Tem piada!
NUNCA fui, verdadeiramente, confesso, um grande fã do treinador Fernando Santos, embora há muito profundo admirador da personalidade, do género de pessoa e das qualidades humanas de Fernando Santos, já não digo desde o tempo em que, na primeira metade da década de 80, era ainda jogador no Estoril-Praia, quando tive oportunidade de pessoalmente o conhecer pela primeira vez, era eu ainda um jovem jornalista em princípio de carreira, mas seguramente desde o tempo em que, já na década de 90, se tornou treinador do Estrela da Amadora, já depois de ter começado a comandar como técnico a equipa estorilista, onde terminou, aliás, a carreira de jogador.
Foi, na realidade, já na qualidade de técnico do Estrela da Amadora, a que Fernando Santos chegou em 1994, que ganhei admiração pela dimensão humana do homem que hoje é o indiscutível selecionador de Portugal. Recordo, aliás, quando por momentos dirigi A Bola Magazine, revista que na década de 90 A BOLA editava mensalmente, a publicação que fizemos do perfil de Fernando Santos, quando era treinador do Estrela, reportagem ao tempo escrita pelo então meu camarada Alexandre Pereira, hoje profissional da federação, e que muito bem refletia (ou espelhava) o modo de pensar, de refletir, de se relacionar, de um homem que tendo orgulho de ser um homem do futebol, mostrava clara intenção de ser bem mais do que apenas um homem do futebol.
A começar pela persistência com que, sendo um homem apaixonado pelo futebol e tão intensamente ligado ao futebol, não deixou de seguir o percurso académico na área da engenharia e de procurar estruturar-se para a vida de modo a não depender de uma paixão que poderia ainda, naquele tempo, trair-lhe o sonho de fazer carreira profissionalmente digna e sólida no futebol.
Naqueles primeiros anos dos 90, Fernando Santos estava longe ainda de ser um treinador de grande sucesso - que começaria, porém, a obter quando ao cabo de quatro anos de Amadora, o FC Porto o convidou para outros palcos - e talvez balançasse ainda entre a paixão pelo futebol e o curso de engenharia, que concluiu, como jogador-estudante, nos cinco anos em que frequentou o ISEL, para se formar na área da eletrotecnia e telecomunicações.
Esse Fernando Santos do Estrela da Amadora, que passei a admirar, era um homem de barba cerrada e cigarro permanentemente aceso. Tinha quase sempre um ar grave e sério - como a personagem escrita por Carlos Tê e cantada por Rui Veloso -, e a barba, o cigarro e os raros sorrisos conferiam-lhe imagem de um homem austero, profundamente metido para dentro e aparentemente tão reservado à fé e às fortes convicções religiosas, como nunca deixou de admitir sempre que desafiado a falar um pouco mais dele próprio.
Com todo o respeito pela carreira de Fernando Santos como treinador de futebol, e como treinador que dedicou mais de 20 anos de carreira a orientar equipas de clubes, a verdade é que hoje, lembrando-me de tudo o que sempre mais lhe admirei na personalidade, atrevo-me a considerar que é como selecionador de Portugal que Fernando Santos melhor expressa as qualidades profissionais e humanas, como homem de caráter, de princípios, de valores, um conciliador, uma espécie, ele que não me leve a mal, de pastor do rebanho, capaz de unir, congregar, quase evangelizar jogadores, dirigentes e adeptos, ao ponto de conseguir tornar definitivamente a seleção nacional numa espécie de templo sagrado, onde todos parecem sentir-se fiéis peregrinos em busca de uma só glória.
Foi assim que Fernando Santos conduziu a Seleção aos maiores êxitos da história do nosso futebol e foi assim que nestes seis anos que leva como selecionador (estreou-se em outubro de 2014, ironicamente com uma derrota com a França, diante da qual haveria de chegar ao maior dos sucessos) soube, mais do que promover uma equipa a jogar bom futebol (e nem sempre, como sabemos, jogou bom futebol), promover, antes de mais, um equipa com espírito, alma e identidade, hoje mais capaz de jogar bem pelo talento que tem, mas muito mais capaz, também, de se impor, sobretudo na mentalidade, como uma das mais fortes equipa de seleção, à qual, como tão bem escreveu esta semana o meu querido Vítor Manuel, vai cada vez mais ser mais difícil ganhar!
Creio que já nem importa saber se Fernando Santos é ou não um grande treinador de futebol no sentido em que, no trabalho dos clubes, nos habituámos atribuir a qualificação. Mas se porventura poderá não ser um grande treinador de futebol, Fernando Santos é evidentemente um grande líder no futebol e são os grandes lideres, conjugando a personalidade com a grande experiência no meio, que fazem a diferença quando se trata de ser selecionador de um País com tantos jogadores de talento como Portugal tem.
