Rúben Amorim

OPINIÃO08.03.202001:05

A história contou-a Jorge Valdano: que perguntou a técnico de nome e glória o que é que um dirigente quer quando contrata um treinador e que ele lhe respondeu num fogacho:
- Quer que lhe mintam!
Nesse querer que lhes mintam - o que  quis dizer foi que, ao contratarem um treinador, qualquer que seja (e por que valor seja: 10 milhões ou não), os dirigentes (sobretudo quando andam retorcidos em desesperos) desejam que ele lhes venda sonhos (mesmo que sejam ilusões), trazendo-lhe assim ao presente (a enegrecer-se) futuro (em cor de rosa).
Mas não, não foi a história do Valdano que mais me saltou à ideia ao ver Rúben Amorim à ilharga de Frederico Varandas, foi a história do famoso anúncio do Shackleton. Vou lembrá-lo: antes de se lançar, aventureiro, à conquista da Antártida, algures por 1914 Ernest Shackleton espalhou por jornais anúncio que dizia:
Procuram-se homens para uma viagem perigosa. Salário baixo. Frio extremo. Longos meses de escuridão total. Perigo constante. Não se garante o regresso com vida. Honra e reconhecimento em caso de sucesso.
No dia seguinte, apareceram-lhe 5000 pessoas à entrevista e escolhidos os que Shackleton julgara os mais audazes dos audazes - milhares de quilómetros adiante mar de gelo prendeu o barco e esmagou-o na sua fúria. Deixados os mortos para trás, Shackleton arrastou os vivos para a inóspita Ilha do Elefante - de onde acabaria salvo  quem (sob comando de Shackleton) nunca deixou de pensar que o futuro só é aterrador para quem não está disposto a enfrentá-lo, sem gelos na alma. E sim: é com esse espírito de Shackleton (e dos 5000 do anúncio) que Rúben Amorim chega a Alvalade - na certeza de que, no futebol, a felicidade surge mais do caráter do que do talento (que no caso do Rúben é muito, já se viu); na certeza de que, no futebol, a felicidade só cresce de quem tem capacidade de atirar o olhar ao céu e ver estrelas a sorrirem onde outros viam nuvens em caramunha (e ele tem).