Saber sofrer!
Amorim e os jogadores são os ‘culpados’ desta ansiedade, porque nos levaram a um ponto que ninguém imaginava ou julgava possível
APÓS o jogo em Faro, com o Sporting local, Rúben Amorim afirmou que os adeptos do Sporting têm de saber sofrer. Tal conselho é, como diz o povo, «ensinar a missa ao vigário», pois todos sabem que nascer sportinguista é nascer para sofrer, ao ponto de, se fossemos todos do Sporting, os cardiologistas teriam de mudar de especialidade médica.
Quando ouvi essas palavras a Rúben Amorim quase pensei que estava a gozar connosco ou que tinha acabado de chegar de Marte, mas é evidente que foi uma pequena ironia, pois quem tem de aprender a sofrer é ele próprio, que não consegue disfarçar o sofrimento no banco, como na bancada. Aliás, sabia perfeitamente o que o esperava em matéria de sofrimento, o que releva ainda mais o ter aceite o desafio de ser treinador do Sporting. Sabe bem que só o facto de servir o Sporting é razão para sofrer e na sua própria pele. Quanto mais não fosse, por isso, mereceria a minha admiração, pois o que é vulgar e corrente para quem começa é a submissão ou vassalagem ao sistema!
No artigo que escrevi no dia seguinte ao tal jogo de Faro, também ironizei com Rúben Amorim dizendo que tenho mais anos de sofrimento que Rúben tem de idade! Fiz no sábado passado 74, mais do dobro da idade do Rúben; e, só estes dois períodos de longo jejum do campeonato, somam um pouco mais que a idade dele. Mas neste sofrimento também tenho de incluir as vitórias, pois também para ganhar é preciso sofrer e sofrer muito. A ansiedade também causa sofrimento!
Quando digo que nasci sportinguista para sofrer não quero dizer que os meus 74 anos foram de sofrimento físico e moral. Sofrer naquele sentido significa, como é evidente, ter paciência, tolerância, aceitar que nem sempre se pode ganhar. Até porque o sofrimento dá outro valor às vitórias, elas sabem melhor, e para quem é do Sporting elas são muitas, em muitas e variadas modalidades!
Aliás, nasci em 1947 e, neste ano, 1948 e 1949 fomos campeões, num tri que antecedeu o primeiro tetra da história - 1951, 1952, 1953, 1954! Em oito anos, sete campeonatos. Não nasci, portanto, em tempo de sofrimento, mas de abundância. Só vivi, ou pelo menos só tenho memória, do título de 1954, em que assisti à festa do título, ainda no velho estádio do Lumiar. Depois tive consciência bem nítida dos títulos de 1958, 1962, 1966, 1970, 1974, 1980, 1982, 2000 e 2002.
Por outro lado, não posso dizer que, ao longo da minha vida, o Sporting me tenha causado sofrimento físico ou moral. Seria muito injusto, e até ofensivo, relativamente a tanta gente que passa uma vida em sofrimento físico, com fome e outros males - situações que até agora não tive de suportar. Sofrimento moral também não é o que resulta das vezes em que o Sporting sai derrotado de um jogo ou de uma competição. Sofrimento moral tenho quando morre alguém da família ou amigos. Sofro moralmente também quando sinto atraiçoados os princípios e valores com que fui educado e com os quais quero terminar os meus dias! Sofrimento moral - muito mais que sofrimento físico - foram os dias do Covid-19, largamente compensados pelo apoio que recebi dos Amigos, família incluída!
O Sporting perdeu seis pontos nas últimas quatro jornadas mas continua firme na frente
Sofrer moralmente com o Sporting não é o desgosto de um jogo que não se ganha, mas sim o desgosto que, na época passada de futebol (2019/2020), comecei a sentir quando assistia a jogos no Estádio José de Alvalade! Na verdade, tanto no antigo estádio, como no actual, ao fim de certo tempo conhecemos todos os associados que estão à nossa volta, e é com eles que partilhamos, na hora, as alegrias e as tristezas. Os acontecimentos de Alcochete, em Maio de 2018, e tudo o que se seguiu, causaram uma profunda divisão na massa adepta e associativa. Aos maus resultados desportivos do futebol juntou-se um grande mal-estar entre as claques e a Direcção do clube que se estenderam aos restantes sócios e adeptos, porquanto uns tomaram o partido das claques e outros os do Conselho Directivo, chegando a haver confrontos físicos entre pessoas que antes se abraçavam nas vitórias e se consolavam nos momentos menos bons, o que me incomodava sobremaneira.
