Sim, foi frustrante
1 - Fizemos o nosso melhor jogo contra o Uruguai - ou aliás, o único jogo razoável - e não foi isso que impediu a nossa despedida do Mundial da Rússia. Fomos travados e vencidos perante a fortaleza do futebol defensivo, que tem cobrado um largo e proveitoso tributo neste Mundial, e perante dois golpes de pura classe de Edinson Cavani. E foi quanto bastou para que muitos sonhos, algumas ilusões e deslocadas prosápias morressem ali, em Sóchi. Não obstante, ninguém poderá acusar os nossos de não terem tentado tudo até ao fim, até à última gota de suor. Podíamos ter feito mais? Talvez. Há um momento no jogo em que eu penso que Fernando Santos devia ter arriscado e não o fez, preferindo ser fiel a si mesmo e ao seu conhecido conservadorismo. Foi quando perdíamos por 1-0 na segunda parte e ele mandou Quaresma preparar-se para entrar. Mas eis que Pepe empata o jogo e, acto contínuo, o seleccionador recua na substituição e fica à espera de ver em que vão dar as coisas. Portugal estava claramente por cima e julgo que, aproveitando o momento psicológico do empate, se tem forçado a onda com a entrada de um avançado, no lugar, por exemplo, do abúlico João Mário, podíamo-nos ter colocado em vantagem e ir ao encontro de um destino vencedor. Em vez disso, a mensagem que veio de fora para dentro foi a de levantar o pé do acelerador e, passados seis minutos, Cavani fazia o 2-1 e o destino virou-nos as costas. É claro que isto agora é fácil de dizer (e eu só tenho uma testemunha de que o disse também na altura), mas penso que quanto mais defensiva é a atitude dos adversários - e a do Uruguai foi-o - mais os treinadores que a querem ultrapassar têm de estar prontos para correrem riscos. Olhem para a forma como a Espanha caiu aos pés da Rússia, nos penáltis, depois de ter visto o adversário fazer um único remate à baliza em todo o jogo e esse na conversão de um penálti, para mais duvidoso!
O saldo final da nossa passagem pela Rússia foi, como reconheceu Fernando Santos, o mínimo exigível: a passagem aos oitavos-de-final, num grupo onde o Irão era para vencer sem espinhas (e não vencemos, embora com a oferta de um penálti aos iranianos), e a chave era vencer Marrocos - que vencemos, mas com enorme dose de sorte e grande injustiça para os nossos vizinhos do sul. Soube a muito pouco, com uma Selecção que para muita gente, eu incluído, tinha o melhor lote de jogadores e a melhor mistura entre juventude e experiência dos últimos anos. Se tiver de destacar um jogador que, do princípio ao fim do Mundial foi de uma consistência exibicional inabalável, nunca falhando nos momentos decisivos, esse jogador foi Rui Patrício. É uma dor de alma vê-lo ir-se embora de Portugal para um clube secundário de Inglaterra, vê-lo escorraçado do Sporting por uma aliança entre um homenzinho medíocre e um bando de arruaceiros ao serviço da sua manutenção no poder.
2 - E, finalmente, ao 49.º jogo, o Mundial da Rússia serviu-nos um jogatão de futebol: o França-Argentina, em que o tangencial 4-3 disfarçou, todavia, a lição de bola que os franceses deram a uma desgastada e perdida Argentina, treinada pelo mais incompetente treinador deste Mundial. Às tantas, com a Argentina a perder por 3-2, olhei para o banco azul-celeste e vi lá sentado nada menos que este trio de luxo: Gonzalo Higuaín, Kun Aguero e Paulo Dybala. Como é que alguma entidade creditada para tal passou licença de treinador àquela patética figura de Sampaoli?
