Rui Moreira e o FC Porto

OPINIÃO30.05.202004:00

A presença de Rui Moreira na lista de recandidatura de Pinto da Costa, proposto para a presidência do Conselho Geral do clube, tem suscitado o habitual coro de críticas do bem diverso pelotão avançado que considera uma inaceitável promiscuidade a participação cívica, de políticos, em clubes de futebol.
O argumento de fundo pressupõe que a entrada de qualquer cidadão no charco fedorento, que será o mundo da bola, o haverá de conspurcar no corpo e na alma. O que tornará, o político, sujo na idoneidade e na honradez.
É, aliás, o mesmíssimo argumento que o Conselho Superior da Magistratura tem sustentado no que respeita à participação de magistrados em cargos desportivos.
Portanto, não há novidade na vozeria contra Rui Moreira, antes respeitável presidente da Câmara do Porto e, agora, autarca comprometido com essa tentação satânica de assinar o seu nome numa lista candidata à direção e gestão de um clube de futebol que, por sinal, não é, apenas, o mais representativo da cidade, mas a entidade, entre todas, que mais notoriedade lhe tem trazido.
É curioso que não tenha sido ainda publicada em Diário da República a lista oficial dos cargos públicos que estarão impedidos de participar nos órgãos dirigentes de um clube desportivo. O que poderíamos acrescentar ao universo de políticos, autarcas e magistrados? Talvez banqueiros, uma classe de exemplar prestígio e retidão. Talvez militares e forças de segurança pública, que têm a missão de zelar pela unidade nacional. Talvez professores, que devem dar bom exemplo à juventude do país. Talvez clérigos, que não podem passar o seu eclesiástico tempo a perdoar pecados do futebol.
É verdade que ficam poucas profissões ou, o que se torna mais perigoso para a atmosfera do futebol, ficam aqueles que nunca tiveram profissão alguma.
Não me parece, assim, razoável que o povo, incauto e desprevenido, tanto celebre a propósito das conquistas do futebol nacional. Muito mais grave, quando as celebrações se tornam oficiais e desfila toda essa gente de perdição pelos pátios do Palácio de Belém ou pelos corredores de S. Bento, recebendo comendas que só a heróis deveriam ser conferidas.
A hipocrisia social tem muitos rostos. Porém, continua a haver gente que tem a coragem de lhe recusar merecimento. Rui Moreira é um exemplo. Nunca negou a sua relação afetiva com o FC Porto, o que, aliás, nem sempre mereceu o devido reconhecimento nas instâncias superiores do clube. Contos passados que, pelos vistos, não terão deixado marcas. E agora que o FC Porto vive tempos de grande dificuldade, quando o futuro está em causa, quando até aqueles que, antes, não o consideraram, o chamam para uma ajuda de emergência, respondeu sim.
Pode admitir-se que, neste consentimento, o presidente de Câmara do Porto ficará refém do clube? Não me parece. Pode suceder que a Câmara do Porto veja com especial e particular simpatia o apoio ao clube e procure tudo fazer para lhe proporcionar a glória? É bem possível que sim, mas seria, esse, muito simplesmente, um reconhecimento expectável.
Ninguém que conheça um pouco do meu currículo duvidará do meu sentido crítico em relação ao futebol e a muitos daqueles que o governam em Portugal. Mas isso não me impedirá, nunca, de lutar  contra a hipocrisia daqueles que, do futebol, sempre quiseram tirar todo o proveito social, político e económico, mas impõem, a si próprios e a outros, o preconceito de uma distância sanitária. Apenas fingem que não sabem que o futebol tem, nem mais, nem menos, os vícios e as virtudes da sociedade.