«Se ganhar o Sporting ninguém fica chateado»
1 - O futebol é a soma (nem sempre aritmética) de momentos bons e maus. Como diz Bruno Lage, o futebol é presente. Passa-se de um estado de euforia à depressão e desta à exaltação (e vice-versa) num abrir e fechar de olhos. Por isso, nem excessos a mais (passe o aparente pleonasmo) num momento positivo, nem defeitos a mais num momento negativo. É sempre uma atitude de sensatez refrear entusiasmos face ao céu limpo e brilhante, como saber relativizar nuvens que, tarde ou cedo, anunciam desalento.
O certo é que há presentes mais (des)iguais do que outros. Escrevo depois da saborosa, justa e escassa vitória do Benfica contra o seu histórico rival lisboeta e nacional e do percalço do Porto em Guimarães. Falo de um presente que hoje já é passado, ainda que de boa memória e espero por um futuro que amanhã será presente (novo jogo, agora para a Taça). Quanto ao passado, importa registar que, em Alvalade, o Benfica igualou o número de vitórias da equipa leonina (32), enquanto, jogando em casa, a diferença é avassaladora (46 contra 15). Aliás, nos últimos dez anos, o SLB só uma vez foi derrotado em Alvalade (em 2012).
O sempre ungido Sérgio Conceição, na antevisão do Vitória-Porto, resolveu falar do dérbi lisboeta. E disse: «Dérbi? Se ganhar o Sporting ninguém fica chateado». Pois é, a amizade entre dragões e leões está acima de tudo, mesmo depois dos amuos na final da Taça da Liga. Eu que não passei procuração a Conceição e pertenço ao grupo dos ninguém agradeço, enternecidamente, a petite provocation do mister. Afinal no fim do dia, como agora sói dizer-se em estilo anglo-elitista, foi o técnico portista que ficou chateado, assim reduzindo a pó o ninguém que, afinal, é alguém.
2 - Categórica exibição do Benfica, que até me fez lembrar a que há 25 anos resultou num mágico e inesquecível 6-3, agora com João Félix a emular o então encarnado João Pinto.
Um clássico com 6 golos (escassos os do Benfica face à superioridade incontestada) já não se via há muito. Pelo contrário, andávamos a ter que gramar os 0-0, 1-0, 0-1 ou, mais esparsamente, uma goleada de 2 golos. Que belo jogo em Alvalade, sem calculismos paralisantes, sem tacticismos cinzentos, sem quezílias despropositadas, sem o monopólio anestesiante e entediante do futebol só jogado a meio-campo! Basta compará-lo com os jogos de amizade SCP-FCP onde para ninguém perder, ninguém ousa ganhar.
E, desta vez, não há sequer o pretexto ou desculpa da arbitragem. Isto apesar de - no que seria o segundo golo do SLB e primeiro de J. Félix - até se poder perguntar como é que Artur Soares Dias, a um metro da vista, achou que não havia falta (até esbracejou para a jogada seguir) e, a mais metros no monitor, mudou de opinião. Mesmo admitindo que foi falta, pergunto: por que razão aqui se anula o golo e em duas faltas bem mais notórias no Porto-Benfica da Taça da Liga, o VAR e o árbitro decidiram por uns miminhos portistas. Onde está a equidade do critério?
3 - Jogaram ou sentaram-se nos bancos das duas equipas 14 jogadores portugueses: o Benfica com 8, o Sporting com 6. E, no Benfica, houve 5 atletas recente e directamente vindos da formação.
Há coisas que para um leigo embora atento, como eu, custam a compreender. Ver Samaris como suplente de suplentes no consulado anterior, observar Gabriel antes inconsequente centro-campista, agora consistente médio e, sobretudo, durante semanas a fio, ver jogar João Félix fora de posição nuns esparsos e esmolares minutinhos.
