Um defeso tranquilo?
1 - Tirando o estratosférico negócio da venda de João Félix para o Atlético Madrid (até agora, o maior negócio internacional do defeso), estamos a atravessar um período anormalmente calmo entre os maiores clubes portugueses, no que respeita a compras e a vendas. E a verdade é que, embora a época de compras só feche, como se sabe, em 31 de Agosto, as férias das equipas já vão adiantadas e daqui a dias aí as teremos de novo prontas a recomeçar um novo ano - altura em que os treinadores gostam de ter os plantéis fechados e não serem surpreendidos com surpresas de última hora, sobretudo sob a forma de vendas no fecho do mercado de jogadores com que contavam.
Em particular no caso do FC Porto, a equipa para a próxima época vai ter de estar definida muito rapidamente, a tempo de começar a competição a sério, pela decisiva terceira pré-eliminatória da Liga dos Campeões, no início de Agosto. Ora, começando exactamente pelos portistas, o panorama está já a levantar algumas inquietações. Mesmo eu, que sou tradicionalmente avesso às marés de compras por atacado que o clube costuma fazer nestas ocasiões, com pouco proveito desportivo e enormes danos financeiros para os exercícios seguintes, reconheço que desta vez o panorama é diferente. E é diferente porque a estrutura fundamental da equipa, na qual Sérgio Conceição sempre assentou as suas apostas, foi seriamente golpeada, de trás para a frente. Na baliza, perdeu, tudo o indica, Casillas, terminou o contrato com Fabiano e emprestou o jovem Diogo Costa, ficando reduzido a Vaná: precisa, pois, de dois guarda-redes, um dos quais directamente para titular e com provas dadas, capaz de não tremer no primeiro teste de fogo na Champions. Ora, nesta fase já apertada do mercado, as notícias que sobre isso se vão ouvindo e lendo são, no mínimo preocupantes, desde as divagações sem sentido com Buffon, até uma série de nomes atirados para o ar, numa amostra onde se destaca o checo Koubek, de que eu confesso nunca ter ouvido falar. Na defesa, de uma assentada, perdemos os dois centrais, Militão e Felipe, e rezamos a todos os santinhos para que ninguém bata a cláusula de rescisão de Alex Telles, o nosso MVP (partindo do princípio que só um irresponsável acto de gestão aceitaria vendê-lo abaixo da cláusula). Para compensar as baixas, temos a promoção do jovem Diogo Queirós, que se vai juntar a Diogo Leite, o que se saúda, e ambos à experiência de Pepe. Mesmo com o regresso de Osorio (a que eu gostaria de ver acrescentado, ao menos para testes, o de Chidozie), fica a ideia de que falta alguém capaz de dar de imediato a segurança que quer Felipe quer Militão davam. E temos, finalmente, a tão ansiada e necessária entrada de um lateral-direito, o argentino Saravia, que se espera valha bem mais do que aquilo que mostrou no jogo da sua selecção contra a Colômbia. No meio campo, regressa Sérgio Oliveira, para uma terceira ou quarta oportunidade, em que eu, pessoalmente, não acredito. Mas não regressa Mikel Agu, um notável médio defensivo, que Sérgio Conceição nunca quis considerar. E está por compensar a baixa de Herrera com um criativo melhor e mais eficaz do que ele, ou mesmo dois, porque Óliver também não dá garantias de qualidade em continuidade, restando então apenas Otávio para essa crucial função. A menos que... ah, a menos que, finalmente, seja dada oportunidade a um jogador a que tantos reconhecem uma qualidade ímpar, mas que intra-muros tarda em ver-lhe concedida essa oportunidade: Galeno, de seu nome. No ataque, saem Adrián López, sem saudades, Brahimi (que, olhando para a última época, também não me deixa saudades) e, depois, muito provavelmente, três jogadores que, esses sim, vão fazer muita falta: Marega, Soares e Hernâni. O primeiro, dispensa palavras, é o nosso abre-latas, determinante em tantas situações, um jogador que valeu meia dúzia de golos na Champions; o segundo, foi o nosso melhor marcador no campeonato; e o terceiro, mal-amado por Sérgio Conceição, é, todavia, um jogador que, nas raras ocasiões em que o treinador o faz entrar, marca a diferença. Com Marius e André Pereira fora das contas do treinador e os muito jovens Fábio Viera e Fábio Silva tendo como aparente destino a equipa B, o ataque - para além do reforço Bruma, a confirmar - pode ficar assim reduzido a apenas mais Aboubakar, vindo de um ano sem jogar, e Fernando Andrade, que, enfim...