É essa personalidade hoje fortemente vincada, a ideia de liderança mas também a ideia conciliadora, que fazem deste homem que deixou de vez a barba e passou a sorrir muito mais, o líder que mostra saber gerir conjunto de jogadores de verdadeira exceção, a começar pelo maior dos nossos símbolos, Cristiano Ronaldo, evidentemente, o principal responsável, na minha opinião, pela mais bem sucedida transformação de sempre do futebol português.
Neste fantástico arranque oficial da Seleção na época 2020/2021, com as extraordinárias vitórias sobre a Croácia vice-campeã do mundo, e a sempre difícil, forte e muito competitiva equipa da Suécia, Portugal mostrou já ao que vem, que é confirmar como se sente, na realidade, uma das mais poderosas seleções da atualidade. E a Fernando Santos tiro, por exemplo, o chapéu pela forma discreta, tranquila mas muito determinada, própria de um verdadeiro líder, como escolheu para a baliza de Portugal o jogador que mais e melhor justificava a opção pelo momento que exibe, pelas enormes qualidades que tem, e, sobretudo, pelo magnífico momento que viveu no mini-torneio que a UEFA promoveu em Lisboa para encontrar o novo campeão europeu de clubes. Naturalmente, nada contra Rui Patrício, sem dúvida o melhor guarda-redes português dos últimos dez anos, mas o luso-francês Anthony Lopes - já considerado o melhor guarda-redes da história do Lyon, clube francês onde joga - bem mereceu a decisão de Fernando Santos lhe entregar a baliza de Portugal!
Nunca um selecionador esteve, como Santos, tantos anos consecutivos à frente da equipa das quinas. O engenheiro completará, em outubro, seis anos no posto. E arrisco: será selecionador nacional até querer. Será no futebol nacional, se o desejar, o nosso Oscar Tabarez, o homem que continua, com 73 anos, a conduzir os destinos da seleção do Uruguai há quase 15 anos. Aconteça, pois, o que acontecer, bem o merecerá Fernando Santos, o homem que aprendi a admirar há mais de 20 anos!
FICÁMOS, entretanto, a saber agora que o treinador do Benfica escreveu uma carta ao presidente do clube, registada e com aviso de receção, tipo burofax à portuguesa. Na carta enviada ao líder, Jorge Jesus parece claro como água:
«Queira V. Exa. [dirigindo-se Jesus formal e oficialmente a Vieira] compreender de uma vez por todas a necessidade de o Benfica contratar jogadores de top mundial. Não o Cavani, que é de qualidade insuficiente, mas sim verdadeiros craques como Luis Suárez ou Messi, que até querem deixar o Barcelona, Neymar ou Mbappé, que devem estar fartos do Paris Saint-Germain, já agora o Lewandovski na impossibilidade de trazer o Cristiano Ronaldo, e não se esqueça, já agora, de um guarda-redes top mundial, que pode perfeitamente ser o Manuel Neuer.
Deve saber V. Exa, caro presidente, que me tenho esforçado por elogiar a grandeza do clube, a estrutura, e o que o clube evoluiu durante estes cinco anos em que estive fora. Mas, que diabo, se o Benfica não tiver jogadores de top mundial como podemos aspirar a vencer? Sei que lhe foram contar, caro presidente, que eu disse isso no final do jogo com os pobres franceses do Rennes, que só perderam na Luz porque são muito fraquinhos. É verdade. Disse-o porque não o tenho visto, caro presidente… e por esperar que ao menos possa estar atento ao que eu digo na BTV. Deixo-lhe, pelo sim, pelo não, esta mensagem, esperando, deste modo, poder evitar que a receba por eventuais mensageiros da desgraça».
O que Jesus disse no final do jogo com o Rennes, a rir-se, foi interpretado como tendo sido um sério aviso a Vieira. Jesus disse o que disse e realmente pela maneira como disse sujeitou-se a ser bem ou mal interpretado. Por mim, creio que Jesus disse o que disse sem querer, na verdade, dizer literalmente o que disse, mas querendo dizer, na sequência dos elogios ao clube, que «só falta agora que os jogadores sejam também top mundial» como Jesus diz que é «o clube».
Jesus, pelos vistos, tem de passar a ter mais cuidado com a maneira como diz as coisas. Mas se alguém considera que Jesus quis mesmo dizer o que realmente disse, então estará também a considerar que Jesus foi deselegante, inconveniente, irresponsável e inexplicavelmente duro com os jogadores do grupo que tem e que ele próprio diz ter a certeza que vai ser muito forte. Como julgo que Jesus não está louco, creio que se fez de um copo de água uma tempestade... de cordel! Fico-me pela piada.