Um mar vermelho

OPINIÃO05.06.201804:00

1 Ponto prévio: não esqueço nunca que a presunção de inocência passa à frente de tudo o resto até que tudo o resto esteja provado em juízo. Não tomo por verdadeiros por si só testemunhos de anónimos ou encapuçados e, por mais difícil que seja fazer prova de corrupção, só me convencem as provas e não as presunções. E, apesar de ter passados anos a escutar as condenações sumárias do ‘Apito Dourado’, baseadas em quem não leu as sentenças arrasadoras em contrário e se bastou com as mentiras das testemunhas do Ministério Público e os trechos escolhidos das suas escutas telefónicas, de quem nunca se questionou porque razão o ‘Apito Dourado’ só se ocupou do FC Porto e do Boavista, não lhes aplicarei agora o mesmo tipo de julgamento sumário que eles mereciam e justificavam.

Isto posto, nada me impede, porém, de dizer que tudo aquilo que já se sabe sobre os casos em que o Benfica está envolvido - o ‘E-Toupeira’ e agora as denúncias de possíveis subornos a jogadores do Marítimo antes do jogo nos Barreiros em 2016 - fazem o ‘Apito Dourado’ parecer uma brincadeira de amadores. E, sempre sem transformar automaticamente suspeitas em factos e denúncias em provas, vale a pena meditar neste último caso revelado pela SIC e atentar nas coincidências, que saltam à vista nele.

Comecemos pelo jogo em questão, quase a terminar o campeonato e que o Benfica precisava absolutamente de vencer para ser campeão. Reza a crónica deste jornal, que venceu tranquilamente por 2-0, apesar de reduzido a dez desde os 40 minutos por expulsão de Renato Sanches, e que podia ter vencido por mais, tamanha a apatia do Marítimo ao longo de todo o jogo. Coincidência. Uns dias antes do jogo, soubemo-lo agora, instalou-se no Funchal um personagem central desta história, César Boaventura, de seu nome, agente de jogadores de profissão e, de forma não especificada, colaborador do Benfica. Segundo o testemunho de três jogadores do Marítimo, não identificados, à SIC, esteve lá para suborná-los a fim de facilitarem a vitória do Benfica; segundo a sua contestação, esteve lá para lhes falar de possíveis contratos no final da época (e logo antes do jogo com o Benfica?), embora não se lhe conheça nenhum contrato agenciado digno de referência. Coincidência. Também segundo o seu relato, aconteceu num desses dias estar a jantar com o guarda-redes do Marítimo, Salin, quando este recebeu um telefonema de Jorge Jesus a oferecer-lhe 150 mil euros se não sofresse golos contra o Benfica, o que era de todo o interesse do Sporting. Coincidência: estar a jantar com Salin e ter presenciado o suposto telefonema. Acontece que Salin é um excelente guarda-redes e cabe perguntar então porque estaria Jesus preocupado em motivá-lo para não sofrer golos - desconfiaria que ele pudesse estar contra-motivado para os sofrer? Coincidência. O mesmo em relação ao testemunho de um dos jogadores do Marítimo que referiu que o capitão de equipa, João Diogo, informou todos que recebera uma oferta colectiva do Sporting de 400 mil euros se não perdessem o jogo e que ficou muito admirado, pois embora houvesse ordenados em atraso, a reacção da maioria não foi de grande entusiasmo. Coincidência. E, enfim, o desabafo do médico do Marítimo, que assistiu ao jogo no banco e não resistiu a explodir: «prisão e descida de divisão!». Coincidência. Curioso também que quatro anos a fio, o Benfica não tenha experimentado dificuldades de maior nos jogos do Funchal e que este ano, num jogo contra o Marítimo, tenha sido o próprio presidente dos madeirenses a levantar públicas suspeitas sobre o comportamento de um seu jogador numa jogada de golo do Benfica, o qual, visto e revisto, foi, de facto, estranho, para dizer o mínimo. Coincidência. E não deixa de ser igualmente curioso que o autêntico blitz de suspeitas lançadas no final deste campeonato, previamente a todos os jogos do FC Porto e incidindo sobre jogadores dos clubes que iria defrontar, tenha o epicentro das suspeitas a serem investigadas pela PJ justamente no Estádio da Luz: será contágio de experiência feito ou mera coincidência?  A única coisa que não parece coincidência aqui é o excesso de explicações e o pobre português em que se expressa o dito César Boaventura. Com tanta coincidência a enredá-lo, melhor teria feito em ficar bem calado, como fez Paulo Gonçalves - cujo nome, por coincidência, lá voltou a aparecer também de passagem pela Madeira.

