Um caso muito Sérgio
SÉRGIO CONCEIÇÃO ganhou mais um jogo ao Benfica - o quarto seguido e o sexto em nove confrontos - e o FC Porto empochou, com uma atuação q. b. (nada mais que isso), o primeiro troféu da temporada. Nenhuma surpresa (há muitos anos que o FCP costuma superiorizar-se ao SLB nos confrontos diretos), a não ser a maneira como o Benfica abordou o jogo - demasiado macio, demasiado expectante, sempre menos decidido e agressivo que o rival nas bolas divididas - como se na atual conjuntura a final de Aveiro não fosse mais importante para o Benfica; como se não fosse o Benfica, por todas as razões, a equipa mais obrigada a mostrar trabalho; como se Jorge Jesus, ao 30.º clássico (!), não conhecesse de cor e salteado o código de conduta portista nos duelos com os encarnados.
Talvez seja uma questão de cultura (ou falta dela); mas creio que o médio colombiano Uribe e o lateral espanhol Grimaldo, cada qual à sua maneira, definiram a diferença fundamental entre os velhos rivais: «faltou-nos personalidade», confessou Grimaldo logo no final do jogo. «Viu-se que queríamos mais ganhar o jogo», disse Uribe. Duas frases que resumem essa diferença de atitude, esse plus de competitividade que foi o santo e senha da hegemonia portista entre o início dos anos 90 até ao bicampeonato de Jorge Jesus no Benfica (2013 e 2014), o evento que marcou a transferência de primazia da Invicta para a Luz. E que Sérgio Conceição, um caso muito sério de competência/adequação de perfil à ca(u)sa, já conseguiu reverter.
Lembro que quando Sérgio tomou conta do FCP, no verão de 2017, o horizonte era vermelho carregadíssimo!: o Benfica tinha ganho 11 das últimas 16 competições domésticas (seis títulos para Jorge Jesus e mais cinco para Rui Vitória entre 2013 e 2017) e tudo apontava para a conquista do ansiado penta - até porque o FCP nem dinheiro tinha para reforços (um milhão para o guarda-redes Vaná e, e…). Sérgio ganhou esse campeonato, que, percebemos, agora, marca o início da recuperação portista após quatro temporadas a zero - o maior jejum da era Pinto da Costa.
Os números não mentem sobre a importância do treinador na ressurreição portista (que Pinto da Costa, claro, não se cansa de sublinhar). Desde que Sérgio chegou ao Dragão, o FCP, sem plantéis luxuosos como dantes, ganhou cinco títulos (dois campeonatos, uma Taça de Portugal, duas supertaças) e esteve em mais três finais que perdeu nos penáltis e nos descontos; quanto aos rivais, o Sporting conseguiu três títulos (uma Taça de Portugal e duas Taças da Liga), contra dois do Benfica (campeonato e supertaça, ambos com Bruno Lage), um do SC Braga (Taça da Liga) e um do Aves (Taça de Portugal). A primazia futebolística voltou ao Norte pela mão de um treinador profundamente à Porto que conhece de cor todos os preceitos do ideário concebido por José Maria Pedroto. Um treinador comprometido com a ca(u)sa.
Julgo que Luís Filipe Vieira devia refletir nisto: por que razão o Benfica, numa conjuntura extremamente favorável, não conseguiu prolongar um domínio que parecia certo; por que razão o Benfica não conseguiu criar um ímpeto, um élan, uma cultura vencedora capaz de perdurar para além da espuma dos títulos. Ao fim de tantos anos, tanta obra notável, tantas vitórias e tantos milhões investidos, a verdade é que não se fala numa equipa à Benfica, como não se fala de jogadores à Benfica nem numa cultura Benfica. Aquilo que Luisão berrou e poucos conseguiram perceber.
PS - Escrevi este texto antes do V.Guimarães-FCP. O resultado, seja qual for, não invalida a matéria de fundo.