Rosa e Marega 

OPINIÃO23.02.202001:10

JÁ por uma outra vez citei, aqui, frase que se solta do génio da escrita (em veia aberta) de Eduardo Galeano:
- No futebol, o fanático é o adepto no manicómio.
O que aconteceu em Guimarães foi, obviamente, muito pior: foi o fanático no cano do esgoto, no espalhar dos seus estercos. Por isso é que depois do golo que deu ao FC Porto o 2-1, Marega fez o golo da sua vida de costas viradas para o campo, um golo de caráter inteiriço em que ele foi no futebol o que Rosa Parks fora no autocarro do Alabama (algures por 1955): a caminho do seu emprego de costureira, viu lugar vago e sentou-se. Adiante, apareceu um branco a ordenar que lho desse. Rosa recusou cumprir lei que obrigava negros a fazê-lo. Insultaram-na, agrediram-na, prenderam-na. Despedida, ameaçada de morte, teve de fugir de Montgomery (mas não mais da sua luta, mas não da sua dignidade) - e, levado pela sua coragem, um reverendo chamado Martin Luther King começou, através dela, a arrastar a América para lugar mais decente, mais civilizado, mais humano.
Vendo o que vi em Guimarães, acreditei que, levando-se no Marega a Rosa Parks, Martin Luther King surgisse, de fogacho, dentro de quem tem a obrigação de arrastar o futebol em Portugal para lugar mais decente, mais civilizado, mais humano (sem que fossem frágeis os limites que separassem o farisaísmo do taticismo).  Ao ler o comunicado de José Manuel Meirim (a atirar as mãos de Pilatos para o lavatório) e ao ouvir, na SIC, Pedro Proença (em oblíqua relativização do mal que só não foi mais perturbante porque Bento Rodrigues não deixou) não sei se me desenganei. Mas sei que senti Marega outra vez insultado (e o futebol também), insultado pela mera hipótese de impunidade para safardanas, insultado por não ver, na mais pura limpidez, o assumir-se de que contra a escorralha dos urros e seus canalhas, só há uma forma digna de combate:  cortar-se a direito, sem complacência ou palavras meiguinhas, até ao seu extermínio. (E só espero que não venha pior. )