Sem Ronaldo há todo um alfabeto, sobretudo um Jota
E agora Portugal é uma seleção que não depende de um génio. Já na final do Europeu de há quatro anos, em Paris, Ronaldo teve de sair de campo e foi o improvável Éder a marcar o golo que nos daria o título. Desta vez, em Alvalade, com o nosso melhor jogador impedido, já não há improváveis: Diogo Jota (2) e Bernardo Silva, que marcaram os três golos com que vencemos a Suécia, são muito prováveis. Basta ver que Éder jogava no modesto Swansea City, ao passo que Bernardo está noutro City, o poderoso Manchester, e Diogo Jota no campeão inglês, o Liverpool. Os nossos jogadores internacionalizaram-se, ao ponto de, na linha inicial, apenas um deles jogar em Portugal (o veterano Pepe, mas depois de uma carreira de 10 anos no Real Madrid e uma passagem pelo Besiktas). Com essa internacionalização os nossos jogadores melhoraram o que, acompanhando a organização da Federação e a liderança de Fernando Santos - já vos disse que gosto dele? - faz com que a Seleção, ao contrário do que era habitual no passado, seja imensamente melhor do que os clubes portugueses. É um caso em que o todo nem depende das partes que aqui jogam.
Portugal enfrenta sem receio qualquer adversário. Domingo passado, em St. Dennis, contra a França, demonstrou isso mesmo e ontem, contra a Suécia, confirmou-o cabalmente. Acabou a fase em que andávamos todos de calculadora para saber se - caso o país x ganhasse por mais de três e o y perdesse por dois - tínhamos hipóteses de ir a uma fase final. Agora sabemos que dependemos de nós - e estamos à frente da França por diferença de golos, e os franceses ainda terão de vir cá jogar. Aliás, a equipa gaulesa esteve ontem empatada com a Croácia até aos 79 minutos, quando esse génio que é Mbappé, lhe deu o triunfo por 2-1 em Zagreb.
Este suplemento de alma, que tem a equipa portuguesa, terá começado pelo orgulho na seleção incutido por um brasileiro, Luiz Felipe Scolari, e tem estado no auge com Fernando Santos. Ao contrário de muitos críticos que se ouvem e leem por todo o lado, eu acho a escolha de Fernando Santos uma das melhores coisas que aconteceram à nossa equipa. Claro que a geração de futebolistas que junta, sob o comando de Ronaldo, agora provisoriamente afastado pelo maldito vírus, também contribui; bastou ver o que se passou ontem. Mas, se olharmos o passado, veremos seleções com jogadores que, em média, nada ficavam a dever aos atuais, jamais conseguirem algo que se comparasse.
E contra o FC Porto?
Já no sábado o Sporting recebe o Porto. Ainda não se sabe ao certo com quem, porque isto entre pandemias, lesões e mercados, ficou tudo um pouco confuso. Mas Rúben Amorim há de arranjar uma equipa que, se não houver mais azares e contratempos, há de ter a grande contratação desta temporada: nem mais nem menos do que João Mário, que volta como um filho pródigo para ocupar, no meio-campo, um vazio deixado pela habilidade de Wendel. João Mário tem todas as condições para se impor como um patrão da equipa, assim ele tenha vontade, disposição e ambiente, porque talento não lhe falta.
O pior, para a receção ao Porto, está na defesa. Coates, depois de um jogo pela sua seleção (Uruguai), só volta hoje aos treinos; Feddal pode estar em condições, mas anda meio-lesionado; Eduardo Quaresma está fora; restam Gonçalo Inácio e Luís Neto, que por muito esforçados que sejam, não formam um trio.
Em contrapartida, e além de João Mário, o facto de Palhinha renovar pode contar também como reforço para o meio-campo. Jovane parece que recupera a tempo; Tiago Tomás esteve na seleção sub-20, como Gonçalo Inácio e Rodrigo Fernandes, ao passo que Max, Daniel Bragança e Pedro Gonçalves jogaram terça-feira nos sub-21. Por aqui se vê a juventude da equipa que, a somar ao querer e a uma disciplina tática imposta pelo treinador, pode ser a sua salvação.
Claro que o Sporting pode ganhar ao Porto. Quando não pôde? O futebol é das artes mais imprevisíveis. Mas confesso que exultando com uma vitória sobre o Porto, gostarei de uma exibição destemida, com garra e convicção. O ano passado e o jogo do LASK chegaram-me para depressão. Além de, aqui entre nós, temer que a segunda parte do jogo contra o Portimonense já entrasse nessa espécie de depressão que consiste em baixar os braços e deixar as coisas andar. Espero ter entendido mal o que se passou, e que o Sporting redima essa imagem já neste sábado à noite, em Alvalade.
Agostinho e a camisola Rosa
Os feitos de João Almeida na Volta à Itália são completamente surpreendentes. Ontem, por causa dele, fiquei pregado à TV para ver a chegada a Rimini, final da 11.ª etapa. Há anos que desistira da Volta à Itália, ao contrário das voltas a França, Espanha e Portugal. Desde Acácio da Silva, em 1989, que naquelas paragens nenhum português fizera algo de destaque. E eu tenho pelo ciclismo uma paixão especial, que vem de Joaquim Agostinho. Em miúdo passava férias na Praia de Santa Cruz, e o Agostinho era natural das Brejenjas, ali a um ou dois quilómetros. Foi descoberto para a modalidade, já tarde, depois da tropa feita, por outro grande sportinguista e vencedor da Volta a Portugal 1963, que nasceu em Casalinhos de Alfaiata, a uma légua dali - o João Roque.
Agostinho foi um herói da minha juventude. Tendo começado a sério com 25 anos, em 1968, depressa se tornou o ídolo da zona (tanto ele como Roque nasceram no concelho de Torres Vedras) e depois de Portugal inteiro, sendo considerado, até hoje, o melhor ciclista português, apesar da sua já longínqua e estúpida morte, na Volta ao Algarve, em 1984. Na época, as férias grandes dos estudantes eram enormes e abarcavam as semanas em que decorriam as provas que nos interessavam - as voltas a Portugal e a França (onde Agostinho ganhou a mítica etapa do Alpe d’Huez). Aprendi o jogo de estratégia que é o ciclismo, o esforço quase sobre-humano que exige a cada atleta; o trabalho de equipa que impõe; a camaradagem que motiva. No essencial, e apesar das grandes rivalidades, como a de Anquetil com Poulidor, ou mais tarde as goradas tentativas de Agostinho para destronar Eddy Merckx, nunca o ciclismo deixou de ser um desporto de superação pessoal e coletiva. E eis que quando, tirando os esforços de Rui Costa e poucos mais, não se via no pelotão internacional um português a fazer as honras de Agostinho, este jovem João Almeida, ali de um concelho também do Oeste (Caldas da Rainha), anda há uma semana com a camisola de líder (que em Itália é rosa) e outro português, Ruben Guerreiro, com a camisola azul, a da montanha.
Hoje a etapa é difícil, mas também a de ontem foi, e João Almeida cortou a meta em 22.º com o mesmo tempo do que o vencedor, mantendo a liderança na geral. Só que as subidas, embora de 3.ª e 4.ª categorias, não serão o forte de Almeida. Amanhã, a etapa é mais plana, mas no final tem duas contagens de 4.ª categoria, a última das quais a, sensivelmente, 16 km da chegada. E sábado há um contrarrelógio de 43 km. Veremos até onde aguenta João Almeida, que depois ainda terá mais uma semana pela frente. Que faça o melhor. Por ele, pela equipa, pelo ciclismo português e… por Agostinho.