviram.
SCHMIDT exagerou, ou, se calhar, até tomou uma decisão atinada de acordo com as circunstâncias. Pareceu um disparate, lá isso pareceu, mas observada a situação pelo prisma da sagacidade analítica do jornalista Rogério Azevedo poderemos enxergar uma consequência diferente. Escreveu ele , ontem, no seu artigo semanal em A BOLA: «Claro que, mesmo sendo contranatura, os encarnados até poderiam vir a vencer em Guimarães nos últimos minutinhos, com um golo de cabeça do internacional norte-americano. E aí, claro, a jogada de Roger Schmidt teria sido genial.»
Teria sido, mas não foi, e, continuando a citá-lo, a conclusão que mais depressa poderá extrair-se é a de que «Roger Schmidt, afinal, sofre dos mesmo males de todos os treinadores e todos os profissionais de qualquer área: também erra». Elementar, meu caro Rogério!
N O dia anterior, também o jornalista José Caetano abordara o mesmo tema no seu primeiro Editorial, após assumir a chefia de redação por convite de João Bonzinho, que passa a ser, cumulativamente, diretor do canal de televisão e do jornal e a quem a administração endereçou não só a responsabilidade de suceder a Vítor Serpa mas também o desafio de engrandecer e eternizar a história de um dos mais antigos e prestigiados títulos da Imprensa portuguesa e o de maior expressão no mundo, A BOLA.
Perdoado este parêntesis, volto ao Vitória-Benfica e às eventuais consequências da interrupção de um voo até aqui imaculado por parte da águia. Em vez de um ponto ganho, como reconheceu Roger Schmidt, José Caetano foi mais pragmático na análise, considerando que o Benfica «perdeu os primeiros pontos na competição doméstica que mais ambiciona ganhar». E perdeu-os «por mérito do rival que encontrou em Guimarães» e ainda «pela incapacidade de impor-se a um Vitória que lhe arrancou as primeiras penas».
Às duas reflexões acerca do que foi o modesto desempenho benfiquista na cidade-berço acrescento outra e que tem a ver com o súbito apagão de várias estrelas da constelação encarnada, a que se junta uma conhecida tendência para a resignação, para o aburguesamento, para o deixar andar, para o que se quiser, mas que emergiu nesta jornada, não bastante para ser declarado um alerta vermelho, mas suficiente para repreender quem encarou este jogo de uma forma ligeira e pouco aplicada.
DE lapsos como este estão os adeptos benfiquistas cansados. Há mais de três anos que não sentem o prazer de festejar um título e na época transata viram a equipa perder dezoito pontos nos jogos realizados no Estádio da Luz e ser atirada para um descolorido terceiro lugar final, com menos dezassete pontos do FC Porto e menos onze do Sporting.
O esforço que está ser feito no processo de mudança não consegue impedir empates nem derrotas, mas pode e deve determinar o fim de ciclo para quem não se sente capaz ou não tem vontade de corresponder ao rigor do trabalho, ao inabalável espírito de sacrifício e à elevada exigência competitiva que um clube com a grandeza do Benfica está obrigado a impor.
Na opinião do treinador alemão, o empate em Guimarães representou um ponto ganho, e tem razão, foi mesmo um ponto ganho. Jogadores há que se desabituaram de ganhar devido a hábitos passados e quando as dificuldades atormentam, em vez de reagirem, escondem-se no jogo.
A entrada de gente nova, com qualidade, tem disfarçado muitas coisas, mas a moléstia persiste e vai demorar tempo a expurgá-la do plantel. Por isso, é preciso acreditar e manter a calma, como pede Schmidt. Afinal, o que é que se passou de extraordinário? Nada, o Benfica continua líder e a jogar muito melhor do que nos anos anteriores.