Secretaria de Estado do Desporto - que mudança?

Secretaria de Estado do Desporto - que mudança?

OPINIÃO18.03.202305:30

Só questionando, ouvindo, desafiando se pode melhor o desporto português

QUAL a mudança a sugerir à ação da tutela governamental a nível desportivo, a secretaria de Estado do Desporto? Proporia, para começar, que revelasse disponibilidade para mudar o que (não) tem feito até ao momento.

No âmbito das tomadas de decisão de quem lidera (um País, uma área governamental ou uma equipa) mais do que estar preparado para o que é esperado, trata-se de ser capaz de gerir o inesperado e a complexidade do dia a dia e, principalmente, do comportamento humano. Envolvendo tudo e todos com os objetivos coletivos a serem alcançados. Compatibilizando ambições individuais e coletivas, consciente que ninguém ao serviço do coletivo, abandona as suas expectativas e ambições individuais. Conseguindo que indivíduos e organizações se superem, a caminho do sucesso e da afirmação individual e coletiva. Gerindo de modo correto as expectativas e as ambições individuais de cada um dos cidadãos e respetivas organizações a que pertencem. Sabendo que precisam ser responsabilizados por via de uma constante participação na definição dos objetivos a atingir e no planeamento necessário para o conseguirem. 

Mas não bastaria ficar por aqui! 

POR vezes a liderança apresenta um carácter tóxico, com efeitos desastrosos nas atitudes e comportamentos de quem é dirigido. O que significa que nem sempre as dificuldades que se verificam no âmbito do exercício da liderança têm a ver em exclusivo com a falta de motivação daqueles que são dirigidos. Alguns líderes, através da pouca preparação que revelam e dos erros que por essa razão vão cometendo, inquinam (envenenam mesmo!) o ambiente de trabalho das pessoas e equipas que dirigem. 

Não é fácil conseguir um verdadeiro compromisso emocional, pois este exige que existam objetivos e interesses comuns, se complementem objetivos individuais e coletivos e se definam regras da vida coletiva (disciplina assumida) e tarefas (o quê, quando, como). Idem no que respeita a uma participação, responsabilização e envolvimento de tudo e de todos. Tal como uma adaptação à tarefa e gostar do que se faz, retornos intrínsecos e extrínsecos e gestão das expectativas individuais. 

Ou incrementar quanto baste uma fundamental distinção e reconhecimento e conseguir que quem lidera seja sempre um modelo e uma referência. 

Acapacidade de superação de indivíduos e organizações, depende, acima de tudo, de os líderes conseguirem que os seus desafios também sejam os daqueles que dirigem. Envolvendo-os num projeto coletivo, onde os desafios a enfrentar sejam assumidos por todos, sem exceção. Para que haja superação, os desafios das organizações têm de ser os das pessoas que as compõem, numa profunda identificação coletiva em que o todo seja maior que a soma das partes. 

O que significa que a atual secretaria de Estado do Desporto necessita estar preocupada com todos nós, simples cidadãos ou clubes, como também Associações ou Federações e Ligas profissionais ou Faculdades de Desporto. Somos um todo que, para ser maior que a soma das partes, necessita ser inspirado e mobilizado. Para isso devem perguntar-nos e, principalmente, ouvir-nos acerca das soluções que julgamos necessárias. 
 

João Paulo Correia, o secretário de Estado 

NOS dias que passam e para além de uma constante preocupação com aqueles com quem trabalham, devem também dar-nos constantes feedback acerca do que vamos fazendo. Afinal o feedback de quem governa constitui um utensílio decisivo para a melhoria de competências de todos nós.
 
O já falecido, mas ainda famoso e sempre recordado, John Wooden, treinador de basquetebol norte-americano, sintetizou bastante bem o que é fundamental ter em linha de conta quando uma liderança tem como objetivo ‘construir’ uma equipa vencedora. Disse ele que «mais do que jogadores altos, quero saber a que altura querem jogar.» Numa clara alusão à importância de, ao fazer recrutamento, detetar a ambição individual e respetivos objetivos e expectativas daqueles que pretende mobilizar. Acrescentando que «mais do que jogadores fortes fisicamente, prefiro buscar aqueles cuja agressividade mental os distinga dos restantes», e que «mais do que jogadores rápidos em termos de deslocamento, opto sempre pelos que revelam maior rapidez em termos de tomada de decisão.» 

