Trotinetas e ‘tretinetas’
1 Hoje resolvi escrever este meu texto em jeito de trotineta. Desde logo, porque as trotinetas estão na moda e não exigem muita energia. E porque o ambiente em redor e por causa do futebol patina constantemente e com ligeireza, como se ele próprio fosse uma trotineta.
Começo pelas propriamente ditas. Diz a Wikipedia que a trotineta (versão mais aportuguesada do que trotinete e, em português brasileiro, patinete, o que, desportivamente falando, é bem sugestivo da ideia de se porem os patins a alguém) é «um meio de transporte constituído por duas rodas em série, que sustentam uma base onde o utilizador apoia os pés, guiando-o através de um guidão que se eleva até a altura da cintura».
Em Lisboa, há trotinetas por todo o lado. Senhores engravatados, jovens com mochila às costas, par de namorados encostados na estreita base da maquineta enxameiam tudo o que é ou parece pavimento na urbe. Nas agora ciclovias, nos passeios destinados aos peões (que os trotineteiros não são, por essa circunstância de andarem em trotinetas), nos corredores bus a descer a Avenida da Liberdade ou outra rua qualquer, ou, ainda, navegando em amostras de asfalto. Estacionados em pé, deixados deitados em regime de pousio abandonado, encostados a qualquer coisa que não mexa, eis agora a trotinelândia. A trotineta tende a ser politicamente incorrecta quanto ao seu uso por sexo (perdão, por género). Certamente o leitor já reparou que, ao invés das bicicletas, são os homens que muito mais utilizam este meio do que as mulheres. E agora que há ginásios e outros negócios de ‘fitness’ (que fino!), quarteirão sim, quarteirão sim, desconfio que muitos dos utilizadores das trotinetas que não se auto locomovem vão, de seguida, enfiar-se nos tais espaços para fazer os exercícios que não fazem quando na rua. E, mesmo assim, há quem chame ao andar de trotineta ‘desporto de rua’! Também há quem use bicicletas eléctricas sem necessidade de dar ao pedal, mas que depois vai apressado para o ginásio fazer bicicleta numa múmia paralítica a fingir que é uma bicicleta.
Enfim, sinais dos tempos, em que se finge com inusitada autenticidade e se perde a genuinidade com indisfarçável dissimulação.
2 No nosso futebol, abundam os trotineteiros. Em cima da prancha são uns ases. Não cumprem as regras de trânsito (em verdade, até as desprezam) e inventam trajectos de que nem os canídeos se lembram. Uns mestres no equilíbrio para gerar desequilíbrios. Sempre sorridentemente sorrateiros, são experts em aplicações móveis da arte alucinante de mentir e da imaginação fértil de inventar. A este propósito, vale a pena citar o escritor americano Mark Twain, de tão actual que é, apesar de ter vivido mais no século XIX: «A Mentira, na sua condição de Virtude e de Princípio é eterna. A Mentira, enquanto passatempo, refúgio em tempo de necessidade, a quarta Graça, a décima Musa, a melhor e mais fiel amiga do homem, é imortal e não desaparecerá da Terra enquanto este Clube existir. Um grupo de entendidos que bem merecem ser designados, quanto a esta matéria e sem lisonja indevida, Velhos Mestres» (as maiúsculas foram do autor, não minhas).
Em relação ao veredicto de Twain, há agora uma diferença assinalável dos trotineteiros da bola, uns mais boçais, outros mais filósofos. Têm como aliados preferenciais a via verde (sem qualquer conotação maldosa) dos youtube, facebook, tweet, instagram, etc., que o americano jamais sonhou usar como correio azul (sem qualquer conotação maldosa) da mentira e da invenção. Mas são também aliados de certos meios da chamada comunicação social que, em regime de via larga, acolhem as tretas, as clonam com uma profusão assinalável e as manipulam na trotineta das audiências. E o povão, sedento de qualquer quebra da rotina do quotidiano, aplaude freneticamente, estas trotinetas das tretas, ou usando um forçado neologismo as tretinetas.
Na última semana, duas tretinetas, entre vários exemplos. Com um pé na prancha e outro fora dela (o programa até se chama Pé em Riste) , um comentador insinuou , seguindo li no Público, que a equipa do Benfica deveria ser sujeita a um teste antidoping, após as recentes exibições ao leme de Bruno Lage: «Eu tenho visto os jogadores a correr e espero que se façam os testes antidoping, que são normais e imperativos. Eu acho que da forma que o Benfica tem corrido não ficava nada mal fazer um teste antidoping. Quem não deve não teme». Quando li a notícia - confesso - só me lembrei de duas populares e sempre sábias asserções: ‘mosquitos por cordas’ e ‘engolir um boi e engasgar-se com um mosquito’. O primeiro percebe-se: o Benfica de tanta correria está, novamente, na luta pelo campeonato e, como tal, nada melhor do que fantasiar e armar confusão e bagunça. O segundo cada qual que faça a sua leitura, preferencialmente recordando outros tempos áureos do boi e/ou do mosquito. Melhor que todos esteve Bruno Lage ao ser questionado sobre este não assunto: «indiferença total».
O segundo ponto veio de outra trotineta, neste caso, televisiva. O director de comunicação de um clube, o FCP - consoante voltei a ler no jornal Público - «levantou a suspeita de o Benfica estar a influenciar os adversários para que estes sejam mais agressivos nas disputas de bola com jogadores dos dragões», dando a lesão de Danilo Pereira como exemplo. E, não satisfeito com tanta preclara insinuação, o remunerado funcionário desenvolve: «No lance do Danilo, o jogador não vai sequer à bola, quase que deixa transparecer que há intencionalidade em diminuir os nossos jogadores […]. E se há um clube que é capaz de violar o sistema informático de justiça, que é suspeito de prometer prémios para as equipas ganharem ou empatarem com os rivais, que é suspeita de pagar para vencer, eu também posso levantar suspeitas que podem (sic) estar a haver pagamentos, ou coisas parecidas, para o que está a acontecer».
Pronto. Efe Jota Marques decidiu, está decidido. Éber Bessa, o faltoso (e agressor, segundo ele) jogador sadino não cuidou dos travões da sua trotineta, quem sabe se também paga pelo Benfica. Por mera curiosidade, aqui lembro do número de faltas do Vitória de Setúbal: apenas 7 (o Porto fez mais do dobro, 16…), ao que julgo, recorde mínimo na Liga, a uma média de uma falta por cada 13,5 minutos de jogo.
Uma pequena dúvida se me assaltou ainda. Marega, o influente jogador do FCP, contraiu, há pouco tempo, uma rotura muscular. Ao que me recordo, a correr sozinho. Brahimi também se magoou, ao que julgo, sozinho também. No início da época, Aboubakar teve uma grave lesão. Ao que me lembro, igualmente sozinho. Ou estarei enganado? Ou será que a relva é paga pelo Benfica para magoar estes atletas? Nessa altura, melhor fora que lhe chamassem - à brasileira - a grama do gramado (não confundir com grana dos jogadores). Ou será, ainda, que há toupeiras encarnadas a fazer buracos na relva onde o Porto joga? Não sei mesmo se o avisado interpelador não teve em mente os mimos do jogo da primeira volta na Luz entre SLB e FCP. Estão no youtube. Vale a pena revê-los…
E, por aqui, me fico quanto a trotinetas. Nem sequer refiro, por insignificante, a ida de um presidente e director de futebol à cabina de um árbitro, no fim de uma partida. Em trotineta, claro.
Felizmente, estamos perto do Entrudo. Uns de trotinetas, outros com tretinetas.