Tema, novela e especulação
Não sei qual é a posição de Rúben Amorim sobre o regresso de Cristiano Ronaldo. E também não é importante para já, porque não se coloca
T EMA de discussão é assunto ou matéria que se quer discutir, mas nem todo o tema merece ou vale a pena discutir. Sem dúvida, porém, que a crise na relação entre Cristiano Ronaldo e o Manchester United é assunto de relevo no panorama nacional e internacional e, portanto, merece ser discutido de uma forma séria e não confundido ou misturado com novelas e especulações que não têm razão de ser.
Na verdade, a ruptura, ou, pelo menos, a aparente ruptura entre Ronaldo e Manchester United nada tem a ver com o Sporting Clube de Portugal e o seu possível regresso ao clube que o fez crescer e, um dia, o libertou para se projectar como o melhor jogador do mundo de todos os tempos, segundo a minha opinião, que aliás não é só minha, mas partilhada por muitos outros, que também partilham que o jogador que mais gostaram ver jogar, antes de Ronaldo, foi Di Stéfano. São opiniões, e, todas elas, valem o que valem, designadamente, a minha.
É, portanto, legítimo que os sportinguistas, incluindo Ronaldo e sua mãe, D. Dolores, queiram assistir ao terminar da sua carreira em Alvalade ou, pelo menos, regresse um dia mais tarde para iniciar uma nova etapa ou um novo ciclo na sua vida ligado ao clube que deu o seu nome à Academia da mesma forma que, estatutariamente, «em homenagem ao fundador do Sporting Clube de Portugal, o principal campo de jogos designa-se Estádio José Alvalade».
De qualquer forma, uma coisa é a legitimidade de um desejo e de um voto e outra é a oportunidade desse mesmo desejo ou voto, designadamente quando ele pode colidir com um projecto - e um verdadeiro projecto - que se iniciou em 2020, que já produziu frutos e se destaca por uma estabilidade de que não tenho memória, no que respeita ao futebol. Acresce que o Sporting Clube de Portugal nada tem a ver com a questão da ruptura ou desentendimento de Ronaldo com o Manchester United, isto é, ninguém com bom senso pode pensar que o Sporting anda a desencaminhar Cristiano de Manchester para Portugal. Quem me dera que isso fosse possível!...
Em minha opinião, o que se passa com Ronaldo, além da não participação do Manchester United na Liga dos Campeões - um mal menor para mim - é que ele não se sente feliz ali, o que nada tem a ver com a gratidão que ele seguramente sente por quem lhe completou a formação. As pessoas pensam, e muitas vezes injustamente, que pessoas, como Ronaldo, que adquiriram todos os prazeres materiais que a vida nos pode proporcionar têm forçosamente que ser felizes. Não é verdade: como diz o povo o dinheiro não dá felicidade. Ajuda a conseguir, mas, por vezes, não é suficiente, e é por isso que eu compreendo Ronaldo.
Não é normal um homem com 37 anos de idade ter a vida material que ele tem e continuar a gostar de jogar futebol como se não houvesse amanhã para outra vida. Mas ele adora é jogar futebol ao mais alto nível, porque é aí que ele se sente feliz. Ele pode ter os carros e os andares ou quintas que quiser, mas isso pode ter a ver com o seu bem-estar e dos seus, e nada com o ser feliz e sentir-se bem consigo próprio. E à medida que os anos avançam essa diferença torna-se mais nítida.
É por isso mesmo que eu entendo que o confronto que se põe ao Ronaldo não é entre o Sporting e o Manchester, mas sim com a sua vida e a da sua família que é coisa que para muitos não importa, mas que eu continuo a respeitar e a admirar. Julgo que, por isso mesmo, e aos mais diversos níveis, o Sporting se mantém - e bem - em silêncio. E, nesse silêncio, incluo Rúben Amorim, porque aquilo que ele disse não foi uma opinião, mas aquilo que, em coerência, sempre diz, chame-se ele Cristiano, António ou Manuel.
