Tempos!
Não os comparem, desfrutem-nos! Foi o que tantas vezes se escreveu, e bem, sempre que o tema era Cristiano Ronaldo e Lionel Messi. E bem, sublinhe-se mais uma vez! Aliás, talvez muitos de nós (onde me incluo) tivéssemos andado tempo demais a compará-los em vez de simplesmente sentirmos o prazer de os ver jogar e o privilégio de sermos testemunhas de algo único na história do futebol.
Agora que, ao fim de quase mil dias, os dois voltaram a cruzar-se no mesmo relvado - e espero, e desejo, como milhões de fãs, que não tenha sido a última vez… - é o momento certo para nos darmos conta, os mais fãs de Messi e os mais fãs de Cristiano, que fomos (e somos) afinal tão felizes por vê-los jogar e, porventura, muitas vezes, nem nos demos, verdadeiramente, conta disso, perdidos em inúteis discussões e demasiado preocupados com uma rivalidade que serviu, afinal, apenas para os tornar maiores ainda e mais fortes e mais competitivos e mais bem sucedidos, porque um sem o outro talvez não chegasse a ser maior do que a sua já extraordinária grandeza. Desde 2007, imagine-se, Cristiano e Messi partilharam por doze vezes o pódio da Bola de Ouro, fosse a europeia, fosse a atribuída pela FIFA. Cristiano só por uma vez falhou esse pódio, foi em 2010.
Os dois são os únicos que marcaram mais de 100 golos na história da Liga dos Campeões. Juntos somam 17 títulos de campeões de Liga (10 para Messi, 7 para CR7), agora 1291 golos pelos clubes (1464 com as seleções, agora 752 de CR7 e 712 de Messi), 11 Bolas de Ouro (6 para Messi, 5 para CR7) e 9 Taças dos Campeões Europeus (5 para CR7 e 4 para Messi). Valerá a pena compará-los? Ou apenas desfrutar destes heróis do nosso tempo?!
O FC Porto tornou-se esta semana a equipa portuguesa com mais vitórias na Liga dos Campeões, superando as 113 que tinha a par do Benfica. Agora, com a qualificação para a fase seguinte já obtida na penúltima jornada dos grupos, o FC Porto é também, a par de Chelsea e Arsenal, a 6.ª equipa com mais qualificações para os oitavos de final da melhor competição europeia de clubes.
Para um treinador como Sérgio Conceição, tantas vezes posto em causa no próprio universo portista, e que tanto e tão bem, afinal de contas, andou para aqui chegar, este é um momento realmente especial. Volta a reafirmar a equipa do FC Porto como equipa de Champions, a única equipa portuguesa verdadeiramente de Champions de há muitos anos para cá, volta a colocar a equipa entre as 16 melhores da Europa, e aumenta para quase 200 milhões de euros os ganhos do clube com as presenças europeias desde que assumiu, cumprindo agora a quarta época, o comando dos dragões.
DEVEMOS todos ver, com olhos de ver, o que Sérgio Conceição tem feito com esta equipa portista, e sublinho apenas o exemplo, no jogo desta semana na Grécia - onde o FCP nunca tinha ganho para a Liga dos Campeões - da defesa apresentada no onze azul e branco, com Nanu, Mbemba, Diogo Leite e Zaidu. Quem se atreveria a imaginar, há um par de meses, esta defesa do FC Porto numa noite europeia de Champions?
Parece-me cada vez mais assinalável o caráter que Sérgio Conceição consegue passar para a equipa, e mesmo sem a qualidade, a magia e a classe de outros tempos, mantém-na no padrão a que o FC Porto foi, década após década, habituando os adeptos. Sinal desse sentido de bravura é hoje dado, de forma exemplar, por Otávio, imperador, sem dúvida, na noite de quarta-feira em Atenas, com a braçadeira de capitão e muitos mais do que isso, com notável fulgor. Nunca esperei ver Otávio crescer o que cresceu com Sérgio Conceição e tornar-se tão grande na sua tão pequena dimensão física - talvez o que, entre todos, mais evoluiu nas mãos do treinador portista até se afirmar, hoje, como uma espécie de dono do jogo. Chapeau!
O Benfica é uma equipa com bola e uma equipa, bem diferente, sem bola. E parece-me que nenhuma equipa pode aspirar a ser verdadeiramente grande sendo tão diferente quando tem a bola e quando a não tem.
É também por isso que creio estar o treinador Jorge Jesus tão preocupado, e é também por isso que o vemos desejar tanto ter mais um médio em janeiro, seja ele William Carvalho (que assentaria como uma luva no que Jesus deseja), ou seja ele outro, para acrescentar à equipa aquela espécie de pilar que ela parece não ter agora, para a equilibrar, para lhe dar melhor ligação, para a ajudar a interpretar melhor os momentos do jogo e, sobretudo, o momento em que fica sem a bola.
