Saudade, tristeza
Talvez tenhamos sentido saudades do futebol cedo de mais. Saudade, a tal palavra que alardeamos intraduzível, e não é. É, sim, um tema giro, com debate nos clássicos.
«Soledad em castelhano é solidão em português, não é igual, porque a saudade é coisa que se pode sentir dentro da gente, mesmo com pessoas à volta», arrisca o tio Justino em Sinais de Fogo de Jorge de Sena, para que o espanhol que o visita, fugido da guerra, contraponha: «Mas a solidão pode sentir-se entre amigos. La soledad… Eu - levando a mão ao peito - sinto-a, longe dos meus e do meu país, por cujo destino temo.» Não só nos clássicos, de resto. Explica melhor ainda - para mim melhor que toda a gente - o professor Fernando Venâncio no recente Assim Nasceu uma Língua - que livro! Acha ele: «Quando os galegos criaram o vocábulo soidade, é que estavam dele precisados. Os portugueses herdaram o nome e a coisa, e foram-nos mudando para saudade. Da solidão derivou-se para a saúde, uma curiosa etimologia popular, que legitima, in extremis, a pretensão portuguesa de ter inventado o termo, mas não a de engendrar a insólita emoção.» Não somos donos de sentimentos, claro. Se definirmos a saudade como a mistura de perda, distância, amor, haverá vocábulos próximos noutros idiomas. E outros que o são para nostalgia, melancolia. Uns significam falta de casa, de alguém, de algo, desejo de rever. Os demais povos dizem o que sentem, nas palavras deles, e sentem como nós.
Mas quem sabe se o futebol, afinal, nos auxiliará a completar o que possa ter a palavra de objetivamente exclusivo. Pois é pelo futebol que agora perguntamos se tínhamos saudades disto? De péssimos jogos, de treinadores que inventam problemas de arbitragem, de pedradas a autocarros e ameaças em portões? Quando pensamos no que podia ser cá o futebol e no que é, questionamos se era desta tristeza que sentíamos falta. Aí sim, se calhar só nós é que sabemos ter saudades disto.