Um mundo à parte (até agora)

OPINIÃO11.11.201803:00

NEYMAR tem, no contrato que assinou com o Paris Saint-Germain, uma cláusula que prevê o pagamento de 375 mil euros/mês pelo simples facto de acenar aos adeptos no final dos jogos do clube da capital francesa. São, por época, qualquer coisa como €4,5 milhões. A informação, secreta até ser exposta pelo site Football Leaks, é, numa análise superficial, tão ridícula que é impossível não lhe responder com um sorriso - até gargalhadas, admite-se. Mas parando para pensar um pouco percebe-se que o assunto é, se calhar, muito mais sério do que parece à primeira vista. E dá tudo menos vontade de rir. Alguém acredita, de facto, que o PSG está disposto a pagar €4,5 milhões/ano a um jogador - mesmo que se chame Neymar - só para que ele diga, durante um segundo, adeus aos adeptos nas bancadas? A sério?
Salta à vista (só não vê quem não quer) que esta cláusula mais não é do que um esquema - nem sequer muito elaborado - para que o PSG possa dar a Neymar mais €375 mil por mês sem que os tenha de declarar como fazendo parte do ordenado que paga ao brasileiro. Seja para cumprir um (falso) teto salarial, seja para ter (clube e jogador) de pagar menos impostos, seja por outra razão qualquer. Nem importa saber porquê, bem vistas as coisas. Casos destes não se passam só com Neymar nem só com o Paris Saint-Germain. É uma prática, até, bastante comum - talvez mude o conteúdo da cláusula para não dar tanto nas vistas.
A questão é, portanto, mais profunda do que parece. E prende-se, acima de tudo, com a impunidade que de há muitos anos goza o futebol, que sempre se achou acima das leis. E não é, entenda-se, uma mera presunção de quem se julga mais esperto do que todos os outros. Tem sido quase sempre assim. Em Portugal e não só. O problema é que, como diz o povo, não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe. E numa altura em que todas as áreas da sociedade são escrutinadas ao pormenor, o big brother haveria, necessariamente, de chegar ao futebol. E os segredos que todos julgavam bem guardados começam, enfim, a ser expostos. Uns mais graves do que outros, alguns que configuram crimes e outros que são, apenas, hilariantes. Mas todos eles terão, eventualmente, um efeito para o futuro. Talvez comecem, é um facto, por provocar descrédito, o que não é bom para a indústria. Mas se tudo aquilo que tem vindo a público servir para limpar o futebol de toda a porcaria que sempre se aproveitou dele, nem tudo foi mau. Vamos ter esperança.

NUM mundo à parte têm também vivido as claques - ou grupos organizados de sócios, para não deixar ninguém de fora. Legalizadas ou não, continuam a gozar de extraordinários privilégios (pelo menos os seus elementos mais destacados), concedidos por quem faz deles os mais importantes dos adeptos, talvez por estarem dispostos a fazerem o que um adepto normal nunca faria. Só assim se explica que apesar dos diversos vergonhosos episódios que protagonizaram ao longos dos anos - e continuam a protagonizar - para estes grupos se continue a olhar com inexplicável complacência, encolhendo os ombros e retardando medidas que há muito deviam ter sido implementadas.
Daí que seja de destacar a coragem de Frederico Varandas. O presidente do Sporting parece disposto a cortar as mordomias que eram, até agora, concedidas às claques dos leões. Está, naturalmente, a comprar uma guerra que lhe trará alguns dissabores, para os quais terá de estar preparado. Ele e todos os que não têm medo de mostrar que - mesmo admitindo poderem ser importantes caso se limitem, apenas, a servir o clube e não a dele se servirem - as claques são, sempre, uma minoria (bem pequena) dos adeptos de qualquer clube. E não podem, nunca, considerar-se mais importantes do que um adepto normal.