O Benfica é forte com bola e muito vulnerável sem ela. Deixa o adversário jogar demasiado à vontade e permite-lhe finalizações surpreendentes, como no 1.º golo sofrido ontem, na primeira vez que o Standard foi à baliza de Helton Leite.
PARA uma equipa, como é o caso da águia, que ainda não consolidou o seu processo de jogo, o pior que lhe pode acontecer é desperdiçar tantas e tão boas ocasiões de golo. Falha a primeira, falha a segunda, falha a terceira, sofre um golo, entra em sobressalto, perde confiança e despista-se. Assim, com tanta ineficácia no ataque e tanta vulnerabilidade sem bola, não há estado emocional que resista.
O Benfica parece uma equipa bipolar. Tem tantas coisas boas como más. Tão depressa é avassaladora como se desprende do cais e fica à deriva. Não transmite confiança a ele própria quanto mais a quem a vê.
Tem o Benfica vindo a viver na montanha russa em que têm vivido muitas das equipas europeias com calendário mais exigente e que mais precisaram de se reconstruir, como é o caso deste Benfica (defesa praticamente nova, frente ofensiva com muitas caras estreantes…). Justifica-se alguma apreensão? Talvez. Mas não significa deixarem os adeptos encarnados de acreditar que Jesus e equipa sejam capazes de dar a volta ao texto. O que se vê não deixa disfarçar: há muito trabalho pela frente. Mas também há qualidade!
SIM, Jorge Jesus pode ter sido infeliz pelo modo como acabou por comentar o tema do racismo, mesmo tendo tido o bom senso de não comentar o que não sabia como tinha acontecido, na noite da véspera, em Paris, no PSG-Basaksehir, com aquela inaceitável forma do 4.º árbitro do jogo da Champions se dirigir ao treinador-adjunto da equipa turca, o antigo internacional camaronês Pierre Webo.
A palavra não é o dom de Jorge Jesus. Sabemo-lo há muito. Eusébio também costumava dizer que falava, sim, mas dentro do campo. O dom de Jesus é treinar equipas de futebol. E por isso, se o quisermos castigar, penalizar, criticar, confrontar, vamos ter sempre por onde pegar ao ouvirmos o que diz porque nem sempre o que Jorge Jesus diz é manifestamente o que quer dizer.
Pelo contrário, se fizermos algum esforço para intuir, tentar perceber, interpretar, compreender, o que Jesus quer dizer e não apenas, literalmente, o que diz, então vamos certamente extrair algo de muito mais positivo do que Jesus diz, mesmo com o modo como Jesus tem por hábito dizer as coisas.
Por ter dito o que disse e como disse, podemos concluir que Jorge Jesus é insensível ao tema do racismo? Parece-me, evidentemente, que não. Mas a verdade é que não disse como devia ter dito e por isso expôs-se a uma crítica mais ou menos feriz. Mais ou menos como o que sucedeu na Madeira, quando Jorge Jesus respondia à jornalista com quem falou logo após o Marítimo-Benfica. Foi Jorge Jesus deselegante com a jornalista Rita Latas, que conheço por ter trabalhado, e bem, na BOLA TV ? Sim, foi. Mas fê-lo por se tratar de uma mulher? Não, seguramente que não. Aposto que teria tido a mesma reação com qualquer outro jornalista, que cometesse o erro (sim, o erro) de querer fazer uma pergunta emitindo uma opinião. Devemos reconhecer, porque também nos fica bem a nós, jornalistas, reconhecer os erros, que, naquelas circunstâncias, estamos lá para fazer perguntas e não para emitir opiniões.
Claro que já todos vimos Jesus ser aqui ou ali deselegante ou menos feliz com jornalistas, Jesus e as duas mãos bem cheias de outros treinadores, em Portugal e no resto do mundo. Quando perdem, quando sentem a pressão, quando, mesmo ganhando, a vida lhes corre um bocadinho para o torto, os treinadores são quase todos iguais. Treinadores e não só, como bem sabemos.
Todas as figuras públicas estão sujeitas ao escrutínio dos media e, consequentemente, da opinião pública. Jorge Jesus não é, naturalmente, exceção. Ele sabe, e já o reconheceu, que, nos tempos que correm, precisa (e precisa mesmo) de ter mais cuidado com o que diz e, sobretudo, como diz, não apenas porque hoje se ouve e vê (quase) tudo, mas também, e se Jesus não o sente deve refletir sobre isso, porque os tempos mudaram muito e nada disto está como há dez anos, quando dava então os primeiros passos como treinador do Benfica.
O mundo muda. Infelizmente, nem sempre para melhor. Mas muda!