Bruno Lage tem sido uma boa surpresa, até nas conferências de imprensa. Alguns dos jornalistas sempre presentes nessas liturgias mediáticas ficam sem o brinquedo com que adornam perguntas lapalissianas, tontas, deslocadas ou armadilhadas. E porquê? Porque Lage responde de um modo enxuto: 10, 15 segundos, sem adiposidades, sem redemoinhos palavrosos, em suma e em inglês, em estilo shot. Fala de futebol e não do que não é para lá chamado, explica opções técnicas, não perde tempo com elogios hipócritas à outra equipa ou críticas mordazes às arbitragens (mesmo que, como na Taça da Liga, fosse quase irreprimível). Como ele tem repetido, em futebol não lhe interessa o se, que é o refúgio dos indecisos ou medrosos. «O jogo com o Sporting vai ser uma final» disse na antevisão do dérbi, assim arriscando e se esquivando à treta de «é apenas mais um jogo, só vale 3 pontos», etc., etc. «Jonas e Fejsa estão convocados?» Resposta com um só vocábulo: «Não». Outros diriam blá, blá, blá, amanhã saberão, etc., etc. «Castillo e Ferreyra fazem falta?». Responde: «Não foi o senhor que a semana passada me perguntou sobre o Jonas e nada disse sobre os que agora refere?». De um visionário jornalista: «Como é que jogando em 4-4-2 os dois sul-americanos foram dispensados?», a que B. Lage respondeu ensinando: «4-4-2 quer dizer 4 na defesa, 4 no meio-campo e 2 avançados. Ouviu? Falei de avançados e não de pontas-de-lança. E tenho 5 avançados» (o jogo em Alvalade ilustrou bem esta ideia).
Temos treinador. Não se deslumbra com cada dia presente, nem esmorece com momentos negativos. Não está à frente da equipa por «ter mau perder». Prefere sempre a serenidade, ganhando ou não, sem tiques vedetistas, vozeirões exaltados ou afirmações subliminares.
4 - Antes desta última jornada, o Benfica estava na iminência do intervalo de [-8 pontos, - 2 pontos] atrás do FCP e [+ 2 pontos, + 8 pontos] à frente do SCP. No fim dos jogos, ficou a 3 do Porto e com 8 (em bom rigor 9) de avanço sobre os leões. Jornada muito positiva que tem três consequências: a) o Benfica volta a depender de si próprio para se sagrar campeão; b) A luta para o título e 2º lugar de acesso às eliminatórias da Champions está limitada ao Porto, Benfica e - é bom não esquecer - Sp. Braga que, por acaso, até recebe os seus directos concorrentes em casa; c) Considerando os jogos teoricamente mais difíceis, o Benfica já jogou com o Vitória e o Sporting (faltam FCP e Sp. Braga), o Porto apenas com o Vitória (faltam Sp. Braga, Benfica e SCP) e o Braga ainda não enfrentou nenhum destes adversários. Vale o que vale, até porque nem sempre é nesses jogos que se perdem pontos decisivos. Foi o caso da primeira volta do Benfica, com 11 pontos (!) perdidos com Chaves, Belenenses, Moreirense e Portimonense. Enfim, para quem já havia enterrado o Benfica e glorificado o Porto, esta segunda volta ainda promete…
5 - Não havia necessidade… refiro-me à oportunidade da entrevista do presidente do Sporting na televisão pública. Pelo menos, no que diz respeito às suas declarações sobre o Benfica e seu presidente, em vésperas do grande dérbi. Felizmente, do lado do SLB, imperou o silêncio, antes e depois do jogo. Admito que, numa fase menos boa do clube - que, apesar de tudo, emergiu de uma gravíssima crise com os menores danos possíveis - despender parte significativa da entrevista falando do rival é fácil, é barato (embora não dê milhões), a turba aprecia, o (seu) povo aplaude e os problemas internos ficam a marinar. Esta pan-obsessão pelo Benfica é patológica. Do lado dos rivais, fala-se mais do Benfica do que dos próprios clubes! E sempre com o moralismo de como se tudo neles fosse imaculado, sem processos, sem pressões e de uma respeitabilidade à prova de bala…
6 - Encerrou mais um mercado de Inverno. Menos entusiástico e chorudo do que em anteriores épocas. Por cá, esta janela mercantil foi aproveitada de diferentes maneiras: o Benfica a despachar monos ou decepções e a promover jovens; o Sporting surpreendentemente endinheirado ou avançado em receitas futuras a comprar hipóteses de maravilhas e diamantes por lapidar; o Porto, num misto de entradas, saídas e regressos, tentando não repetir os erros do Inverno passado em que se craques vieram, dispensados saíram.
É bom chamar jogadores da equipa B que têm dado boas provas e podem ser muito úteis na equipa principal: Ferro, Jota, Florentino e Zlobin. Assim se dá seguimento a uma política de formação sustentada. Poupou-se na folha salarial e dá-se oportunidade a jogadores promissores e conhecedores da grandeza do clube. É assim que entendo a razão de ser da equipa B: a de haver uma intercomunicabilidade não apenas ocasional, mas sistemática entre ela e o plantel da equipa principal.