Ou seja, se John Wooden tivesse tido a oportunidade de ser o nosso atual secretário de Estado do Desporto, andaria já há algum tempo pelo País, questionando-nos, ouvindo-nos, desafiando-nos, aferindo de forma continuada quais as nossas ambições e desígnios para um futuro desporto português cada vez mais eficiente e eficaz.

Afinal, melhorando também gradualmente nesses contactos pessoais a confiança a ser estabelecida entre quem dirige e quem é dirigido. Confiança e respeito mútuos, assentes em aspetos bem objetivos de uma cada vez mais profunda inter-relação pessoal. Mas não só, pois o respeito pela individualidade dos outros, começa no modo como o líder aprofunda o seu autoconhecimento. Também na necessária honestidade nas palavras e coerência das ações que leva a cabo. Quem mente ou é incoerente relativamente ao que diz defender, não é naturalmente confiável. Tal como na preocupação que evidencia com os outros, como forma de demonstrar ser capaz de estar para além do seu próprio umbigo. 

NA vida aprendemos que para haver superação tem de existir pressão, exigência, aqui e ali mesmo adversidade. Quase sempre, é na dificuldade que nos transcendemos na busca da concretização de determinados objetivos. O que nos deve levar a concluir que se a secretaria de Estado do Desporto tem como meta mobilizar individual e coletivamente a devida superação de todos nós, a cultura e os valores que rodeiam a realidade desportiva portuguesa e os colaboradores que nela servem devem conter ingredientes fundamentais. Saber qual o propósito que nos move, envolver-nos coletivamente na busca do que pretendemos, elevar os níveis de confiança e compromisso com os objetivos comuns, flexibilidade perante a mudança, gerir bem os sucessos não permitindo prejudiciais acomodações, reconhecer e distinguir os que assim o justifiquem, criar por todo o país um fundamental orgulho de pertença. O que significa que o desafio que se depara neste momento à secretaria de Estado do Desporto é o de todos possuirmos uma visão clara do que pretendemos atingir e como fazê-lo, envolvendo nessa tarefa tudo e todos. Parecendo complexo, é simples. Liderança e trabalho em equipa, precisam-se a nível nacional no desporto!  

JÁ agora e aproveitando a ocasião, mais alguns apontamentos. Entre as muitas leituras que me impressionaram ao longo dos anos, ocupa um lugar de destaque o livro Hard facts, Dangerous hard truths and total nonsense de Jeffrey Pfefer e Robert I. Sutton, publicado em 2006 pela Harvard Business School Press. A citação que passo a transcrever fazia parte dessa obra. «Os maus líderes destroem a saúde, a felicidade, a lealdade e a produtividade dos seus subordinados». 

Obviamente, esta afirmação já não constituía então uma novidade. Nomeadamente por tudo aquilo que tinha podido constatar enquanto treinador comportamental a nível empresarial, desde que em 1997 criei a Team Work Consultores. Mas já é bem mais estranho e inadmissível que continuemos ainda hoje a encontrar preocupantes sinais que este tipo de problema não só persiste, como justifica mesmo o arranque de um movimento a nível mundial, desmascarando e apontando os danos pessoais que as designadas lideranças tóxicas têm vindo a provocar naqueles que têm a infelicidade de viver experiências profissionais desse tipo.

Diversos estudos e investigações demonstraram no passado recente que as lideranças mais preocupadas em revelarem empatia e preocupação com a saúde mental daqueles que lideram, são precisamente as que mais e melhor alcançam contributos confiantes e produtivos dos seus colaboradores, bem como uma quase total ausência de sinais de stress profissional.  

ESTÁ hoje claramente demonstrado, no que respeita à liderança de pessoas e equipas, que não são as palavras, muito menos as boas intenções dos líderes, que repercutem mais profundamente naqueles que dirigem. Mas sim o impacto das suas atitudes e comportamentos, o exemplo que sabem ser, a coerência que expressam, a confiança que suscitam, a autoridade que lhes é reconhecida e sem precisar de ser imposta. 

Dizer e defender algo para o coletivo, exige a quem lidera ser um modelo e uma referência no que respeita ao respetivo cumprimento. Será que no momento atual registamos que a atual secretaria de Estado do Desporto português está preparada para nos dar todas estas respostas? Tem a palavra o leitor. No que respeita a esta minha opinião julgo ter deixado bem claras as minhas dúvidas.