Sinais de desespero para as bandas da Luz
1 - Escrevo antes do jogo do Benfica (estreando-me às quartas-feiras, por troca com António Bagão Félix, cuja gentileza em aceitar prontamente a troca, agradeço). Se não vencer esta noite em Salónica, o Benfica ficará numa posição difícil, embaraçosa, que o resultado do jogo de domingo com o FC Porto pode ou não acentuar mais. Se perder na Grécia, somando a nona derrota consecutiva em jogos da Champions, Rui Vitória ficará francamente em maus lençóis, e é difícil que, por arrasto, Luís Filipe Vieira escape a uma onda de contestação cujo início já é evidente. Só resultados podem acalmar os adeptos, que, além do mais, sabem que o Benfica tem a melhor equipa do campeonato, fruto de uma bela fornada da formação e do investimento da época anterior, a par dos danos causados ao plantel do Sporting pelo desvario de Bruno de Carvalho e pela contenção financeira que tolheu qualquer melhoria do plantel do FC Porto no ano passado e que este ano, até ver, apenas surge mitigada pela contratação de Éder Militão.
Bastou por isso o empate em Chaves para que as águas se começassem a agitar. Vieram logo as desculpas com a arbitragem, começando, é claro, por Rui Vitória. Nem vale a pena perder tempo com o assunto, de tão ridículas que foram as supostas razões de queixa de um árbitro a quem, aliás, o Benfica deve inesquecíveis favores. A ingratidão dos homens é infinita...Por todos, e porque realmente foi eloquente, recordo apenas a queixa de Sílvio Cervan: o golo do empate do Chaves, ao cair do pano, foi «cavado pelo árbitro na zona mais estragada do campo». «Cavado», quer dizer que foi assinalado sem contestação de ninguém, de tal maneira foi evidente a falta e nem sequer perigoso o livre; e a «zona mais estragada do campo» foi simplesmente o local onde a falta aconteceu. É uma chatice, um desaforo, assinalarem livres contra o Benfica!
Na Assembleia Geral que se seguiu, Luís Filipe Vieira decidiu também cavalgar a onda lançada pelo seu treinador. O Benfica, disse ele, só não ganhou em Chaves porque precisa de jogar três vezes mais que os adversários para conseguir vencer. De outro modo, os factores externos...Pormenor: em Chaves, o Benfica não jogou três vezes mais que o adversário. Nem três, nem duas. Com alguma simpatia, dir-se-á que jogou o mesmo e nunca mereceu mais do que o empate. Outra coisa é querer ganhar por decreto-lei, mas é essa filosofia que está por detrás dos imensos sarilhos, escândalos e suspeitas de natureza criminal em que o Benfica está envolvido e que fazem com que os resultados desportivos sejam cada mais desesperadamente importantes para abafar a contestação interna e afastar as atenções do resto. Outra época desportiva como a anterior, de resultados nulos, e a casa pode vir abaixo. Daí o desespero e o destempero que, segundo os relatos vindos a público, Luís Filipe Vieira terá dados mostras ao sentir-se inabitualmente contestado por um grupo de sócios na Assembleia Geral de sexta-feira passada.
2 - O FC Porto poderia e merecia ter ido para o intervalo do jogo com o Tondela a vencer por dois, três, ou até quatro golos. Bastaria que Marega tivesse facturado dois golos fáceis, que Aboubakar não tivesse falhado um cantado e que o cabeceamento de Sérgio Oliveira não tivesse encontrado o poste. Depois, foi sofrer até ao fim, para mais uma vitória arrancada a ferros e ao soar do gongo (coisa que não era habitual na época passada), e uma exibição que voltou a deixar muito a desejar. E vieram então as infelizes declarações de Sérgio Conceição, sobre as quais vou ser absolutamente claro. Como, aliás, julgo ser sempre, goste-se ou não. Para rezar missas e dizer ámen a tudo, há outro tipo de adeptos, que não é o meu.
Como todos os portistas, eu estou absolutamente grato a Sérgio Conceição pelo que ele fez no FC Porto, quer como jogador, quer, sobretudo, como treinador, na época passada. Foi preciso muita coragem para pegar naquele grupo desgarrado de jogadores e tentar fazer dele uma equipa capaz de se bater ao nível das responsabilidades de um clube com vício de vencer mas que há quatro anos que não vencia nada. Fê-lo ainda por cima prescindindo de uma posição cómoda que tinha conquistado por mérito próprio em França e abdicando de metade do que iria ganhar, com isso mostrando todo o seu portismo, que o tornaram um justíssimo vencedor do Dragão de Ouro para treinador do ano. E o facto é que ele devolveu àquela equipa um espírito de conquista e de vitória há muito arredado, devolveu o bom futebol à equipa e, com isso, trouxe de volta a fé, a esperança e os portistas ao estádio. E, no fim do caminho, alcançou o que muito poucos de nós ousávamos acreditar: o título de campeão nacional. E porque sinto verdadeiramente tudo isto, e não é a primeira nem a segunda vez que o escrevo, estou à- vontade para agora dizer o resto que o infeliz discurso de Sérgio Conceição após o jogo com o Tondela me inspira e força a dizer.
«Quem quer espectáculo vai ao Sá da Bandeira»? Não. E se o mesmo nos disserem o director, o encenador, os actores em cena no Sá da Bandeira: «Quem quer espectáculo que vá ao Dragão»? Afinal de contas, se ambos são um espectáculo, se em ambos se paga bilhetes para ver um espectáculo, com que direito nos diriam que o bilhete não dá direito a espectáculo? Iríamos ao futebol então só para ver o nosso clube ganhar, nem que seja por meio a zero? Ok, eu sei que há quem o faça e não se importe, que há treinadores, jogadores e adeptos para quem tudo o que interessa é o resultado e nada mais - o pontinho. Mas não é desses, desse espírito, justamente, que com razão tantas vezes ouvimos Sérgio Conceição queixar-se? Não é esse o espírito que liquida o futebol e afasta os espectadores dos estádios? No dia em que os adeptos de um clube como o FC Porto, cujo orçamento é vinte vezes superior ao de um Tondela e cujos jogadores ganham um, dois ou três milhões limpos de impostos por ano, não poderem queixar-se porque vêm a sua equipa pouco mais jogar que o adversário e os seus jogadores não justificarem em campo as fortunas que ganham, que moral terão eles e os treinadores para pedirem o apoio dos adeptos?
Não, Sérgio Conceição. Não é assim que as coisas funcionam neste ramo de actividade. Quando se tem uma actividade que depende da adesão do público, que é financiada pelo público, não se pode tratar o público do alto da burra. Eu escrevo livros, por exemplo. Dependo da aceitação dos leitores, da venda dos meus livros. Se eles me disserem que não gostaram, eu não lhes vou responder: «Se querem grande literatura, comprem Prémios Nobel». Uma coisa é dizer que nem sempre se pode jogar bem, que há dias bons e dias maus, que há momentos de forma dos jogadores, que há jogos de mais ou menor inspiração dos próprios treinadores. Isso é humano, é normal, acontece em todas as actividades e toda a gente está disposta a compreender e aceitar. Outra coisa é dizer que, por princípio, quem vai ao futebol não pode ir a contar com um espectáculo. Então, vai a contar com quê? A verdade é esta e qualquer um é capaz de a ver numa televisão perto de si: onde há espectáculo, os estádios estão cheios; onde os intervenientes se estão nas tintas para o público, estão cada vez mais vazios. Espero que logo à noite, no Dragão, haja ambas as coisas: espectáculo e vitória. Até me parece difícil, a este nível, alcançar a vitória sem dar espectáculo.