Sobre o cartão do adepto...
Há clubes que esqueceram que o futebol é um jogo para ver em família e preferem olhá-lo como jogo para ver em gangue
OCartão do Adepto, já se percebeu, vai dar muito que falar. É, aliás, coisa comum por cá: fala-se muito e faz-se pouco. É assim em tudo e é assim, também, no futebol. Repare-se: sempre que um incidente com uma claque salta para as primeiras páginas dos jornais ou para os primeiros minutos dos espaços de informação televisivos todos erguem as mãos para o céu a pedir para que alguém faça alguma coisa. Depois, quando alguém decide, efetivamente, fazer alguma coisa erguem as mãos aos céus, rasgam as vestes e clamam contra ilegalidades, porque, afinal, a forma de controlar as claques implica o sacrifício de liberdades individuais inalianáveis, mesmo que estejamos a falar de cidadãos que, convenhamos, são tudo menos exemplos de boas virtudes.
A questão não é assim tão complicada, não devia dar tanto alarido. Ninguém está a impedir que os elementos das claques se juntem, só se pede que quem quer pertencer a uma claque, ou ir ver um jogo para junto de uma, faça um cartão que lhes permita entrar num estádio, ou num pavilhão, para uma zona específica onde alguns comportamentos, como ver um jogo em pé, ou agitar bandeiras, são permitidos, deixando as outras áreas desimpedidas para quem quer ver o jogo tranquilo, sentado e sem lonas gigantes a estorvar o seu ângulo de visão para o relvado. Trata-se, no fundo, de controlar e, até, de responsabilizar, os membros das claques, que passarão a estar identificados pelas autoridades? Sim, admito que sim. E é, isso, uma coisa assim tão descabida? Não me parece. Como se costuma dizer, quem não deve não teme. E quem vai para um estádio apenas com a intenção de ver um jogo de futebol, mesmo que goste de vê-lo no setor habitualmente destinado às claques, não terá, digo eu, problemas em que as autoridades saibam que lá está. Se tiver... vai para outro lado.
Não é, convenhamos, assim tão complicado. Complicado é andarmos a criticar a leviandade com que clubes e autoridades têm lidado com o problema das claques e depois, quando se cria legislação para apertar a malha, acharmos que afinal a malha é demasiado apertada. Não há, nem pode haver, meio termo quando falamos de lutar contra fenómenos de violência.
Não sei se o Cartão de Adepto será, efetivamente, a resposta. Primeiro porque nem tudo está devidamente explicado e, segundo, porque, como quase tudo o que diz respeito ao desporto, a lei é... blah. Repare-se: em teoria, todos os clubes deveriam implementar nos seus estádios duas áreas para os adeptos visitantes, uma para os detentores de Cartão de Adepto (leia-se, para quem quer ver o jogo junto da claque) e outra para quem quer, por exemplo, ir ver o jogo com os amigos ou com os filhos. Só que, claro, não é obrigatório. É, apenas, uma recomendação. E perante isto alguns clubes preferiram, porque lhes permitem, mandar a recomendação às favas e manter, como até agora, uma única área para acolher (em jaulas...) os adeptos visitantes. O que equivale a dizer que se um adepto quiser ir com o filho ver um jogo da sua equipa ao estádio de um desses clubes que opta por manter tudo na mesma tem, apenas, duas opções: ou vai para o meio da claque ou para o meio dos adeptos visitados, com as limitações e constrangimentos que isso implica. Bem, tem uma terceira, que é ficar em casa - e ninguém de bom senso condena que seja por esta última que recaia a opção.
É, aliás, difícil perceber como há clubes com tantos problemas com o Cartão do Adepto. As claques não são, entenda-se, uma coisa necessariamente má. Mas em Portugal são, quase sempre, responsáveis por comportamentos que qualquer clube devia condenar. Às vezes (e temos, infelizmente, tantos casos desses...) contra jogadores, treinador ou dirigentes dos clubes que apoiam. Controlá-los, saber quem são, separá-los dos restantes adeptos deveria ser um objetivo de todos. Mas não em Portugal. Por cá muitos parecem esquecer que o futebol sempre foi um jogo para ver em família e preferem olhá-lo, por alguma razão, como um jogo para ver em gangue. E depois queixam-se que há cada vez menos gente nos estádios. Pudera...
DEVE destacar-se a superação e o esforço estratosférico dos atletas, para que possam terminar os comentários fáceis. O Governo honrou o que foi acordado com o Comité Olímpico de Portugal (COP). Fizemos a nossa parte e a nossa missão está a fazer a sua». A frase é do secretário de Estado da Juventude e do Desporto e, no fundo, comenta-se a si própria. Afinal, está tudo dito quando o responsável pela pasta do Desporto em Portugal acha que o papel do Governo para promover o desporto é «cumprir» aquilo que ficou acordado com o COP para que uma centena de atletas representem o País nos Jogos Olímpicos de quatro em quatro anos. Não é. É, ou pelo menos deveria ser, muito mais do que isso. O que disse João Paulo Rebelo é só mais uma prova da forma como o Governo (não) olha para o Desporto em Portugal. Daria vontade de rir se não fosse tão triste. A única coisa acertada na frase é destacar «a superação e o esforço estratosférico dos atletas», esses sim, os principais responsáveis para os resultados que tanto orgulharam o País nas últimas duas semanas. Tentar colar-se, seja em que proporção for, a esse sucesso é algo que deveria fazer o Governo corar de vergonha. Que é coisa que, já se percebeu, falta a muito boa gente.