Três ‘brokers’ do futebol português

OPINIÃO06.12.202106:00

Amorim e Conceição catapultam ações de cinco cêntimos para um euro. Jesus compra-as a um euro e elas valem, um ano depois, o mesmo euro

NÃO é fácil fazer o que o Sporting fez na Luz: perder dois jogadores nucleares e jogar muito melhor. Foi o que aconteceu aos leões. Perderam Coates e Palhinha e apresentaram rendimento superior ao que vinham demonstrando. Só pode ser questão mental. Imaginam o Benfica a perder Otamendi e João Mário e a ficar mais poderoso? Rúben Amorim parece, pois, um broker de Wall Street. Dos bons, claro. Recebe uma ação de 10 cêntimos e coloca-a, bem depressa, a valer um euro. Foi assim com Nuno Mendes, Porro, Pedro Gonçalves, Palhinha, Tiago Tomás e, sobretudo, Matheus Nunes e Gonçalo Inácio. Não é toque de Midas. É trabalho, rigor e talento.
 

QER isto dizer que no Benfica, por exemplo, não há trabalho, rigor e talento? Nada disso. O plantel à disposição de Jorge Jesus continua a ser, salvo melhor opinião, o que tem melhores soluções. Tem debilidades? Tem. Excesso de avançados (Yaremchuk, Darwin, Gonçalo Ramos, Seferovic e Rodrigo Pinho) e laterais-direitos (Gilberto, André Almeida, Diogo Gonçalves, Lázaro e Radonjic), por exemplo. Jorge Jesus não é rigoroso e trabalhador? Claro que sim. Parece, porém, estar a faltar-lhe a centelha de genialidade que o treinador de uma grande equipa tem sempre de ter. Até Giovanni Trapattoni, em 2004/2005, num dos mais complicados campeonatos conquistados pelo Benfica e com escasso número de jogadores de verdadeira classe, a teve. O único rasgo de JJ nesta passagem pela Luz foi, até agora, estabilizar a defesa com três centrais. É pouco. Jesus parece um broker de Wall Street que recebe ações de um euro e, um ano depois, as mesmas oscilam entre 90 cêntimos e um euro e pouquinho. Não mais. Só as ações do agora lesionado Lucas Veríssimo subiram de valor. 
 

QUE dizer, então, do trabalho de Sérgio Conceição em pouco mais de quatro anos no FC Porto? Brilhante. Dois campeonatos no bolso, derrotado pelo Benfica por dois pontos em 2018/2019 e por cinco pelo Sporting na época passada. Em 115 jogos de Liga desde que entrou nos dragões, somou 370 pontos contra 352 do Benfica e 332 do Sporting. Recuperar jogadores que pareciam perdidos e fazê-los campeões nacionais, como aconteceu com Marega, Hernâni, Aboubakar, Ricardo Pereira e Sérgio Oliveira, é como comprar ações a cinco cêntimos e, um ano depois, elas valerem mais de um euro. Conceição é trabalhador, rigoroso e talentoso. E broker dos melhores de Wall Street. Além disso, passando quase escondido entre as muitas pérolas nascidas em Alcochete e no Seixal, potenciou miúdos como Diogo Costa, João Mário, Vitinha, Fábio Vieira e Francisco Conceição.
 

Rúben Amorim, o maior vencedor do clássico da última sexta-feira, na Luz

R RÚBEN AMORIM, Jorge Jesus e Sérgio Conceição estão, pois, em pontos diferentes das respetivas carreiras. Amorim (36 anos) está ainda a começar, Jesus (67) projeta-se para o último terço e Conceição (47) atravessa o ponto médio entre início e fim. Não se sabe, obviamente, aquilo que lhes reserva o futuro imediato. Rúben parece talhado para, a curto/médio prazo, saltar para o estrangeiro. É culto e inteligente, tem discurso apelativo para as maiores equipas da Europa e não parece ser (para  já) treinador supercaro. Jesus tem a ratice dos treinadores portugueses e experiência no estrangeiro em países de segunda linha mundial, pelo que o seu futuro, igualmente a curto/médio prazo, deverá passar por mais uma emigração. Talvez no Brasil. O Flamengo ama-o e Jesus nunca negou estar interessado, um dia, no regresso. Conceição tem tudo o que um treinador moderno deve ter e voltará a ser, a curto/médio prazo, seduzido por clubes europeus com maior estatuto financeiro do que o FC Porto. Os três, Amorim, Jesus e Conceição, são brokers diferentes, mas com cotação suficiente para alimentarem o desejo de outras Bolsas de Valores. Na Europa ou na América do Sul.