Só Lage tem pressão no dérbi
Depois do enorme susto que a águia apanhou diante do atrapalhado Desportivo das Aves e do pouco entusiasmo do leão frente ao adoentado Vitória de Setúbal não será de esperar dérbi empolgante na próxima sexta-feira, em Alvalade.
Argumentarão os mais condescendentes que ambos foram traídos por superficial abordagem competitiva perante oponentes que não só não suscitavam preocupações de tirarem o sono como sugeriam o resguardo de energias para outros compromissos de maior envergadura.
Replicarão os mais exigentes que nenhuma razão se vislumbrou para poupar no físico e na mente a seguir a prolongada paragem no campeonato para festejos natalícios. A não ser que demasiado descanso, concedido para baixar o tom dos lamentos de treinadores mais agitados, tenha efeitos perversos no rendimento dos próprios jogadores, como se não bastasse a toada pachorrenta que caracteriza boa parte dos jogos da Liga portuguesa.
O dérbi autêntico é sempre especial, imprevisível, fascinante. É o grande jogo, mas o próximo, ao nível da nota artística, prevê-se mais para o fraco. Intensidade haverá, com toda a certeza, como nos conta a longa e cativante história da rivalidade entre os vizinhos da capital. Neste em particular, porém, a pressão, esse papão assustador, está quase toda no lado de Bruno Lage, porque se sente obrigado a salvaguardar a ténue margem de segurança (quatro pontos) no primeiro lugar, sabendo que há duas semanas o FC Porto venceu em Alvalade, enquanto o objetivo supremo de Jorge Silas se esgota na vitória do jogo, por orgulho e pelo gozo que dará à família leonina, como é tradição. Ou seja, Benfica luta pelo título de campeão nacional, enquanto o Sporting apenas batalha pelo terceiro lugar.
OSporting dá sinais importantes de mudança, de estar a projetar o futuro, em vez de correr à volta de uma mesa redonda, incapaz de escolher um novo rumo e defini-lo no recato do gabinete. Dois exemplos básicos para uma nova política:
Tomar medidas acertadas nas saídas e nas entradas de maneira a construir uma equipa forte, com esqueleto para quatro-cinco anos, vocacionada para discutir títulos mas sem os prometer para amanhã ou depois.
Dar mais oportunidades a gente nova que promete muito, como Rafael Camacho, Pedro Mendes ou Gonzalo Plata, comprar a tempo e horas, como parece ser o caso de Sporar, e aliviar a carga do que não interessa.
No Bonfim, verificou-se mais do mesmo, um Sporting demasiado dependente do talento do seu capitão, que é imenso, mas igualmente sujeito aos seus estados de alma, especialmente confusos, como se compreende, devido à sucessão de notícias que ora o colocam na Premier League, onde ele gostaria de alinhar, ora dizem que o negócio ficou adiado pela enésima vez. O que não é bom, nem para a imagem do clube, nem para a estabilidade do jogador, o qual, no entanto, tem sabido separar as águas. Com o Vitória sadino, mesmo em velocidade moderada, foi ele quem decidiu, o costume, e no dérbi de sexta-feira o desempenho da equipa leonina vai continuar a depender muito da inspiração de Bruno Fernandes, à semelhança do que se viu nos dois confrontos da Taça de Portugal entre os emblemas da Segunda Circular.
OBenfica atravessa uma fase de menor fulgor, apenas disfarçada pela especial aptidão de alguns dos elementos de referência, sem eliminar, todavia, o problema de fundo e que tem a ver com a míngua que se observa quanto à sua capacidade concretizadora. É irrecusável que a equipa marca que se farta cá dentro, mas lá fora é outra conversa. O susto no jogo com o Aves teve o seu quê de inexplicável, admite-se, mas o que importa é averiguar se tantos remates deitados à rua foram obra do além ou consequência da falta de aplicação no trabalho diário: o remate treina-se e aprimora-se, tal como o passe ou a receção.
A contratação do alemão Weigl prova que Bruno Lage está atento, e preocupado também. Tem as debilidades identificadas e quer eliminá-las, não sendo surpresa, pelo que tem sido divulgado, a celeridade na aquisição do brasileiro Bruno Guimarães: há o título para reconquistar e a UEFA para fazer boa figura.
Decisões necessárias no sentido de reforçar o eixo central da estrutura e fortalecer a coesão do grupo, embora insuficientes, na medida em que o Benfica de hoje revela menor poder argumentativo na frente de ataque devido às saídas de João Félix e Jonas. O investimento em Chiquinho não chega. É jogador que (ainda) não tem golo, como agora se diz, que (ainda) não exprime dimensão de clube grande e que, não conseguindo dar o que pretendem que dê, encurta o jogo e limita o poder de finalização.
Chiquinho não reúne atributos para se comparar a Félix, o que não quer dizer que não seja bom jogador, mas provavelmente não tão bom quanto o Benfica precisa que seja.
Bruno Lage pode ver nele um virtuoso, mas também sabe que tem de voltar a esticar a equipa, sem mais delongas, sob risco de falhar a reconquista do título, comprometer uma participação digna na Liga Europa e sabe-se lá que mais…