Tempos difíceis

OPINIÃO05.02.202106:00

A maldita pandemia poderia levar-nos a parar, mais vezes, para pensar!

NÃO há milagres: quando os calendários apertam e as lesões se acumulam, mesmo os mais poderosos tombam. Esta semana, bastou ter ficado sem mais dois ou três dos habituais titulares para se ver o campeão inglês somar a segunda derrota em casa e a quarta do campeonato. O Liverpool, que tem plantel para formar uma equipa muito forte e outra forte, já perdeu nesta altura do campeonato quase o dobro dos pontos que perdeu em todo o campeonato passado – 26 contra 15!
O desgaste, a pandemia, a turbulência de um cenário absolutamente invulgar, que mexe com o físico, mas também, e muito, com o psicológico, que mexe com os tendões, mas também com as emoções, bate em todas as portas. Não tem é consequência igual para todos, é bom que se compreenda isso. Porque os mais afetados pelas infeções, ou os que acumulam mais jogos e, portanto, carga competitiva bem mais intensa e mais lesões, sofrem evidentemente muito mais. Não se pode apenas afirmar que a pandemia é igual para todos. Porque não é. E não há milagres!
Quem organizou as competições neste terrível cenário em que o mundo mergulhou não quis saber se estava a meter o Rossio na Rua da Betesga. E a verdade é que meteu, deixando para os profissionais do futebol a tarefa de arcar com as responsabilidades e as consequências. Já vários analistas tocaram no tema, mas os responsáveis apenas assobiam para o lado. Ou nem isso.
Ainda há dias, Sérgio Conceição meteu mais uma vez o dedo na ferida, e o mais estranho é que pareça o único verdadeiramente preocupado com a situação.
«Não somos carne para canhão», disse o treinador portista, mais uma vez a propósito da intensa calendarização a que estão sujeitas, no caso português, muitas das principais equipas, como é o caso do FC Porto, mas também de Benfica e Braga (por sinal, até os mais castigados no mês de fevereiro), todos nas competições europeias.
Não são carne para canhão, disse Sérgio Conceição, mas é o que parecem. Basta ter seguido atentamente o trabalho apresentado na edição de ontem deste jornal sobre o infernal mês de fevereiro que aí vem para algumas equipas para se perceber a gravidade da questão.
Quando se projetaram os calendários, ninguém quis, em boa verdade, abdicar de nada. Não se cancelou a Taça da Liga, por exemplo, nem se reduziram os jogos das seleções. Nada. Mantiveram tudo como se tudo estivesse normal e foram defendidos, certamente, todos os interesses menos os dos jogadores. A verdadeira carne para canhão!
Agora, acentuam-se as desigualdades. E o líder Sporting, por exemplo, pode esfregar as mãos de contente por só estar envolvido no campeonato. O leão faz cinco jogos em fevereiro e vai ter, como exemplo, seis dias para preparar o jogo com o FC Porto, no final do mês; o FC Porto fará sete jogos (porque está, obviamente em mais duas competições) e terá quatro dias para preparar o encontro com o leão. É o que é. Mas não se diga que é igual para todos.
Quem joga mais provas, tem sempre maior exigência, já o sabemos. Mas não era preciso abusar!
 

Paulo Fonseca, treinador português da Roma

CREIO, por outro lado, que vale a pena voltar ao assunto, porque de repente apenas terá ficado a péssima imagem do treinador português da Roma, Paulo Fonseca, ao ver-se envolvido numa controversa teia de críticas e acusações, depois de ter feito a sexta substituição (não permitida) no prolongamento de um jogo da Taça de Itália, há duas semanas, tendo como adversário o Spezia.
Já não bastava a Paulo Fonseca ter visto a sua equipa, em pleno Olímpico de Roma, perder esse jogo por surpreendentes 2-4 (sendo, por fim, castigada pelos serviços administrativos com o 0-3 da praxe), como ainda se viu envolvido numa controvérsia mais surpreendente ainda. Como teria o treinador português sido capaz de fazer uma sexta substituição? Como levou a equipa a correr o risco de perder o jogo por castigo mesmo que viesse a vencer no campo? Irresponsabilidade? Amadorismo?
Foram, certamente, as perguntas que todos, ou quase todos, fizemos, sobretudo num primeiro momento, levados pelo impulso de uma reação não muito pensada e sem cuidar de perceber melhor toda a situação.
E, como muitas vezes acontece, nem sempre o que parece é! 

