Semana (in)tensa

OPINIÃO10.03.202003:00

1Sete dias passaram entre o momento em que escrevo e a minha anterior crónica. E, em tão curto tempo, tanta coisa se passou no nosso futebol.
Começo pela vasta operação levada a cabo pelas autoridades judiciárias e fiscais, chamada Fora de Jogo, sobre eventuais práticas ilícitas nos principais clubes. Espero que, no fim, saia vitoriosa a ética desportiva, doa a quem doer. Mas, neste momento, em que nada sabemos, concordo com as críticas sobre a circunstância habitual, mas ilegítima de, antes de tudo e de todos, haver câmaras de televisão alertadas para estar à boca de cena. É uma prática que não enobrece as autoridades, ainda por cima em semanas difíceis de alegadas ilegitimidades ou ilegalidades no seu seio.

2O Sporting mudou pela enésima vez de treinador no mandato do actual presidente, mas inovando no modo como o fez, num Portugal sempre diferente e que permite trocas de técnicos entre competidores directos, a meio da época. Quanto ao valor pago (com IVA serão 12,3 milhões!), só posso percebê-lo pela fezada messiânica e pela folgada situação financeira do clube, sobretudo depois de tudo ter feito para vender, por um valor inferior, o seu melhor ponta-de-lança dos últimos anos, Bas Dost. Como, com ironia, dizia um amigo meu, ao transferir-se de Braga para o Sporting, Rúben Amorim abdicou em definitivo da possibilidade de conquistar o terceiro lugar no Campeonato. E sendo o SC Braga o principal concorrente dos leões ao habitual terceiro lugar do pódio, os bracarenses já ganharam 20 milhões a 0 (os 10 que recebe e os 10 que o SCP deixa de ter, fora o IVA).

3Foram conhecidas, também, as contas dos três grandes relativas ao primeiro semestre da temporada e reportados a 31.12.2019. Será talvez assunto a que volte. Por ora, fica este quadro (em cima), que quase dispensa comentários.
Como se vê, o Benfica tem uma posição bem positiva, que até agora jamais havia alcançado. Já o FC Porto e o SC Portugal encontram-se em situação muito negativa. A pior é a do FCP- Futebol, SAD:  capital social de 112,5 milhões de euros e capitais próprios de 87 milhões negativos, pelo que aquele já foi consumido em mais de metade (77,33%). Por isso, passou a estar sujeito ao estatuído no artigo 35º do Código das Sociedades Comerciais, que reza assim:
1. [….] Quando metade do capital social se encontra perdido […] devem […] os administradores requerer prontamente a convocação da assembleia geral, a fim de nela se informar os sócios da situação e de estes tomarem as medidas julgadas convenientes.
2. […]
3. Do aviso convocatório da assembleia geral constarão, pelo menos, os seguintes assuntos para deliberação pelos sócios:
a) A dissolução da sociedade;
b) A redução do capital social para montante não inferior ao capital próprio da sociedade […];
c) A realização pelos sócios de entradas para reforço da cobertura do capital.
Estas informações oficiais coincidem com a passagem do FCP para líder do campeonato. Por isso, naquelas bandas, no pasa nada… E, ao contrário, as boas contas do SLB são relevantíssimas, mas como se passou de 1º para 2º, pouco interessam aos adeptos. O costume no nosso pobre futebol caseiro, com as consequências que, mais tarde ou mais cedo, virão.

4O Conselho de Disciplina multou o Vitória de Guimarães em 714 € (!), pelo comportamento de parte dos seus adeptos no jogo Marega (embora esclarecendo que essa verba não estava relacionada com os insultos racistas), na mesma semana em que foi conhecida a decisão disciplinar francesa de castigar com 6 meses o português Gelson Martins (Mónaco). Assim se vê a diferença para o que, por aqui, se passa, com clubes a auto-regulamentarem-se corporativa e defensivamente e, depois, a queixarem-se disso mesmo.

