Sobre o optimismo e a hipocrisia

OPINIÃO27.10.201903:00

Investigando um pouco estas duas palavras, tão utilizadas em contextos políticos e desportivos

Sobre a palavra hipócrita

1 A palavra grega hypokrinein era a palavra utilizada para designar os actores na antiga Grécia. Actor que fingia em palco ser uma pessoa que não era. Mas ali, na Antiga Grécia, não tinha um sentido negativo: hypokrinein era aquele que conseguia ser outros, fingir ser outros. Uma grande qualidade, sob um certo ponto de vista: aquele que consegue ser outros.
Porém, com o tempo, esta palavra ganhou uma conotação negativa. Hipócrita já não é alguém com grandes capacidades para parecer outro: mais velho ou mais novo, mais contente ou mais triste. Um actor masculino, por exemplo, que conseguia fingir em palco ser uma mulher - um fingimento extremo, muito valorizado nas várias épocas.
O actor pode ser visto, portanto, como um hipócrita profissional; alguém que treina e ensaia para ser cada vez um melhor hipócrita. No fundo, para fingir cada vez melhor, como escreve Pessoa, até «fingir a dor que deveras sente».
Agora, então, hipócrita é aquele que não consegue ser o que é. Hipócrita deixa de ser uma qualidade a mais: conseguir ser outros, para ser algo que não se tem: não consegues ser tu próprio. Tens essa falta.
Na antiga Grécia, o actor em palco, o hypokrinein, fazia hipocrisias (ou seja, fingia ou fazia coisas falsas). Era pago ou louvado ou aplaudido por fazer bem coisas falsas ou por dizer palavras que não eram as suas. Hipocrisia é agora, nestes tempos, dizer palavras de uma outra pessoa, e não de si próprio, agir com gestos de outros e não de si próprio. Estar, em suma, na vida parecendo estar em palco. Um palco falso.

Pessimismo e ditaduras

2 Um filósofo francês, Deleuze, falando dos regimes políticos ditatoriais diz algo muito interessante: «Os que arriscam a própria vida geralmente pensam em termos de vida, e não de morte ou amargura.» E continua: «Os resistentes são, na variedade, grandes viventes.»  E Deleuze diz ainda, falando de prisões políticas, que nunca ninguém foi colocado na prisão «pelo seu pessimismo». Em termos políticos, só os optimistas são presos, diz Deleuze. Os optimistas são os que conseguem ver um futuro melhor e por isso põem em causa o presente.
Uma ficção. Pensar numa prisão para optimistas e uma prisão para pessimistas.
Uma prisão onde só estejam optimistas - uma utopia e uma distopia ao mesmo tempo. Os melhores, os optimistas, estão presos ou, de outro ponto de vista: só os optimistas cometem crimes.

Optimismo, uma definição

3 Parece que na antiga Roma, os optimi eram, de entre os aristocratas, aqueles «capazes de encontrar soluções»; e pessimus eram os homens «cruéis, criminosos». Além de não encontrarem soluções, criavam outros problemas graves.
Uma boa definição de optimista, portanto: aquele que encontra soluções ou pelo menos as procura. Aquele que acorda e diz: é necessário encontrar uma saída.
Uma hipótese, pois, etimológica: péssimo e pessimista, origem comum.  Péssimo virá dali: homem péssimo, homem cruel. Pessimista, portanto, podemos dizer que é um cruel em relação ao dia seguinte. Eis uma síntese possível.
Eis, portanto, a definição que proponho: pessimista como aquele que maltrata o futuro, tortura o futuro. Pessimista deveria ser portanto preso por maltratar não uma pessoa ou um objecto mas aquilo que não ocupa espaço, mas é essencial: o tempo. Um pessimista maltrata o tempo que aí vem, o tempo que falta - o bem mais precioso dos seres vivos. Maltrata o seu próprio tempo futuro e o futuro tempo dos outros.
O optimista, e a palavra está perto da palavra óptimo, o optimista é o que trata bem os seus dias, o tempo que aí vem, o dia seguinte. O que não vê da janela (que abre sempre para aquilo que aí vem) aquilo que é péssimo, mas sim o que é óptimo. Vejo vir na minha direcção, o óptimo - eis o optimista.
Canalizar a sua bondade para o tempo: optimista.
Canalizar a sua maldade para o tempo: pessimista.
Mas, claro, sobre estes assuntos há infinita janelas e pontos de vista.