QUANDO foi aprovada pelo International Board (a entidade que determina e regula todas as regras do futebol) a fórmula das cinco substituições para todas as competições internacionais, tendo em conta este cenário de pandemia global, foi também aprovado que nos jogos com prolongamento passaria a ser possível realizar um total de seis substituições. Ficou então ao livre critério de cada entidade organizadora das competições adotar ou não essa alteração.
Inglaterra, por exemplo, decidiu não aplicar a alteração, ao contrário da grande maioria dos países.
A questão da substituição adicional num jogo com prolongamento, segundo a indicação do International Board, permite ainda uma nuance: as substituições que não forem feitas no tempo regulamentar acumulam para o tempo extra. Ou seja, se das cinco previstas para os 90 minutos, um treinador apenas tiver feito três, no prolongamento passa a poder fazer mais três.
Julgo que é simples de compreender.

PAULO FONSECA estava, pois, certo, à partida. Fez o que o senso comum lhe disse para fazer: desde o início da época que se comentava a nova possibilidade de chegar às seis substituições num jogo com prolongamento, desde que esse país aplicasse, naturalmente, a alteração da regra das substituições proposta pelo International Board.
Foi o que fizeram a Liga italiana e as ligas de Portugal, Espanha, França ou Alemanha, para referir apenas as mais fortes da Europa.
O que Paulo Fonseca não sabia, e ninguém na Roma foi, pelos vistos, capaz de o informar convenientemente, é que a federação italiana não alinhou pela decisão da Liga do país, ao contrário do que sucedeu na maioria dos países europeus, onde ligas e federações estiveram em perfeita e natural sintonia, como seria aliás de esperar.
Em Itália, a Liga permite as cinco substituições nos jogos do campeonato, mas a federação, permitindo também as cinco em cada jogo, não permite as seis nos jogos de Taça que tenham prolongamento, por mais incompreensível que isso possa parecer. E, na verdade, parece!

REALMENTE, não faz qualquer sentido que a Liga italiana tenha assimilado a nova regra das substituições, aprovada de forma transitória para este período de pandemia, e a federação italiana o tenha feito apenas parcialmente, permitindo as cinco, mas não... as seis!
Em Portugal, sulinho, Liga e Federação seguiram as indicações do International Board, e por isso ainda muito recentemente foi possível ao Estoril, por exemplo, fazer um total de seis substituições no jogo, com prolongamento, em que eliminou o Marítimo, nos quartos de final da Taça de Portugal.
E o mesmo sucedeu, há dias, aqui ao lado, na vizinha Espanha, com as seis substituições que o treinador do Granada fez, em casa, nesse épico encontro da Taça do Rei, com o Barcelona, que terminou com um sempre inolvidável 3-5, no final da meia hora de tempo extra.
O que aconteceu com Paulo Fonseca aposto que teria acontecido com qualquer treinador que estivesse no lugar do português, sem a indispensável e rigorosa informação que lhe devia ter sido dada pelo staff do clube, porque é para isso que uma estrutura de uma equipa profissional de futebol tem hoje, ao mais alto nível, gente que nunca mais acaba.
O mais fácil foi, como se viu, atirar à cabeça do treinador português. Os comentários não tiveram, como quase sempre acontece, a preocupação de compreender dados ou circunstâncias, e não terá faltado até quem considerasse tão inaceitável a opção do treinador português como aceitável apenas um só e inevitável castigo: despedi-lo!
Difíceis são estes tempos de velocidade vertiginosa em que vivemos, que tantas vezes nos impelem (naturalmente, me incluo) a ter reações irrefletidas e, inevitavelmente, menos apropriadas ou justas, deixando consequentemente em causa a seriedade, integridade e o profissionalismo dos outros.
Precisamos de parar para pensar! 
Na reação a toda a controversa situação, Paulo Fonseca apenas afirmou: «Se temos um problema, vamos discuti-lo em casa».
Houve alguém com bom senso!

 

PS:  Rúben Amorim está a criar, na realidade, fortíssimas condições para levar o Sporting a discutir o título até ao fim e, quem sabe, devolver ao leão o sabor que não conhece desde 2002! Uma parte essencial está ganha, ter a equipa na mão: «Não minto à minha mulher nem aos meus jogadores!», disse, há dias, «e não lhes faço o que não gostei que tivessem feito comigo». Qual é o leão que não vai com ele até ao fim do mundo?!