Decidi deixar de ir assistir aos jogos ao vivo, ainda antes disso ser uma imposição devida ao Covid-19, de que aliás fui das primeiras vítimas. Ajudou a serenar os ânimos de uma forma geral, que não o meu, pois receei pelo agravamento do fosso entre nós e os rivais, do ponto de vista financeiro e desportivo.
Comecei, no entanto, a perceber que o efeito principal da aquisição ao Braga do treinador seria encontrar um rumo, que parecia afastado com nefastas consequências. Sobretudo porque senti ser agregador o sentido do discurso de Amorim, e hoje está à vista o valor incomensurável do seu trabalho: uniu o clube!
Face ao impacto arrasador dos discursos de Jorge Jesus e dos dirigentes do Benfica, o princípio da época do Sporting, nacionalmente prometedor, mas internacionalmente desmoralizador, se alguém me dissesse que o meu clube iria estar em primeiro lugar no início de Novembro, talvez achasse possível, embora com dificuldade. Se me dissessem que à 24ª jornada o Sporting continuaria em primeiro, com 10, 13 e 14 pontos de avanço, respectivamente, sobre Porto, Benfica e Braga, e ganhando pelo meio a Taça da Liga, perguntaria ao meu interlocutor se ele acreditava no Pai Natal. Finalmente, se a administração da SAD tivesse afirmado, no começo da época, que à 28ª jornada teríamos 4 pontos de avanço sobre o Porto e 10 sobre o Benfica, e ainda não teríamos sofrido qualquer derrota, para ser honesto intelectualmente, eu acho que a adjectivaria com todos os insultos possíveis e imaginários!...
O discurso sensato, por vezes tão criticado pelos nossos adversários, do jogo a jogo, veio a revelar-se isso mesmo: no futebol tudo muda num ápice! O sofrimento no sentido da paciência e da tolerância tornou-se num sofrimento causado pela ansiedade de poder ganhar o campeonato, ao mesmo tempo que sentimos todas as manobras, nos bastidores e às claras, para nos enervar e distrair!
Apelo, pois, a todos os sportinguistas que saibam sofrer nestes últimos jogos, pois eles serão um teste à nossa capacidade de resistir à ansiedade que é para nós a possibilidade de pôr fim ao jejum em termos de campeonatos nacionais de futebol. E a melhor maneira de controlar e sofrer essa ansiedade e esse sofrimento é pensar e sentir que encontrámos o rumo para ser felizes, pois é manifesto que encurtámos o fosso mais rapidamente do que julgávamos possível e, portanto, há que manter a rota e encontrar sustentabilidade económico - financeira para a continuação do caminho.
Controlemos a ansiedade porque esta é o caminho rápido para a depressão, e não há razão para tal. E é neste sentido que eu interpreto as palavras de Rúben Amorim que dão o título ao meu escrito de hoje. Temos que ter paciência e a humildade para saber sofrer com os ataques e as contrariedades, porque isso contribui para a maturidade de uma equipa que tem no seu ADN ganhar, mas que ainda não é uma sólida e sustentada equipa ganhadora.
Rúben Amorim e os jogadores são os culpados desta ansiedade que nos faz sofrer, porque nos levaram a um ponto que ninguém imaginava ou julgava possível. Têm o direito de nos pedir que saibamos sofrer, no sentido de ter paciência e ao mesmo tempo acreditar. Façamos da nossa capacidade de sofrimento a arma para evitar que nos derrubem com manobras obscuras e às claras. Façamos do sofrimento colectivo um ânimo acrescido para a nossa equipa!
Saber sofrer é uma condição para ser feliz. Para onde vai um, vão todos! Custa menos sofrermos todos e unidos! Podemos todos ser felizes! É preciso, mais do que nunca, saber sofrer!