Um fosso cheio de... esqueletos!

OPINIÃO07.09.201902:14

Faz amanhã precisamente um ano que, eleitoral e matematicamente, não fui derrotado, mas esmagado, nas eleições para presidente do Conselho Directivo do Sporting Clube de Portugal. Mas, em democracia, e como dizia Mário Soares, só perde quem desiste. E eu não desistirei nunca de lutar pela democracia e pelo meu clube sempre e para sempre.
Porém, logo oito dias depois, ao retomar esta página, tive ocasião de dizer que o meu tempo tinha acabado. Que o dizia sem azedume ou amargura, mas preocupado, e muito preocupado.
E o meu tempo acabou porque eu nunca fui homem de viver na penumbra e no anonimato, dizendo o politicamente correcto, não dando a cara nas dificuldades ou escondendo-me dos problemas quando eles existem. Não faço as coisas ou entro nelas por oportunismo ou calculismo, mas por convicção. E como estamos a falar de clubes de futebol, é com convicção que digo coisas certas ou não certas, e não porque a bancada gosta de ouvir. Se fosse assim, poderia atingir sempre os meus objetivos, mas certamente não dormiria tão bem quanto durmo. Acresce que assumo o que digo e assino o que escrevo e nunca mando dizer por outro aquilo que eu próprio devo dizer. E, normalmente, quando não há prejuízos para terceiros,  ponho nomes aos bois. Já liderei muitas coisas. Tenho currículo, mas não tenho cadastro!
Mas o meu tempo ter acabado para novas candidaturas à presidência do Sporting Clube de Portugal, por iniciativa e decisão próprias, não significa que eu deixe de pensar, reflectir e opinar sobre a forma como se governa o país ou o meu clube, o futebol e o desporto em geral, e sobre os mais diversos temas, e continue a trabalhar e a exercer a minha profissão, com as mesmas convicções como quando era adolescente e jovem adulto. Talvez a justiça não a veja com a mesma convicção, porque sinto cada vez mais que ela virou injustiça. E procuro evoluir com os tempos e adaptar-me à modernidade e aos instrumentos que ela me oferece, mas procurando sempre não perder os princípios e os valores que me transmitiram. Não me consigo adaptar a certas formas de comunicação, mantendo-me altamente conservador nesta matéria - o direito à liberdade não é o mesmo que ser malcriado ou libertino. Tenho enorme apreço pelos jovens de hoje que se apresentam preparados, confio neles, mas tenho pavor da arrogância - que também existe nos mais velhos - porque ela é sinónimo de incompetência.
Mas, volto à minha preocupação, porque ela aliás não começou no dia 8 de Setembro de 2018, mas muito antes, agravada pelos acontecimentos de Alcochete. Quem tinha conseguido agregar quase noventa por cento dos associados do SCP, além de ter virado para nós as atenções por maus motivos, e que andavam para outras paragens, causou fracturas internas que não vão sarar enquanto o discurso for que não é culpa desta nova geração, mas de outras anteriores. Os países e as instituições cujas diversas gerações, em vez de se enriquecerem mutuamente, se agridem, têm tudo para comprometer o futuro. É que não há futuro sem passado.
Mas se ter ficado ou andar preocupado é sinónimo de oposição, então eu sou oposição, não desde o dia a seguir às eleições, mas do dia a seguir à final da Supertaça, não por se ter perdido por 5-0, mas porque a governação disse não estar preocupada. Isto, e o que se seguiu, tornaram a minha preocupação muito maior, numa clara oposição à calma e tranquilidade em curso, onde tudo foi tempestiva e metodicamente pensado e clarificado. Com tanta despreocupação que, ao segundo desaire, saíram os esqueletos do armário e mandaram para lá Marcel Keizer, que José Pina, com uma acutilante ironia e grande rigor definiu como um «treinador de marca branca»!
É esta despreocupação que faz de mim preocupado, e, na linguagem da situação, oposição.
Bem parvo sou, porque em vez de falar para a bancada, em vez de ser arrogante porque ganhei duas taças, tive sempre o equilíbrio e a sensatez de afirmar que nem teria exigido tanto nas circunstâncias em que o clube vive e que o que era preciso era pensar em novos modelos para reduzir o fosso existente entre nós e os nossos rivais, não culpando ninguém por esse fosso, porque todos, de uma maneira ou de outra, somos responsáveis. Mas mesmo sendo parvo, tenho o direito de me indignar quando vejo trilhar um caminho de empobrecimento. Falar no fosso causa comichão a uns e preocupação a outros. Só que comichão pode atenuar-se com vinagre aromático e a preocupação exige ser tratada com azeite, porque tal como este a verdade vem ao de cima e há que enfrentá-la. E esta é mesmo para a bancada!
O Sporting não está no fosso, mas no lugar que lhe é devido, que é entre as grandes instituições, por força da sua história construída por todas as gerações a partir do Visconde Alvalade, que apostou nesse desígnio. Não é preciso, portanto, subir o fosso, nem foi no sentido material de cova ou vala que eu o empreguei, mas no sentido figurado de distância metafórica, tal como aliás foi genericamente entendido.
E o fosso, em sentido figurado, não se reduz ou desaparece com o encher do fosso com montes de esqueletos de treinadores, jogadores, dirigentes, etc, triturados pela máquina, essa sim com alguns esqueletos encerrados no armário.
Também Bruno Carvalho, se bem me recordo, uma vez falou relativamente a dirigentes anteriores como «esqueletos no armário»! E como parece que essa expressão vai estar no discurso político nos próximos tempos, importa esclarecer o que significa essa tradução literal da expressão inglesa a skeleton in the cupboard: esqueleto no armário é uma expressão idiomática utilizada para dizer que determinada pessoa possui segredos constrangedores escondidos em sua história de vida; é uma metáfora para expressar o medo que algumas pessoas têm sobre alguns assuntos de seu passado, preferindo não revelar certos episódios de sua vida por considerar extremamente constrangedores ou denunciadores, e, por essa razão, não querem abrir o armário para não se deparar com os esqueletos que estão lá escondidos.
Neste sentido, até é elogioso saltar do armário para não haver mistura com os que não têm a coragem de saltar!
No que me toca, os esqueletos que me dizem muito e não se escondem de nada, estão todos no lugar adequado que é o Cemitério dos Prazeres, alguns deles já reduzidos a pó. Permanecem presentes porém os princípios e os valores, a sua honestidade intelectual e material. E recordo sempre o meu Pai que vezes sem conta me dizia que era no exercício da nobre profissão de advogado que havia aprendido a, servindo-se apenas de provas, desmascarar os mentirosos. Estejam ou não no armário, acrescentarei eu!
Termino apenas com um conselho: não se preocupem com os esqueletos e cuidem da alma do Visconde de Alvalade!
Nota: para abraçar o Jorge Fonseca, campeão do mundo de judo, exaltado nas primeiras páginas da comunicação social desportiva, designadamente. Para o clube, a avaliar pelo jornal, foi mais um esqueleto ?!