3 - Em contrapartida, com o Japão já apurado e a Polónia já afastada e a vencer por 1-0, os japoneses dedicaram-se a fazer passar os últimos dez minutos do jogo a trocar a bola na sua defesa, sem de lá saírem e sem que os polacos, por seu lado, se incomodassem a ir lá disputar-lha. Não consigo perceber como é que perante milhões de pessoas no mundo inteiro, se consente um espectáculo tão degradante como este. Se a FIFA se preocupasse, de facto, com o fair play, o que deveria fazer era eliminar o Japão e punir a Polónia com ausência forçada do próximo Mundial. Nunca mais ninguém se atreveria a imitá-los.
4 - Com Alemanha, Argentina e Espanha de fora, o Brasil continuando sem me convencer completamente, o maior favoritismo parece-me ir agora para a França - com Brasil, Bélgica e Croácia, como principais outsiders. Mas, no final, a forma física, das equipes e dos seus principais jogadores, vai fazer uma grande, enorme diferença. Quanto a estes, por enquanto Mbappé é o candidato principal a MVP do Mundial, com Luka Modric e Cavani nos calcanhares. E não resisto a uma nota para o portista Herrera: veio, de facto da melhor, ou da única verdadeiramente boa época ao serviço do FC Porto, culminando com o inesquecível golo na Luz, que selou o campeonato; entrou no Mundial com uma bela exibição frente à Alemanha, seguida de uma boa exibição frente à Nigéria, depois uma exibição banal e a seguir uma exibição ainda menos que banal frente ao Brasil. Mas a sua boa entrada em cena, sobretudo contra os alemães, foi quanto bastou para que o nome de Herrera saltasse para as bocas do mundo, com os exageros habituais, sabiamente soprados e alimentados pelos agentes de serviço: que já era disputado em Inglaterra e Itália e que até estaria nas cogitações do Real Madrid. Entusiasmado, o próprio terá aberto a boca e exigido ao FC Porto 3 milhões por ano para renovar um contrato que expira para o ano (quase quatro vezes mais do que vence actualmente). Veremos quanto uva dará tanta parra, mas por mim, reconhecendo embora a grande época que fez, não muda muito o essencial da minha opinião: é, certamente, um jogador generoso, todo-o-terreno, que não se furta ao jogo, mas inconstante exibicionalmente e limitado tecnicamente: dali tanto pode sair um pontapé como o da Luz como não sair nada de jeito. Se viesse mesmo uma oferta interessante, eu vendia-o. (Já gora, e por contraste, não me escapou o brilho de outros jogadores, ainda ligados ao FC Porto mas que nunca gozaram de grande apreço no Dragão, ao contrário da opinião que aqui sempre expressei: Layún, Quintero, Chidozie).
5 - Numa semana tudo mudou no Sporting e eu confesso que para meu grande espanto: com uma decisiva ajuda dos tribunais, recusando a chicana das providências cautelares e dos truques jurídicos de Bruno de Carvalho, e conseguindo mobilizar o corpo são e enfim maioritário do Sporting, o clube iniciou um longo e necessariamente penoso regresso a um caminho de normalidade e dignidade de há muito perdidas numa onda de loucura e demagogia impensáveis. José Sousa Cintra teve a coragem de dizer presente e pegar nos cacos, para tentar fazer tudo aquilo que de momento é possível fazer: reconstituir e apresentar uma equipa minimamente capaz de competir ao nível dos seus pergaminhos e, nomeadamente, tentar salvar alguns dos seus principais activos, afugentados pelo terrorismo instalado no clube até uma semana atrás, revertendo os danos dos assaltos anunciados de abutres e águias. Do fundo do coração, desejo-lhe toda a sorte do mundo. Em contrapartida, não consigo deixar de me espantar ao ver como alguns, ditos notáveis, que até à 25.ª e 26.ª hora estiveram com Bruno de Carvalho ou tiveram medo de o enfrentar, agora se perfilam como candidatos no dia 8 de Setembro, com perfil de «renovadores» e «unificadores». E não me refiro nem a Madeira Rodrigues nem a Frederico Varandas. Mas isso já não são contas do meu rosário.