São eles ou nós

OPINIÃO23.10.201904:00

1 Basta ter visto as cenas de violência gratuita protagonizadas pelas claques do Sporting sobre os pacíficos adeptos do Alverca, quando estes abandonavam felizes o estádio após a sua vitória sobre os leões; basta ter ainda na memória a carga dos energúmenos de Alcochete, felizes e convencidos que eram heróis por irem invadir um balneário para agredir jogadores desprevenidos; basta recordar a horda dos destemidos casuals, todos vestidos de negro e preparando-se para atacar espectadores portistas que se preparavam para entrar no Dragão, com mulheres e crianças à mistura, para assistir a um FC Porto-Sporting; basta ver as arruaças que eles montam nas Assembleias Gerais do clube, onde só pode falar quem eles deixam, para sabermos de que lado está a razão na guerra civil desencadeada entre as claques e a Direcção do Sporting Clube de Portugal.

Não me compete a mim saber ou dizer se o Sporting é bem ou mal gerido pela actual Direcção: tenho a minha opinião sobre isso, mas ela não vem ao caso, pois não é isso que importa. O que importa é saber se os clubes portugueses, e não apenas o Sporting, devem continuar capturados por bandos de arruaceiros ociosos, que, muitas vezes, não são mais do que associações criminosas - organizadas enquanto tal e apoiadas pelos clubes. Trata-se de saber se os estádios, os pavilhões, os clubes e o futebol é deles ou é nosso. Dos que compramos bilhetes ao preço tabelado e pagamos quotas de sócios ou lugares de época, não para estarmos ali a insultar e ameaçar adversários e até jogadores ou dirigentes do próprio clube, dando vazão a frustrações e impotências de outra ordem, mas apenas porque amamos o nosso clube e amamos este jogo maravilhoso. Sem que para tal seja preciso e aceitável transformar os estádios em lugares de raiva, ódio e selvajaria, onde gente normal se transforma em animais irracionais. É disso que se trata.

E é por isso que a decisão da actual Direcção do Sporting de retaliar contra as suas claques é uma decisão corajosa e que poderá fazer história. Se Frederico Varandas e os seus pares perderem esta luta é provável que o Sporting desapareça para sempre como clube unido por uma paixão comum. Mas, mais do que isso, será um sinal dado a todas as claques de todos os clubes de que elas são invencíveis e de que sem o seu apoio (comprado) é impossível gerir um clube pacificamente. Já ouvi, bastas vezes, inúmeras vozes de quem «está por dentro» garantindo que as claques são imprescindíveis aos clubes. Talvez o sejam - mas outras claques, não estas. Com estas, a escolha é simples: trata-se de querer misturar gente de bem com arruaceiros, de misturar quem verdadeiramente ama o seu clube, sem nada esperar em troca, com quem se serve dele para outros fins; e de querer continuar a fazer coabitar uns e outros até ao limite da tragédia anunciada.

A Direcção do Sporting não pode estar sozinha e ser abandonada à sua sorte, neste combate que é de todos e onde se joga o futuro de um espectáculo e de toda uma actividade que a maioria deseja que possa ser frequentável por todos. Todos os dirigentes sérios, todos os espectadores que não se revêm nem querem viver com estes métodos de apoio ao clube, todos os jornalistas isentos e lúcidos, devem estar ao lado de quem ousou fazer frente ao terrorismo dos estádios. E o governo da nação não pode, definitivamente, continuar a assobiar para o ar com o argumento de que os clubes são entidades privadas, quando o que está em causa é a ordem pública e a segurança de pessoas e bens. Chegou a hora de dizer basta! São eles ou nós.

A única boa notícia no meio da crise em que está mergulhado o Sporting foi para nós, portistas. Este ano, nem na Taça de Portugal e, ao que parece, nem na Taça da Liga, cairemos nas finais, derrubados pelos penalties salvadores dos sportinguistas, com o condão de transformarem em vitórias e títulos aquilo que em jogo jogado jamais justificaram. Obrigado, Alverca! Obrigado e parabéns: nunca imaginei ver uma equipa de terceira divisão jogar um futebol com aquela categoria e organização.

O tão badalado Estádio Municipal de Braga, orçado em 65 milhões de euros, já vai em 175 milhões de custo efectivo - a que ainda há a acrescentar mais umas dezenas, por via de dívidas em cobrança judicial, mais os respectivos custos e juros de mora. Ninguém será, obviamente, responsabilizado: isto é Portugal, é o Estado a gerir e o dinheiro é integralmente dos contribuintes.

Vencedor de duas Voltas a Portugal com a camisola da W52-FC Porto, o espanhol Raul Alárcon, foi agora apanhado no controle remoto do doping. Como sempre sucede, também ele jura inocência e vai pedir contra-análises. Mas, a menos que aconteça um raro erro no controlo, a contra-análise confirmará o primeiro veredicto e os dois títulos maiores do ciclismo português ser-lhe-ão retirados. O problema é que também estamos sujeitos a vir a descobrir mais tarde que aqueles que, por força dos regulamentos, venham a herdar esses títulos, poderão adiante ser também apanhados pelo «passaporte biológico». A regra do jogo no ciclismo é essa: os métodos do doping estão sempre a evoluir para mais sofisticados e sempre à frente um par de anos da capacidade de o detectar. Assim, festeja-se hoje os heróis da estrada, para amanhã descobrirmos que estivemos a festejar simples batoteiros. Depois de descobrirmos que Lance Armstrong,  herói de nós todos, o homem que superara um cancro terrível para vencer seis Voltas à França, afinal o fizera com a ajuda decisiva de umas injecções mágicas, nada mais voltou a ser como dantes - para mim, pelo menos. E, todavia, o ciclismo fez parte empolgante de todos os Verões da minha infância e juventude e ainda hoje, através das filmagens televisivas, é um espectáculo fabuloso. Mas já não é um desporto, é um laboratório químico sobre rodas e uma imensa mentira. Pode ser que haja - e decerto haverá - inocentes neste mundo sujo. Mas, se os há, são raros e têm a má sorte de serem irremediavelmente atingidos pela má fama que os outros ajudaram e ajudam a disseminar. Então, vale a pena fazer a pergunta: se um homem não consegue «trepar ao Alpe d’Huez só com Eau d’Évian e bife grelhado», como disse um dia o nosso herói Joaquim Agostinho, se não é possível conseguir aqueles tempos, aquelas escaladas e aqueles sprints só por métodos naturais, porque não se encurtam as etapas e não se escala só metade das montanhas? Mais vale meia proeza do que uma mentira completa.

E, por falar em suspeitas e batotas: o grande, o incensado, Sir Alex Ferguson está sob suspeita de ter aceite viciar um jogo do seu Man United a troco de um Rolex de 35.000 euros. Salvaguardando a presunção de inocência, deixem-me dizer que a simples divulgação da suspeita deixa-me feliz. Quando foi do ‘Apito Dourado’, quando nada estava ainda apurado ou sequer julgado, quando as suspeitas que a justiça não confirmaria não passavam disso mesmo, houve duas pessoas que, na cena internacional, logo condenaram o FC Porto e espalharam aos quatro ventos que era um clube batoteiro: Alex Ferguson e Michel Platini. Ambos movidos pela inveja de ver um clube pequeno sobrepor-se aos seus milionários clubes. Pois bem: Platini foi afastado do futebol depois de provada a sua corrupção na atribuição do Mundial de futebol ao Catar; e o Sir Alex acaba agora de ter de se explicar por causa de um relógio de 35.000 euros. Ah, como sabe bem a vingança servida fria!