Semana 7 - Igor
1Vamos viver a última semana do estado de emergência. Mas com a consciência que vamos continuar a viver uma anormal normalidade. Ou uma normalidade anormal! E, aqui, esta nova normalidade é uma novidade. Num ápice um vírus, dito em coroa, mudou a nossa vida, paralisou as economias, mudou as rotinas, não escolheu territórios e destroçou fronteiras. Num instante as finanças públicas e privadas sofrem um terrível abalo e vão obrigar a sacrifícios não esperados, direi bem inesperados. E, acredito, o nosso comum modo de vida vai mudar. E, entre nós, o turismo, nas suas múltiplas e diferenciadas valências, vai demorar mais tempo a regressar a alguma normalidade. O que já pressentimos é que a nossa emigração permanente vai drasticamente cair e queinúmeros Estados não vão poder cumprir, a tempo, as suas responsabilidades e, logo, os pagamentos de empréstimos contraídos. Basta olharmos, a este respeito, para a tempestade que está já a atingir mas vai varrer a América Central e do Sul. E, por aqui, talvez seja o momento de percebermos que no meio dos egoísmos nacionais que desabrocham em momentos críticos há uma União Europeia que tenta ser um resguardo e um possível - mas necessário - farol de uma solidária e europeia responsabilidade. E, assim, vamos viver, ainda bem confinados, os últimos dias de um Abril em que limitámos, por um bem maior, a nossa comum liberdade. E com a consciência de que, ontem, nas suas legítimas diferenças, se comemorou uma data marcante da nossa democracia e da nossa longa história.
2O Governo, e bem, aprovou um decreto-lei - 18-A/2020 de 23 de abril - que delimitou um conjunto temporário de medidas excecionais na área do desporto que vão desde a suscetibilidade de alterações a regulamentos das federações desportivas para a produção de efeitos na presente época desportiva - principalmente os de competições - à possibilidade de prorrogação da duração do mandato dos titulares dos órgãos das federações desportivas, ligas profissionais ou associações territoriais de clubes. E, aqui, tendo presente que os mandatos federativos estão ligados aos ciclos olímpicos e em razão do adiamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio é natural e curial que possam ser prorrogados até 2021, bem como, aliás, os apoios financeiros aos agentes desportivos previstos nos contratos-programa de desenvolvimento desportivo vigentes. O Governo, e bem, criou o específico enquadramento jurídico na área do desporto de resposta a esta pandemia que nos condiciona. Mas sem invadir a autonomia do movimento desportivo ao conferir à assembleia geral de cada federação desportiva o poder de adiar para 2021 as eleições dos titulares dos seus órgãos. Agora importa que cada uma, em articulação com as competentes autoridades sanitárias, avalie o tempo, as formas, as condições e, também, os constrangimentos do regresso à respetiva e específica atividade desportiva. Que não será normal. Nada normal. Serão necessárias novidades criativas e, diga-se, novidades anormais. Que, acredito, poderão prolongar-se até ao final do ano de 2020. No mínimo!
3Todos os que gostamos de desporto sentimos um específico vazio. Já passou a mera rotina. Faltam os jogos, a paixão e a discussão. Faltam os treinadores e os árbitros, as lesões e as simulações, o apito e o grito, o convívio e o abraço. Falta a euforia do golo marcado e a desilusão do sofrido. Faltam, até, e já, as imagens do VAR e a decisão, final, do árbitro principal. Vão faltar, ainda, e por algum tempo, as viagens a acompanhar a nossa equipa ou a nossa Seleção, a ida a um estádio emblemático para ver um jogo extraordinário ou, até, a deslocação em família a uma partida decisiva ou marcante. Por ora falta-nos tudo. Daqui a pouco, acredita-se, e com efetivo controlo médico e com todos os testes realizados, poderemos ter, de novo, o jogo, a paixão, a descrição, o relato, as pontuações, as contas dos pontos. Mas, assumo, vamos ter jogos (quase) sem adeptos, vamos ver, por excelência, a publicidade dos estádios e, porventura, escutar as palavras dos jogadores, dos treinadores e talvez dos árbitros. Vamos viver novidades e desejamos que sejam, como o decreto-lei, bem temporárias. O que sabemos é que nos teremos de preparar para ver, de forma diferente, os jogos, as partidas, os encontros, as competições. E, nesta sede, a união de vontades entre Governo e autoridades de saúde, federações e associações, jogadores e treinadores, árbitros e médicos, Liga de futebol e dirigentes, jornais e televisões, operadores e consumidores, é fundamental. Com a certeza que vivemos tempos bem incertos. Mas em que importa, sem dramas ou temores, criar as mínimas condições para um faseado regresso a uma relativa normalidade. Mesmo que anormal. O que importa construir, em segurança, nas próximas semanas. Lembrando Paul Valéry: «O que há de melhor numa coisa nova é aquilo que satisfaz um desejo antigo!»
4Este nosso mundo proporciona-nos amizades que as fronteiras não apagam nem as distâncias perturbam. Há mais de trinta anos que conheço um grande diplomata russo que é, de verdade, um amigo de verdade, o Igor Kapyrin. Em cada passagem de ano e em cada Páscoa trocamos mensagens e, agora, falamos ao telemóvel. Ele e a sua família adoram Portugal, o nosso sol e as nossas praias, os nossos vinhos e a nossa gastronomia, o nosso peixe e as nossas amêijoas, os nossos ouriços e os nossos queijos, a nossa história e as nossas estórias. Há poucos anos, em Moscovo, fomos ver o Benfica e, depois, numa sua viagem a Lisboa, em comunidade, fomos ao Estádio da Luz. Em cada momento crítico o Igor dá-me a sua opinião, chama-me a atenção para um prisma diferente ou uma outra perspetiva dos acontecimentos. Com ele percebi que a águia russa - símbolo marcante daquele Estado que é um império - tem duas cabeças. Uma olha para o Ocidente e outra para o Oriente. E não esqueço que em 1994 traduzimos para português - ele traduziu e eu corrigi! - a Constituição da Federação russa aprovada no ano anterior. E essa tradução, de uma Constituição presidencialista - como o é ainda hoje! - encontra-se no primeiro número de uma revista política, Polis, entretanto já desaparecida. O que sei é que, nestes tempos de múltiplas dificuldades, tal como nos disse Francis Bacon, «a amizade duplica as alegrias e divide as tristezas»! Um abraço Igor. Daqui até aí, até Moscovo!