Este é, pois, o tema que poderá ter interesse discutir com seriedade e com respeito pelos sentimentos de cada um, e que não pode nem deve ser feito na praça pública, antes de o próprio Ronaldo o fazer, se entender que o deve e pode fazer.
O resto, não é tema, enquanto não estiver resolvida a questão prévia entre ele o Machester, porque tudo o mais é uma novela que pode ter grande audiência, mas não passará de um romance curto e de formulação de hipóteses sem ter fundamento em factos concretos, isto é, não passa de meras especulações, determinadas pela tentativa de desestabilizar o Sporting, face ao pavor que causa aos nossos adversários só se falar num possível regresso. Devo dizer que essa é a parte que me dá mais gozo, porque é aí que se evidencia a a hipocrisia e o cinismo de certas afirmações e opiniões, nomeadamente, a respeito de como Rúben Amorim encararia a situação.
Eu não sei qual é a posição de Rúben Amorim no assunto, e também não é importante para já, porque não se coloca, no momento em que escrevo, a hipótese concreta. Se se vier a colocar, e no momento em que se coloque, então sim, a sua opinião não só será importante, como, para mim, essencial saber o que pensa o líder técnico do projecto. Na verdade, a solução mais simples será sempre pensar quem é que não quer Ronaldo na sua equipa. Contudo, como não tenho razões para mudar de pensamento e acredito com enorme convicção no projecto de Rúben Amorim e na sua personalidade, não abdico de saber o que ele pensa para formular a minha posição final sobre a matéria. Há quem afirme, sem se aperceber, que está a diminuir a capacidade de Rúben, que este nunca o aceitaria na equipa. Tenho, porém, a certeza de que essa nunca será o argumento de Rúben: ele fala sempre de nós, mas não tem medo de assumir o eu!...
PRESUNÇÃO COM DUAS FACES
É verdade que a presunção da inocência é um princípio que deve ser respeitado face à sua consagração constitucional. Mas também não se deve esquecer que há presunções tão evidentes que, mal ficaria, olhar para elas como se nada se passasse. Fazer de parvo também afecta a dignidade humana.
Vem a isto, a propósito, do caso W52-FCPorto, de que este se demarcou tarde e de forma incompleta: só quando a UCI interveio e apenas suspendeu a ligação.
Não quero julgar ninguém, não tenho nada com isso, mas não posso deixar de trazer à colação uma presunção que um tribunal tirou num caso engraçado, em que aparentemente nada se provou, mas em que a conclusão só podia ser uma. É uma história verdadeira que se conta em poucas palavras passada há vários anos com um advogado próximo de meu pai e que agora me veio à memória por causa deste caso, mas que já tenho relembrado noutras ocasiões em que a prova dos factos é difícil, mas que se presume com uma enorme probabilidade de corresponder à verdade.
Esse advogado, em representação do seu cliente, senhorio de uma casa grande e com muitos quartos, propôs em tribunal uma acção de despejo contra a inquilina, com o fundamento de que ela alugava quartos a casais para aí permanecerem apenas umas horas ao longo do dia e ... da noite! Realizou-se o julgamento e a prova dos factos foi muito difícil ou quase nula, porque obviamente aqueles que frequentavam a dita casa e aquelas que lá trabalhavam, obviamente que não foram confessar os seus pecadilhos. Foi após a prova testemunhal insuficiente que o tribunal, oficiosamente ou a requerimento do advogado do senhorio, se deslocou à dita casa para uma inspecção judicial à mesma, onde se constatou que em cada um dos muitos quartos havia um bidé (tal como a Judiciária encontrou agora seringas e sacos de sangue).
Assim, quando da sua alegação final, o advogado do senhorio reclamou justiça ao mesmo tempo recitou, com enorme sentido de humor, uma presunção popular inabalável:
Maria da Graça é uma,
De olhos de cor, em brasa;
Maria da Graça não fuma,
Mas há cinzeiros em casa!
A inquilina foi despejada!...