Saudades de golo
RIGOROSAMENTE confinado em casa há mais de uma semana por força da pandemia que o escritor franco-libanês Amin Maalouf, autor do celebrado O Naufrágio das Civilizações, considera «um dos acontecimentos mais extraordinários de todos os tempos» (disse-o em entrevista ao jornal I), não deixo por isso de seguir os jornais e as televisões (portugueses e estrangeiros) que fazem parte do meu dia a dia há uma eternidade. Por causa da singularidade deste momento excecional - o Mundo parado a combater em casa (!) um inimigo invisível … mas terrivelmente manhoso e maléfico - a minha coleção de primeiras páginas com história aumenta a um ritmo vertiginoso e nela encontram-se muitas de jornais nacionais: imaginação e criatividade não faltam aos nossos designers e aproveito para saudar os de A BOLA, que têm produzido com a regularidade dos eleitos primeiras páginas de classe mundial. A todos eles um forte abraço virtual enquanto não nos reencontramos no sítio do costume.
Escrevo este texto de olhos postos nos sites dos jornais ingleses a acompanhar a preocupante situação clínica do primeiro-ministro britânico Boris Johnson, um dos líderes europeus com maior taxa de aprovação popular na gestão da pandemia: 55% dos britânicos apreciam o que ele tem feito. Boris apareceu nesta segunda-feira na capa do jornal madrileno ABC ao lado de cinco parceiros continentais e respetivas taxas de aprovação: o francês Emmanuel Macron (39%), o espanhol Pedro Sanchez (apenas 27%), a teutónica Angela Merkel (63%), o italiano Giuseppe Conte (com uns surpreendentes 71%) e o nosso António Costa, que rebenta a escala com 75% de aprovação dos portugueses (o correspondente do ABC baseou-se na recente sondagem do Expresso). Aqui está um ranking em que vale a pena estar na frente; e há outros, mais importantes, em que estamos igualmente bem posicionados. Até agora os números da pandemia indicam que Portugal - quer dizer: os portugueses - tem respondido à crise e ao que lhes foi pedido com um civismo primeiro mundista. Pois. Quando vemos o que aconteceu em Espanha e Itália, nos Estados Unidos e até mesmo em França…
Agora que o lay-off começa a ser notícia também no futebol doméstico, volto à Inglaterra de Alexander Boris de Pfeffel Johnson (é mesmo o nome dele, assim como Nova Iorque a cidade que o viu nascer), onde o meu Liverpool é notícia por más razões. A direção do clube colocou todos os seus funcionários extra-futebol num regime semelhante ao lay-off (estado paga 80% dos ordenados, clube assegura 20%) aproveitando as condições especiais concedidas pelo governo de Boris a pensar nas empresas em dificuldade. Ora o Liverpool está muito longe de ser uma pequena ou média empresa com a corda na garganta. É um clube rico e poderoso que apresentou nos últimos dois anos lucros de 167 milhões libras (190 milhões euros). É verdade que houve outros que fizeram o mesmo - Tottenham, Newcastle, Bournemouth e Norwich - mas não deixa, no caso do Liverpool, de ser um oportunismo indecente; que foi imediatamente criticado por figuras históricas do clube, com o antigo e grande capitão Jamie Carragher à cabeça, e que vai contra tudo o que é o espírito que o visionário Bill Shankly (um abraço ao Paulo Teixeira Pinto) instituiu naquele clube: o de uma família unida e solidária com uma ética de trabalho, uma ligação aos adeptos e uma consciência cívica exemplares; uma maneira muito especial de estar no futebol de que o próprio Jurgen Klopp tem sido um excelente porta-estandarte. Shame on you por essa chico espertice, John William Henry, magnata americano dono do Liverpool! Imagino o desgosto de Kenny Dalglish, Ian Rush, Alan Hansen, Steven Gerrard…
VIVA O GOLO
Falemos então do desporto-rei. Tenho saudades de ver jogos, competição, estádios cheios. Tenho saudades de ver e escrever: golo. Golo é o momento e a palavra mais importante do futebol. Quem os marca tem sempre o lugar garantido no onze e nas manchetes. Gostaria por isso de lembrar os futebolistas portugueses que mais golos tinham marcado até à chegada do maldito vírus. Consultem o quadro anexo e encontrarão no pódio, além do suspeito do costume (o líder Cristiano Ronaldo, com um total de 36 golos - 25 pela Juventus mais 11 pela Seleção), dois médios amigos que partilham, além do pé quente, nomes próprios e apelidos. Um joga no Benfica, chama-se Luís Miguel Fernandes (alcunha: Pizzi) e vai com 27 golos. O outro jogava no Sporting (foi para o Manchester United), chama-se Bruno Miguel Fernandes e vai com 19 golos. Dificilmente estes dois médios impedirão Cristiano de se sagrar rei dos marcadores portugueses pela 13.ª vez em 14 épocas, mas isso não deslustra aquilo que têm feito.
Lembro que em maio do ano passado Bruno Fernandes, com a camisola do Sporting, tornou-se o primeiro jogador português desde 2006 (Pauleta, PSG; 38 golos) a terminar uma época com mais golos que Ronaldo (32-31). E não só: tornou-se também o médio mais goleador da história do futebol europeu, suplantando as cifras do inglês Frank Lampard. Pizzi, embora aquém do brilhantismo do novo líder dos red devils, tem sido o BF desta época pela quantidade de golos decisivos e pela regularidade com que tem salvo o Benfica de apertos. O médio benfiquista está a cinco golos do recorde do amigo Bruno e a seis de atingir a vintena no campeonato que Bruno conseguiu na época passada. Conseguirá lá chegar? Bem, quando o vírus surgiu o Benfica vivia uma crise danada (uma vitória em oito jogos) que já nem os golos e assistências de Pizzi (que até falhou penáltis em dois jogos seguidos…) conseguiam disfarçar. Veremos o que mudou quando (e se) o futebol regressar.
Pizzi sabe que tem mais onze jogos certos para marcar golos (dez no campeonato e a final da Taça de Portugal), contra um mínimo de 11 jogos de Bruno Fernandes (Premier: 9 ; Taça de Inglaterra: 1; Liga Europa: 1) e um mínimo de 14 jogos de Cristiano (serie A: 12; Taça de Itália: 1; Champions: 1). Se tudo correr pela normalidade, Cristiano, com 35 anos, ultrapassará mais uma vez a barreira dos 40 golos e Pizzi terminará como vice do juventino. Não custa adivinhar que o SC Braga terá dois jogadores com 20 ou mais golos na lista - são eles Ricardo Horta (tem 19) e Paulinho (18) -, podendo os gémeos goleadores Marco e Flávio Paixão (o primeiro na Turquia, o segundo na Polónia) atingir também essa marca. Quando penso na carreira destes dois trintões e na quantidade de golos que continuam a marcar época após época, cada vez me custa mais perceber por que razão nunca tiveram uma chance na Seleção…