5Por fim, o meu clube, que liderava a classificação, mesmo depois de ter desperdiçado 6 dos 7 pontos de avanço. Nos últimos 8 jogos para várias competições, dos quais 4 na Luz, o Benfica obteve uma única vitória, 4 empates e 3 derrotas, 10 golos marcados e 12 sofridos. Estranho desempenho para uma equipa que parecia segura, tendo tido 16 jogos consecutivos no campeonato em que foi cem por cento vitoriosa. Na minha opinião, em duas das derrotas (Porto e SC Braga), o Benfica não jogou mal e poderia até ter conseguido melhores resultados. Mas, a partir daí, as paupérrimas exibições justificaram os empates e a derrota na Ucrânia. Em Famalicão, conseguiu-se, é certo, o objectivo de chegar à final da Taça de Portugal, com um empate muito sofrido. Na semana passada, foi o que se viu, e é difícil encontrar justificação para tão pronunciada descida de desempenho colectivo. Em Setúbal, repetiu-se uma actuação claramente insuficiente. Exceptuando Vlachodimos, terá convergido, em muitos titulares, a má forma física e mental. Não entendo como, tão subitamente, desaba sobre a equipa uma tristeza, uma lentidão, uma previsibilidade, uma penosidade face a adversários acessíveis. Sei quanto a ausência de dois jogadores pode ter contribuído para isso. André Almeida está léguas à frente do miúdo Tomás Tavares que, de facto, não tem ainda condições para ser titular do Benfica. Confiemos na formação e felicitemos os seus resultados, mas nem oito, nem oitenta. Acrescem a má forma de Ferro e também de Grimaldo, obrigado a jogar sempre por falta de concorrência. No meio campo, falta, infelizmente por razões de saúde, o seu cérebro: Gabriel. Dava estabilidade, densidade, capacidade vertical ao jogo e um melhor entrosamento no espaço entre a defesa e os jogadores do meio-campo, que mais ninguém assegura. Se exceptuarmos Taarabt (e pusermos de parte a sua voluntariedade, por vezes, inconsequente e gerando contragolpes dos adversários), ninguém, actualmente, consegue verticalizar os movimentos e criar desequilíbrios.
A notável primeira volta dissimulou alguns problemas do actual plantel. Passado o romance do guarda-redes (felizmente, concluiu-se que Vlachodimos merece ser o escolhido), descurou-se a necessidade de ter quatro centrais à altura do clube, numa época que é muito longa, tendo em atenção a fase naturalmente descendente de Jardel. Na zona central do meio-campo, já houve todas as combinações possíveis, entre Florentino, Taarabt, Gedson, Gabriel, Samaris, Weigl e até Pizzi e Chiquinho, mas nenhuma se fixou e estabilizou naquela zona determinante. No ataque insisto no erro que foi ter deixado sair Salvio. Boa decisão tem-se revelado a entrada de Vinícius. No entretanto, Seferovic tem sido uma sombra do da época transacta, Rafa esteve vários meses fora de combate e tarda em estar em pleno. De Zivkovic, já nem falo, tal é a chulice com que recebe o ordenado mensal. Cervi é de uma vontade indomável, mas o Benfica precisa de mais categoria (e recordo que esteve para ser dispensado por troca com um tal de Caio Lucas, vindo lá das Arábias).

6Pizzi: um jogador que muito aprecio e que é o barómetro da equipa. Se ele joga bem, a equipa também, se ele está apagado, a equipa ressente-se. Pizzi: o marcador dos penáltis. Longe de mim, crucificar um excelente profissional, que já me deu muitos momentos de alegria. Estou solidário com ele e sei quanto sofre quando desperdiça uma grande penalidade. Nestes dois últimos jogos em que o Benfica beneficiou de quatro penáltis, só um foi convertido (ou dois, se contarmos com uma recarga). Creio eu e pensará ele que se não tivesse falhado o 1-0 contra o Moreirense e o 1-2 no Bonfim, estaríamos ainda na liderança.
Sei que é fácil falar depois de tudo acontecer. Mas bastava olhar para Pizzi para ver quão tenso tem estado nas marcações. Um segundo penálti no mesmo jogo pelo mesmo jogador, em momentos delicadíssimos da época, é sempre um momento de enorme pressão. Seja como na Luz, depois de  ter falhado o primeiro, ou em Setúbal após ter convertido a primeira ocasião. Isto não quer dizer que não haja confiança na marcação por Pizzi, mas talvez tivesse sido prudente ter mudado de marcador da segunda falta.
Aliás, este campeonato pode ficar marcado pelas penalidades falhadas. As do Benfica, as do FCP, na derrota contra o Braga, que, se convertidas, provavelmente teriam dado a vitória aos portistas (e, para contrariar o que atrás referi, neste caso até mudaram de marcador no segundo penálti…). E até a do ex-portista e agora portimonense Jackson Martínez, que, pela sua reacção imediata, não se terá maçado muito com tal falhanço.

7Soares Dias, o iluminado, no penálti contra o Benfica no Dragão e na indiferença diante de agressão de Pepe. Soares Dias, o infiel, no penálti que não marcou a favor do Porto contra o Rio Ave. No 1º caso, um silêncio ensurdecedor, no 2º caso um berro ordinário do tamanho da Torre dos Clérigos.