Enfim, a pergunta é: será que Bruno de Carvalho vai conseguir continuar a desviar as atenções do atoleiro em que está mergulhado o Benfica?

2 De facto, o Pedro Marques Lopes andava aqui a avisar há dois anos que o FC Porto não podia deixar escapar o Diogo Dalot. E eu andava há três a escrever o mesmo sobre o Iván Marcano. Mas pregámos no deserto: quem lá está e é pago para ver essas coisas, não viu ou achou que tinha tempo para se preocupar com isso depois. Resultado: Marcano saiu a custo zero e Dalot por 24 milhões, uma pechincha para o United, uma má venda para o Porto. Parece que agora o rapaz é insultado nas redes sociais porque traiu o seu portismo, mas eu não quero acreditar que administradores profissionais de uma SAD tenham confiado nisso: amor à camisola, nos tempos que correm, só mesmo o dos adeptos, mais ninguém. E quando atrás de um jogador de 19 anos, está um pai/conselheiro, esqueçam, porque vai correr mal de certeza. Mas também acho que o jovem Dalot se precipitou. Mais dois ou três anos no FCP só lhe teriam feito bem e valorizado ainda mais. Manchester é uma cidade horrível e Mourinho está na crista descendente, a ter de justificar porque é o treinador que mais ganha e mais gasta: se Dalot não pegar de estaca, o mister sacrifica-o, sem piedade. Aos 19 anos, o jovem Diogo aprenderá que ganhar cinco milhões e ser infeliz durante cinco anos ou ganhar meio milhão e ser feliz durante dois anos não tem comparação. Quanto à SAD do FCP, muita atenção a Alex Telles e Felipe: são os próximos na lista.

3 Mesmo insultados pelo presidente por sms depois de uma derrota com o FC Porto para a Liga Europa (também eles!), os jogadores de hóquei em patins do Sporting acabaram a conquistar o título de campeões nacionais, que lhe fugia há trinta anos, justamente contra o FC Porto. Com a falta de vergonha que o caracteriza, Bruno de Carvalho invadiu a pista para se abraçar aos jogadores e festejar com eles. E assim, juntou a este o título de andebol, que também já não ganhava há vinte anos e também ganho contra o FC Porto, e o título de voleibol, ganho contra o Benfica. Dá que pensar...

Já o FC Porto, ganhou o futebol, mas perdeu o andebol e o hóquei para o Sporting e teve o basquete no bolso mas o mais provável é perdê-lo amanhã, na negra, na Luz (oxalá me engane redondamente!). Alguma coisa de falta de atitude de conquista parece estar a passar-se com as modalidades, pois não basta estar nas decisões, como dizia Jorge Jesus, mas depois perdê-las todas. O quarto jogo do play-off do basquete contra o Benfica, no Dragão Caixa, pareceu-me elucidativo disto: meia casa apenas, nenhum membro da direcção à vista e até a equipa sem um patrocinador nas camisolas. Dava o ar de uma modalidade em vias de extinção.

4 Muito saudada a exibição da selecção em Bruxelas. Sim, jogaram bem - a defender e a circular a bola. Mas a Bélgica também não é nenhuma super potência do futebol. Parece-me, apesar de tudo, que esta equipa é melhor e tem mais soluções que a do Euro, mas o problema principal e crónico mantém-se: a confrangedora dificuldade em marcar golos, a falta de cultura de um futebol feito para facturar e ganhar e não apenas para se manter em jogo. Eu sei que faltava o melhor do mundo, mas ai de nós se essa for a única esperança de chegar ao golo.