Temos assim muitos buracos confirmados nos portistas e muitos outros potenciais, e apenas uma lacuna preenchida e que já vinha de trás: o lugar de lateral-direito (e vamos lá a ver se acertaram desta!). De resto abundam as notícias - Pavón, Bruma, Zé Luís, Guedes, etc - mas confirmações, zero. O perigo está bem à vista: de repente, sai Soares, sai Marega, sai Hernâni, e o FC Porto tem de ir a correr comprar os primeiros avançados que lhe oferecerem e não aqueles que já tinha estudado, que lhe interessavam e que, em devido tempo, negociara.
2 - A mesma parcimónia que se verifica nos portistas está patente entre os seus rivais, em matéria de compras e vendas, no que este defeso já leva de cumprido. Sendo que convém não esquecer, todavia, nem Benfica nem Sporting foram objecto da mesma razia no plantel que os portistas, tendo o Sporting feito já o essencial da sua reconstrução na época finda. Mas é evidente e sinal dos tempos, que ambos os clubes de Lisboa estão mais virados para vender do que para comprar e nunca para gastarem mais em compras do que facturarão em vendas.
Assim, o Sporting reforçou-se até à data com Luís Neto e Vietto, deixando sair o guarda-redes Salin e o problemático Gudelj, tendo tudo o resto em suspenso da tão ansiada venda de Bruno Fernandes. E digo ansiada porque me parecem já indisfarçáveis alguns sinais de preocupação por, aparentemente, de todos os candidatos falados à compra do melhor jogador do campeonato português, apenas restar em cima da mesa o nome do Manchester United - o qual, ainda por cima, não parece ter pressa em decidir-se. Mas também Bas Dost está no mercado e, se esses dois estão no mercado, qualquer outro estará também. O problema é que sem vender Bruno Fernandes não se desata nó algum...
E mesmo o Benfica, com toda a sua propalada saúde financeira, com toda a sua apregoada falta de necessidade de vender jogadores, e com a tesouraria recheada com os noventa e tal milhões que irá receber da venda de João Félix, não só não parece apressado em usar esses milhões, como também não parece desinteressado em fazer mais uns quantos na venda de outros jogadores - com ou sem cláusula de rescisão batida. Está anunciado e «quase fechado» o avançado Raúl de Tomás, mas no Benfica o «quase fechado» já deu em grandes frustrações no passado. Este ano, também Cillessen estava quase fechado e fechou a porta na cara do Benfica - que, com amarga surpresa, tem vindo a descobrir que não só a sua invocada grandeza não seduz assim tanto, como também a sua apregoada saúde financeira não lhe permite pagar os salários loucos que determinada categoria de jogadores exigem. E assim, por ora, em matéria de contratações, os encarnados fecharam duas: o brasileiro Caio Lucas e o venezuelano Cádiz, comprado em Setúbal. Enquanto que, segundo este jornal, têm na fila, para potenciais vendas, Svilar, Yuri Ribeiro, Rúben Dias, Grimaldo e Fejsa.
E assim vai o pacato cenário de entrada e saídas nos três grandes, a poucos dias do regresso ao trabalho. É o mais calmo de que me lembro. Será que é para durar?