Sigam o dinheiro, se faz favor...
Ex-primeiros ministros, ex-banqueiros, ex-juízes e ex-presidentes de clubes deixaram, enfim, de serem intocáveis. É a democracia a funcionar!
H Á alguns anos, o dr. Emanuel Medeiros, uma daquelas figuras que tem mais reconhecimento internacional do que nacional, promoveu, na qualidade de presidente do Sport Integrity Global Alliance, vulgarmente conhecida por SIGA, uma conferência internacional sobre transparência e boa governança no desporto. Convidou-me para coordenar um painel que incluía um oficial da segurança britânica, que sob as ordens da senhora Thatcher tinha conseguido acabar com a raiz do hooliganismo em Inglaterra e por isso merecera o título de Sir, e um cidadão americano, ligado à CIA, e com ligações aos mais altos níveis das organizações de segurança do Estado americano, a quem tinha sido dada uma missão específica sobre a corrupção no desporto de alto nível dos Estados Unidos. Eram, ambos, pessoas com um enorme sentido prático das coisas, e mais do que contarem peripécias e pequenas histórias sobre as suas complexas missões, detiveram-se no essencial da ação.
O americano era uma personalidade que juntava uma imagem de firmeza e de rigor a uma imagem aparentemente mais aberta e que parecia não se importar de referir pormenores interessantes da própria estrutura de combate a corruptores e corrompidos.
«Eu era apenas responsável por seguir o dinheiro. Depois de saber que ele chegava a um ponto, tinha de o seguir, fosse ele para onde fosse» - dizia, com uma segurança e um sentido prático de profissional. E eu perguntava: «E não lhe interessava saber de onde vinha?». Ao que me referia, com um sorriso: «Havia um outro responsável para saber isso e, a mim, não importava de onde ele vinha, quem pagava, como pagava, se era limpo ou se era sujo. Havia responsáveis por saberem de onde vinha o dinheiro, a minha responsabilidade era a de saber exatamente para onde ele ia e quem beneficiava.»
Os filmes de ação de detetives e de suspense já nos apresentavam essa solução evidente para resolver o problema dos maus rapazes. No fundo, o importante era saber seguir o dinheiro. Algo que parece relativamente simples, bastaria um departamento policial atento e interessado, o que já não seria assim tão pouco, mas que se pode tornar muito complexo, se for enredado em teias de offshores e outros portos propícios à clandestinidade.
Não existe, no entanto, um número infinito de meios policiais. Muito menos em Portugal, onde as queixas já vêm de longe. No entanto, como não se pode seguir toda a gente, pode, pelo menos, seguir-se a evidência do luxo que, não raras vezes, até é acompanhada de uma arrogância social que se confunde com estatuto.
Não é apenas no futebol, que desde há muito juntou no mesmo universo cinzento e promíscuo um certo tipo de dirigentes e de agentes de jogadores e treinadores, a empresários e alta finança. É assim, também, no mundo da política e da vida empresarial. E não é assim, apenas, em Portugal. Não acreditem que somos a ovelha negra da Europa, muito menos do mundo, porque não há países e sociedades fora de qualquer suspeita.
A novidade maior é que os últimos tempos nos trouxeram a evidência da ação policial e judiciária a um mundo que, antes, parecia intocável. «Em presidente de qualquer dos clubes grandes, ninguém toca» - dizia-se com uma certeza da realidade prática. Mas, agora, e isso é um assinalável bem democrático, a ideia de intocáveis vai-se esbatendo com os episódios que se conhecem de ex-primeiros ministros, ex-juízes, ex-banqueiros, ou ex-presidentes de grandes clubes. E assim deve continuar a ser, se possível, sem necessidade de se fazer de cada caso um teatro a céu aberto para ser transmitido em direto.
FLORENTINO FORA DO CONTEXTO
Florentino Pérez, 74 anos, uma fortuna de 2 mil milhões de dólares, é o presidente todo poderoso do Real Madrid. Um facto que não impediu o jornal El Confidencial de lhe causar um dano irreparável ao divulgar conversas telefónicas privadas, nas quais Florentino ataca conhecidos nomes entre jogadores, dirigentes e treinadores, apanhando, pelo caminho, personalidades do futebol português como Critiano Ronaldo, Luís Figo, Jorge Mendes ou Pinto da Costa. Limitou-se a dizer que são afirmações fora do contexto. Não convenceu ninguém.
AS FÉRIAS EM PANDEMIA
As férias são, por definição, retemperadoras de um ano de trabalho. São um espaço de liberdade e de criatividade. De mudança de direção do vento da rotina. Um lugar de família e de amigos. Um relaxar de responsabilidades e de preocupações maiores. As férias são o que mais próximo temos, na vida real, da ideia de felicidade. Por isso, as férias em tempo de pandemia são tão frustrantes. A verdade é que não me apetece passar férias em condicionamento da liberdade. Muitos portugueses pensarão o mesmo e a economia é que paga.